Blog da Ana Maria Bahiana

Arquivo : setembro 2014

O que tem nessa cabeça? “Garota Exemplar” e o poder da história
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Ana Maria Bahiana

gone 1 Garota Exemplar (Gone Girl, dir. David Fincher, 2014) começa com o close da cabeça da personagem Amy Elliott Dunne, a “garota exemplar” do título brasileiro, a “garota desaparecida” do título original. O livro de Gillian Flynn – que adaptou sua própria obra para a tela – também começa assim, estabelecendo uma das muitas qualidades da personagem – a fineza de seus traços, que incluem “o que os vitorianos chamavam de uma cabeça bem desenhada”. É também o modo como autora e diretor nos dizem que tudo o que vamos acompanhar daqui para a frente se passa, acima de tudo, na cabeça , ou a partir da cabeça, dos personagens. Não apenas Amy, a que desaparece, e Nick, o marido que se vê acusado de seu desaparecimento, mas os vizinhos, os policiais, os familiares, os habitantes da pequena cidade do Missouri com a história se passa, os espectadores dos programas de debates da TV dedicados a casos escandalosos que fazem a cobertura do desaparecimento. E, obviamente, todos nós, na platéia do cinema. Um dos primeiros grandes sucessos de Garota Modelo é ter colocado a gestão de sua versão visual nas mãos de quem concebeu o projeto original. Porque o projeto original era inteiramente sobre conceitos, sobre imagens, sobre as narrativas fictícias que nós fazemos em nossas cabeças o tempo todo e que, se deixadas à solta, crescem como ervas daninhas e se transformam em “fatos”. Quem leu o livro sabe do que estou falando . Para quem não leu, tentarei dizer o mínmo possível além de: vejam esse filme, vejam correndo. Sim, apesar do Ben Affleck. Mais sobre isso em breve. A premissa é essa que alinhavei aí em cima: numa pequena cidade do interior uma moça – bonita, carismática, filha de pais famosos e ricos – desaparece súbita e misteriosamente. O marido, filho da terra que voltou para a cidadezinha movido a crises pessoais e financeiras, se vê pouco a pouco transformado em principal suspeito. Mas o que realmente está acontecendo? Há ecos imediatos de casos como os de Scott Peterson, que chocou a Califórnia e todo o país em 2004 – e que Ben Affleck entrevistou como parte de sua pesquisa para o papel de Nick Dunne. Mas na verdade a teia de crime e castigo é apenas a fachada : Garota Exemplar é sobre as histórias que inventamos, as histórias que contamos a nós mesmos, os personagens que inventamos, os personagens que vivemos. gone 2 Amy, escritora bissexta, é filha de aclamados autores de livros infantis que a transformaram na personagem de uma série de best sellers. Nick é um jornalista reinventando-se na cidade grande – Nova York – e depois convencendo-se ser um outro personagem, o acadêmico e escritor recluso no campo. São histórias dentro de histórias, máscaras sobre máscaras empilhando-se e se re-arranjando ao sabor de um roteiro exato e da diabólica precisão de David Fincher, sua câmera sempre pousada onde mais oculta fingindo estar mostrando. É um filme longo – duas horas e 25 minutos – que passa quase como um transe, graças à maestria de Fincher e o apoio respeitável da trilha de Trent Reznor. Eu teria preferido que outro ator estivesse no papel de Nick. Mais que isso, o tempo todo eu imaginava outros atores, mais dinâmicos, mais plásticos, compartihando conosco os turbilhões internos do personagem. Pensei que talvez Fincher tivesse sido atraído exatamente pela impassibiidade de Affleck , expressando sempre uma máscara, nunca uma pessoa. Mesmo assim… Principalmente porque Rosamund Pike, no papel de Amy, lida com as mesmas questões de modo absolutamente espetacular. O filme é dela, do começo ao fim, e sem ela não seria o espetáculo que é. Espero que seja lembrada em todos os prêmios.  Garota Exemplar estréia aqui dia 26 de setembro, no festival de Nova York, e em circuito comercial dia 3 de outubro; no Brasil, sua estréia é no Festival do Rio, dia 2 de outubro.


Temporada-ouro: onde estão as mulheres?
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Ana Maria Bahiana

Julianne Moore em Mapas Para As Estrelas...

Julianne Moore em Mapas Para As Estrelas…

... e em Still Alice. Um dos duelos de um ano complicado para as atrizes.

… e em Still Alice. Um dos duelos de um ano complicado para as atrizes.

