Blog da Ana Maria Bahiana

Arquivo : novembro 2010

Danny Boyle fala sobre 127 Horas: “É um thriller, um drama e não uma reflexão pastoral”
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Ana Maria Bahiana

Estréia amanhã aqui nos EUA  127 Horas, o novo filme de Danny Boyle  que, me  parece, bateu o recorde de O Exorcista em número de pessoas passando mal no cinema (e antes mesmo  de ir para o circuito comercial!).

Seria pena se 127 Horas entrasse na narrativa do cinema apenas como provedor de sustos e horrores – como o filme de William  Friedkin foi, no início. É um belo filme, uma jornada interior traduzida em imagens.

Achei que seria uma boa ocasião para deixar o próprio Danny Boyle falar _ Boyle passou feito um relâmpago por Los Angeles para promover a estréia norte americana de 127 Horas_ e depois, de volta a Londres onde está adiantado o desenvolvimento de mais um Extermínio (desta vez, 28 Months Later, e Boyle, além de produtor, quer pilotar a direção).

AVISO: se você realmente não sabe quem é Aron Ralston e o que aconteceu com ele em maio de 2003 – e que inspirou seu livro Between A Rock and A Hard Place e 127 Horas – você tem duas opções: se informar ou  ler esta entrevista sem entender muito bem o que estamos debatendo (porque, como disse antes, não vou ser eu quem vai contar…)

Você estava trabalhando nesse projeto há muito tempo?

_ Acompanhei o acidente de Aron pela mídia e li o livro dele. Mas foi quando conheci Aron em 2006  que senti que havia um filme ali. Conversei na época com Christian (o produtor Christian Colson, parceiro de Boyle em seus projetos) e ele não concordou. Queria fazer um documentário, e eu sempre quis fazer uma narrativa na primeira pessoa, uma experiência de imersão na jornada interior de Aron _ que, para mim, sempre foi o mais fascinante. Na minha cabeça o que eu queria era estar no canyon com ele, em seus pensamentos, suas alucinações… Escrevi uma sinopse e finalmente convenci Christian. E aí veio o sucesso de Quem Quer Ser Um Milionário e de repente algo que podia ser muito difícil se tornou possível…

Muita gente não teria a mesma visão que você. É um drama tão  individual, tão pessoal, um homem preso no fundo de um canyon…

_ Exatamente, por isso imediatamente eu vi uma narrativa completamente imersiva, em que as pessoas pudessem estar naquele canyon com ele e… sei que parece pretensioso mas.. eu vi que o único modo que a história poderia funcionar seria se o público pudesse, por assim dizer, ajudar Aron a fazer o que ele precisa fazer. Porque de outro modo…. Eu teria multidões saindo correndo do cinema, berrando “isso é insuportável, não consigo ver uma coisa assim!”..

Algumas pessoas estão passando mal mesmo assim…

_ Bom, não dava para não mostrar o momento que, nas palavras do próprio Aron, mudou e redefiniu a vida dele. Eu precisava honrar esse momento, a coragem dele. E não podia ser um segundinho e cortamos para ele fora do canyon. Na realidade ele levou 44 minutos fazendo o que fez. Era fundamental manter essa perspectiva e, mais uma vez, colocar o público junto com ele.

Como você escolheu James Franco para viver Aron Ralston? Fisicamente, não há muita semelhanca, pelo menos à primeira vista..

_ Mas há uma tremenda conexão emocional. James tem um tremendo senso de humor, e uma enorme capacidade dramática. É um espectro de desempenho muito vasto , ele pode nos levar ao drama e ao sofrimento e ao mesmo tempo ser um palhaço, brincar. Quando se passa um tempo com Aron você vê que ele é exatamente assim.

Você é uma pessoa que curte montanhismo, aventura, esportes radicais? A natureza é um grande personagem de 127 Horas.

_ Sou uma pessoa completamente urbana. Simon (Beaufroy, roteirista) é que gosta de escalada e acampamento. E foi por isso que pensei nele em primeiro lugar para fazer o roteiro comigo. Eu acho que, como espécie, nós, humanos, gostamos de estar juntos. Há algo no nosso DNA que nos compele a buscar uns aos outros e por isso estamos em geral aglomerados em cidades. Mas em toda tribo há os outsiders e na nossa, muitas vezes, são pessoas como Aron, que só se sentem realmente felizes sozinhos na natureza, e que, acho, nos desprezam um pouco.  Não pude deixar minha sensibilidade urbana de lado _ filmei 127 Horas com uma linguagem completamente urbana, dinâmica. Para mim é um thriller e um drama pessoal, não uma reflexão pastoral sobre a natureza.

127 Horas estréia dia 18 de fevereiro no Brasil. Volto a esta entrevista, com mais detalhes da produção, nessa época.


Último episódio da trilogia Frank Darabont: ”O poder do cinema fantástico é nos dar pesadelos sob controle”
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Ana Maria Bahiana

Darabont e parte de sua coleção, em seu escritório em Los Angeles

Nos episódios anteriores (posts dos dias 29 e 30/10) o diretor, roteirista e produtor Frank Darabont conta como nasceu e foi produzida  a série The Walking Dead, que  foi sucesso ontem aqui nos EUA e estreia amanhã, dia 2, no Brasil. Na terceira e última parte de nossa conversa, Darabont fala sobre seus pesadelos (estressantes), o estado de coisas no mundo e na indústria (aterrorizador), o eterno poder do medo na tela (sensacional) e como Guillermo del Toro e Alfonso Cuaron restauraram sua fé na humanidade e no cinema.

