Blog da Ana Maria Bahiana

Arquivo : Tron

Tron, o Legado e Bravura Indômita: dose dupla de Jeff Bridges
Comentários Comente

Ana Maria Bahiana

Porque o fim de semana já está aí e, com ele, o lançamento mundial de Tron-O Legado, que tal uma dose dupla de Jeff Bridges, ator que prova o quanto viver muito e bem pode ser produtivo?

Comecemos por Tron, já que vocês podem conferir agora mesmo esta nova iteração do filme cult de 1982. Muitos fatores tornaram Legado um dos filmes mais esperados do ano _ principalmente o carinho de algumas gerações criadas à sombra do filme original, uma obra bizarra conceitualmente muito à frente de seu tempo.

Imaginar o que os recursos atuais da tecnologia podiam fazer com o universo virtual de Tron já seriam o bastante para fazer qualquer fã salivar; mas ainda havia promessa de uma dose dupla de Jeff Bridges, uma trilha pelo Daft Punk e a presença da super hot Olivia Wilde, sem falar nos  sucessivos  “aperitivos” servidos nas últimas Comic Con.

O Tron de 1982 sempre me intrigou  e fascinou mais do que agradou: me parecia uma ideia em busca de uma forma, um pressentimento, uma mensagem enviada pelo futuro do mesmo modo como,  dois anos depois, William Gibson psicografaria o século 21 em seu livro Neuromancer, a definitiva obra prima da era digital.

Consta que a Disney, produtora de Tron e detentora dos direitos, tinha vergonha de sua obra, o que explica os anos e anos de desenvolvimento do projeto, o sumiço das cópias do DVD do mercado e, finalmente, o mega-esforço do futuro diretor Joseph Kosinski e sua turma de efeitos visuais demostrando, num teaser, que era possível levar a história adiante.

Fãs do filme original não ficarão decepcionados com Legado _ é uma tremenda viagem visual por uma paisagem gelada e noturna, com impecável 3D original (nada de conversões aqui), espetacular direção de arte e a plena realização de algumas das ideias enunciadas em 1982 _ a perseguição de moto, por exemplo, agora de fato uma disputa em alta velocidade, com o espectador no meio. E, sim, duas (ou tres…) vezes Jeff Bridges: no mundo real e virtual, como o pai do herói Sam Flynn (Garrett Heldlund, possivelmente o ator menos carismático que já vi); e como seu avatar virtual, o programa Clu, rejuvenescido graças à mesma plástica digital que envelheceu Brad Pitt em Benjamin Button.

Meu único conselho: não levem a história a sério. Mesmo com longos diálogos expositivos para explicar como Flynn , Sênior foi parar na grid e o que fez por lá nos últimos 20 e tantos anos, qualquer tentativa de acompanhar literalmente a possível metáfora do mundo virtual ou descobrir o que Olivia Wilde é e que diabos Michael Sheen está fazendo fantasiado de David Bowie circa 1972 resulta apenas em uma tremenda dor de cabeça.

Abracem Tron-O Legado como uma experiência sensorial não muito diferente de um bom videogame _ ou, como me lembrou um tronólogo e cinéfilo mega-erudito, não muito diferente de Enter the Void, de Gaspar Noé.

E sim, a trilha , nos momentos em que o Daft Punk resolve se levar a sério , se parece perigosamente com a de Hans Zimmer para Inception. Mas quando eles se entregam a uma versão atualizada do electro-prog dos anos 80, é deliciosa (prestem atenção: são eles na cabine do DJ na cena do clube, mudando o som da pista para acomodar a iminente porradaria).

Bravura Indômita, dos irmãos Coen, também é uma refeitura muitos e muitos anos depois _ o original , dirigido por Henry Hathway, é de 1969 e rendeu a John Wayne o Oscar de melhor ator em 1970. Para seu filme Joel e Ethan Coen, na verdade, passaram consideravelmente ao largo do filme e retornaram ao texto original do livro de Charles Portis, publicado em 1968 e um clássico das  obras western.

Coisas importantes foram corrigidas com essa mudança de curso: a voz do filme, no sentido literal e figurativo, voltou a ser da menina Mattie Ross (a sensacional estreante Haillee Steinfeld, justamente lembrada nas indicações da Screen Actors Guild) e não do xerife “Rooster” Cogburn (Wayne  no original. Jeff Bridges, genial, aqui); a paisagem, física e emocional, saiu do épico Colorado do filme de 1969 e retornou ao mundo muito mais árido e desnudo do Arkansas/Oklahoma do livro.

Mais importante: todo verniz de sentimentalismo e qualquer tentativa de açucarar a trama foram eliminados. Como no livro, Mattie não flerta com o xerife texano (Matt Damon, ótimo) que se incorpora à patrulha em busca do assassino do pai dela; a picada de cobra do ato final tem todas as suas implicações sinistras e irremediáveis; e a linguagem mantem o estilo ao mesmo tempo formal e cru de Portis, acrescido do famoso humor dos Coens.

O resultado é um filme muito superior ao original, onde espíritos igualmente  ácidos – os Coens, Portis – se encontram para contar a história da menina de 14 anos que contrata um xerife em fim de carreira, bêbado,caolho e cheio de fantasmas interiores, para vingar o assassinato do pai.  Isto  é puro drama do oeste: como, num território sem contrato social e sem leis, a única bússola possível são os princípios morais de cada um.

Lamento que os executivos da Paramount tenham, por razões que ignoro, escondido o filme, o que pode ter resultado no seu sumiço dos (esquisitíssimos) Globos. Mereciam que Rooster saísse atrás deles, rédeas nos dentes, um revólver em cada mão.

Bravura Indômita estreia nos EUA quarta feira que vem dia 22; e no Brasil dia 21 de janeiro.


< Anterior | Voltar à página inicial | Próximo>