A esta altura, ano passado, já tínhamos visto, todo mundo já estava certo de que Cate Blanchett seria se não a vencedora de todos os prêmios, pelo menos a favorita, aquela que as demais tinham que ultrapassar. 2013 foi um ano bom para atrizes, assim como 2012 e 2011, repleto de papéis fortes, tanto para protagonistas quanto para coadjuvantes. O difícil era escolher: Jacki Weaver ou Hallee Steinfeld? Viola Davis ou Rooney Mara? Jessica Chastain ou Emmanuelle Riva? Sandra Bullock ou Judi Dench? Isso sem nem falar nas que ganharam. Este ano, até agora, o zum zum é dominado pelos atores, desde Sundance, passando por Cannes , Telluride e Toronto. Toronto, aliás, não tem mais a força de antes – novidades poucas, e um trio de pesos-pesados – Interstellar, Garota Exemplar (Gone Girl) e Inherent Vice – decidiram esperar para entrar na disputa no Festival de Nova York, que começa neste final de semana. Mesmo com esse desconto, os principais desempenhos que emergiram de Toronto foram os masculinos: além do duelo Benedict Cumberbatch X Eddie Redmayne em cinebios de grandes cientistas britânicos, Alan Turing (The Imitation Game) e Stephen Hawking (The Theory of Everything), Paul Dano como Brian Wilson em metade de Love & Mercy, Chris Rock em Top Five, Jake Gyllenhaal em Nightcrawler (o fato d le ter perdido uns vinte quilos para fazer o papel sempre ajuda…) e Adam Driver em Hungry Hearts (premiado em Veneza). Sou completamente contra especular sem ter visto, mas a seca é tamanha que comecei a fazer um inventário de papéis com força suficiente para disparar indicações. Eu não teria o menor problema em indicar algumas boas performamces que vi no primeiro semestre: Patricia Arquette em Boyhood, Marion Cotillard em A Imigrante, Agata Trzebuchoska em Ida, Scarlett Johansson em Sob a Pele. Mas sei muito bem que não esses filmes não tem o jeitão que agrada meus colegas votantes – algo mais acessível, um tanto mais abertamente trágico, de preferência com ecos históricos, temas “de época”. Por isso não descartaria Shailene Woodley em A Culpa É Das Estrelas. Em um ano mais disputado, essa opção poderia desaparecer no turbilhão da temporada-ouro. Mas este ano…

Reese Whiterspoon em Wild...

Reese Whiterspoon em Wild…

... e Mia Wasikovska em TRacks : duas atrizes, dois filmes, basicamente a mesma história.

… e Mia Wasikowska em Tracks : duas atrizes, dois filmes, basicamente a mesma história.

Duelos previsíveis, parte 1: Reese Whisterpoon e Mia Wasikowska pelo que , sinceramente, é o mesmo papel em dois filmes diferentes – Wild e Tracks. Os dois são sobre mulheres que entram em crise e decidem fazer uma longa jornada a pé, uma espécie de peregrinação para reencontrar o sentido da vida. A Cheryl de Reese em Wild é simpática e abordável. A Lily de Mia em Tracks é arredia e antissocial. Acho que já sei quem vai ganhar essa disputa… Parte 2: Julianne Moore contra si mesma em dois papéis completamente diferentes, a atriz ambiciosa e conflituada de Mapas Para as Estrelas e a acadêmica brilhante diagnosticada com uma moléstia grave e incurável em Still Alice. Eu disse “moléstia incurável”? Então já sei qual Julianne ganha essa disputa… Outras possibilidades : Juliette Binoche e Kristen Stewart (quem diria…) em Clouds of Sils Maria; Rosamund Pike em Garota Exemplar, Alba Rorschwacher em Hungry Hearts (premiada em Veneza); Hilary Swank em The Homesman e, quem sabe, Amy Adams em Big Eyes (ainda temos fé em Tim Burton?). Mas 2014, para as atrizes, ainda é uma incógnita.


Os primeiros candidatos da Corrida do Ouro 2014-2015
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Ana Maria Bahiana

É aquela época do ano: acabou a pipocada, as crianças voltaram à escola e todo mundo acha que sabe quem vai ganhar o Oscar (e outros prêmios).

A verdade, amigas e amigos,  é que, como já dizia o mestre roteirista William Goldman, neste ofício de doidos ninguém sabe nada. E a segunda e terceira partes desta verdade é que 1. A maioria dos filmes nas listas pipocando por aí ainda não estrearam/ foram exibidos para votantes 2. A imensa maioria de quem faz essas listas não vota para os prêmios sobre os quais escreve.

Então vamos com calma.

Aqui vai uma avaliação mais breve e possivelmente mais sensata incluindo filmes que já estrearam e/ou foram exibidos para votantes e – mais importante – já passaram por algum dos festivais que alavancam carreiras-ouro: Sundance, Cannes, Veneza,Telluride (em ordem cronológica).

 

BoyhoodBoyhood

O que é: 12 anos na vida de um menino, da infância até entrar para a faculdade.

Currículo: Sucesso em Sundance, Urso de Prata de melhor diretor em Berlim, seguido por circuito comercial no primeiro semestre e aclamação unânime da crítica.

Chances: Muitas: melhor filme, diretor e roteiro (Richard Linkater), atores (Patricia Arquette, Ethan Hawke e até o estreante Ellar Coltrane), melhor montagem.