Qual é, na sua opinião, o tema central de The Walking Dead?

_ É uma jornada de um estado de perplexidade para a possibilidade de sobrevivência . E, finalmente, a perda gradual da inocência e da esperança.

Isso é terrível… seus zumbis estão dizendo, então, que a humanidade não tem saída, que jamais vamos conseguir consertar nossos erros?

_ Quando eu era mais jovem eu era mais otimista (ri). É fácil ser otimista na juventude. Quanto mais você vive, mais você vê como o jogo é sujo, como são cartas marcadas, e como a ganância é o motor de tudo. Mas, debaixo do meu profundo e horrível cinismo (ri mais ainda) ainda existe uma fagulha de otimismo. Senão… não valia a pena sair da cama, não é? Melhor fazer as malas e… (faz o gesto de dar um tiro na cabeça). Bum!

Com certeza eu amadureci muito ao ver, ao longo dos anos, como nossos sistemas políticos e financeiros são desesperadoramente corruptos, e como nossa espécie é desesperadoramente corrupta. É difícil achar nobreza no ser humano, acreditar na grandeza do espírito humano. Talvez em indivíduos, mas não no todo , em grupos, na espécie humana. Os zumbis são uma metáfora  clara para isso. A falta de racionalidade da espécie humana, e como somos perigosos, destruidores e estúpidos em grupos…

E qual o papel do cinema, nisso?

_ Eu já fui mais otimista quanto ao cinema, também… (ri) Hoje em dia eu vejo muito mais qualidade na televisão,  textos brilhantes, e, com certeza, temas adultos e complexos. Ouso dizer que os temas adultos e complexos, cada vez mais, vão ser privilégio da TV. É onde estão as oportunidades para abordar esses temas e contar essas histórias. Os filmes, hoje, não são tanto sobre as histórias e sim sobre a oportunidade de efeitos espetaculares. Veja bem, não tenho nada contra um filmão pipoca, adoro um  bom filmão pipoca, mas tem que ser bom, e não pode ser apenas pipoca… Fico triste pensando que, hoje, um filme como Um Dia de Cão (Sidney Lumet,  1975) talvez não conseguisse ser feito. A não ser na TV por assinatura.

Nenhuma esperança, então?

_ Na TV, com certeza, sim. Sou cada vez mais fã do que está se fazendo na TV. Battlestar Gallactica … demorei a descobrir essa série, mas quando vi, me apaixonei, comprei a caixa de DVDs e vi sem parar durante dias, trancado em casa. Sumi! E The WireDead Set… Mas tenho que admitir uma coisa: quando estou no meu pior pessimismo lá vem um filme ou dois que restauram minha fé. Aquele ano que teve O Labirinto do Fauno e Filhos da Esperança… fiquei empolgadíssimo. Ainda havia cinema! O cinema ainda era capaz de comover, contar histórias, fazer metáforas, abordar temas profundos! Fiquei imensamente grato a Guillermo del Toro e Alfonso Cuaron por restaurarem minha esperança.

O que aconteceu com seu projeto de refilmar Fahrenheit 451?

_ Não consigo  fazer, não é? Não consigo financiar. Mas não desisti.  E uma coisa tenho que dizer: Mel Gibson, que estava envolvido no projeto como diretor, graciosamente passou-o de volta para mim. Isso é muito raro nesta indústria, onde as pessoas se agarram aos projetos o quanto podem. Não sei o que está acontecendo com Mel estes dias mas, comgo, ele sempre foi corretíssimo.

Dos seus filmes, qual é o seu favorito?

_ Boa pergunta…  Um Sonho de Liberdade, é claro, tem toda uma carga, ganhou uma dimensão muito maior do que eu esperava. Mas adoro O Nevoeiro. É um filme raivoso, furioso. Eu estava furioso, muito frustrado, com raiva de tudo. E consegui por isso na tela de um modo muito bacana.

E entre os filmes dos outros?

_Ih, tem tantos…. Todos os de Frank Capra e Billy Wilder, para começar. Noite dos Mortos Vivos, de George Romero que me apavora até hoje e é um filme ousadíssimo  para seu tempo _ um negro é o líder! Em 1968!  E os monstros somos nós mesmos, nos devorando…E minha paixão, Frankenstein, o livro de Mary Shelley e o filme de David Whale. É a história mais potente que já foi contada, na minha opinião. Como uma garota de 18 anos pode ter escrito algo assim? Para mim é a história do drama essencial da humanidade em busca de Deus, do Criador, e perguntando a Êle: quem eu sou? Por que você me criou? Qual a minha finalidade?  E também é uma história sobre pais e filhos, e sobre uma criança, uma criatura-criança, maltratada e abandonada por seu pai.

Esse, para mim, é o poder do cinema, e principalmente do cinema de terror e de fantasia – nos proporcionar pesadelos sob controle, dos quais sabemos que vamos acordar e tudo vai estar bem, lá fora. E, dessa forma, podermos meditar e ter a experiência de nossas questões mais profundas.

Você tem pesadelos?

_ Não muitos. Em geral, antes de começar um filme, tenho pesadelos de ansiedade. Ele vão embora no set. Quando começo a filmar está tudo bem. Tenho também um pesadelo recorrente, desde a adolescência: que matei uma pessoa e enterrei no jardim da minha casa…. (Darabont fica quieto por um tempo, depois começa a rir) Ei! Vai ver que é aquele que está lá no jardim!

Fotos: Theo Kingma e Two Productions/AMC