O que pode atrapalhar: Sua delicadeza, seu orçamento de marketing modesto e o fato de ter estreado no primeiro semestre. Vai ser preciso uma campanha corpo a corpo para manter aceso o interesse em meio a filmes mais badalados.

 The-Grand-Budapest-Hotel-580

Grande Hotel Budapest

O que é: Tributo ao universo do autor Stefan Zweig pela visão de Wes Anderson – as memórias (verdadeiras ou não) de um famoso escritor recontam a vida num hotel de luxo do leste europeu, entre as guerras mundiais do século 20.

Currículo: Prêmio do Júri em Berlim,  circuito comercial no primeiro semestre, boas críticas.

Chances: Foi o primeiro grande destaque do ano no circuito comercial, o primeiro filme a despertar algum zum-zum. Fortes chances para Ralph Fiennes (num papel completamente diferente do seu habitual), roteiro, direção (Wes Anderson), direção de arte e figurinos.

O que pode atrapalhar: Wes Anderson. Nem todo mundo leva sua estética a sério.

Mr. Turner

Mr. Turner

O que é: A vida e a visão do pintor J.M.W Turner, um dos grandes das artes visuais britânicas.

Currículo: Melhor ator em Cannes para Timothy Spall, uma quase-palma para o diretor e roteirista Mike Leigh.

Chances: Timothy Spall, com, certeza. Mike Leigh também tem boas chances, assim como o filme.

O que pode atrapalhar: Lindo mas severo, Mr.Turner não joga para a arquibancada meeesmo…

foxcatcher

Foxcatcher

O que é: A complicada relação do excêntrico trilionário John Du Pont com os atletas do time de luta romana que ele patrocina.

Currículo: Melhor diretor em Cannes para Bennett Miller (Moneyball), passagem aclamada por Telluride, esta semana em Toronto. Estréia comercial nos EUA dia 14 de novembro.

Chances: Nicole Kidman sabe muito bem o que um nariz pode fazer na briga por uma estatueta (Oscar de melhor atriz por As Horas, 2002). Steve Carell (como Du Pont, irreconhecível) conseguirá o mesmo? Filme, diretor e roteiro também estão no páreo.

O que pode atrapalhar: Somente a competição.

Birdman

Birdman

O que é: Ator que teve dias de glória no papel de um super-herói tenta dar um reboot em sua carreira com uma peça na Broadway.

Currículo: Aclamação total em Veneza e Telluride. A palavra “obra prima” não era tão usada desde Boyhood alguns meses atrás. Estréia comecial nos EUA dia 17 de outubro.

Chances: Alejandro González Iñarritu na direção, Michael Keaton no papel principal (como os votantes amam uma volta por cima, ainda mais com elementos meta…!), Edward Norton e Emma Stone como coadjuvantes, fotografia, montagem, melhor filme.

O que pode atrapalhar: É preciso segurar o entusiasmo de agora até a virada do ano…

wild

Wild

O que é: Jean-Marc Vallée (Clube de Compras Dallas) adapta o best seller de Cheryl Strayed sobre uma longa caminhada solitária como forma de reencontrar o sentido da vida.

Currículo : Estréia bem recebida em Telluride. Entra em circuito comercial, nos EUA, dia 5 de dezembro.

Chances: É meio Comer, Rezar, Amar com mochila, o que sempre cai no gosto de muitos votantes. A reação de Telluride foi mais positiva quanto à estrela Reese Whiterspoon do que quanto ao filme de modo geral – ela é a grande chance do filme.

O que pode atrapalhar: A competição. Mas Reese está saindo com vantagem.

 imitation

The Imitation Game

O que é: Como o matemático inglês Alan Turing decifrou o “código impossível” dos nazistas durante a Segunda Guerra Mundial.

Currículo : Estréia bem recebida em Telluride, vai para Toronto. Entra em circuito comercial, nos EUA, dia 21 de novembro..

Chances: Benedict Cumberbatch como Turing tem sido a unanimidade até agora. As chances são muito boas.

O que pode atrapalhar: O filme em si, que não é tudo o que poderia ser.

 

rosewater

Rosewater

O que é: A história (verdadeira) do jornalista iraniano Maziar Bahari, preso e torturado por cobrir manifestações em Teerã em 2009.

Currículo : Estréia bem recebida em Telluride; esta semana em Toronto. Entra em circuito comercial, nos EUA, dia 7 de novembro.

Chances: Votantes adoram celebridades que dirigem – e Jon Stewart está estreando atrás das câmeras com este filme (alô, Argo! ). A reação do seleto público em Telluride foi entusiasmada, embora as resenhas tenham sido assim-assim. O destaque mais provável é para Gael Garcia Bernal como Maziar. Olho nele.

O que pode atrapalhar: Os altos e baixos do próprio filme, a resistência ao tema.

 

É claro que teremos mais competidores nesta gincana– muita coisa ainda vai pipocar por aí. Mas estes são os que tem tração agora, na largada…. Olho vivo, pessoal… Vou mantendo vocês atualizados…


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