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Argo: a maturidade de Ben Affleck, diretor
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Ana Maria Bahiana

O problema de se fazer um thriller com um pano de fundo político é que quase sempre o ruído que a política faz acaba abafando o conteúdo humano. Que, no fim das contas, é o que viemos ver (caso contrário estaríamos num comício, certo?). Grandes obras do gênero, como Z, de Costa Gavras e Todos os Homens do Presidente, de Alan Pakula, compreendem esse desafio e mantem o elemento político sob controle, como o gatilho que impulsiona a narrativa.

Argo, de Ben Affleck, tem exatamente a mesma qualidade. Não é pouca coisa, considerando que se trata de apenas o terceiro filme de Affleck como diretor e , além disso, aborda um dos eventos mais carregados de complicações políticas e passionais: a revolução islâmica que, em 1979, retirou do poder o Xá Reza Pahlavi e instaurou a teocracia no Irã.

Trabalhando com um ótimo roteiro do também quase estreante Chris Terrio (com apenas um curta em seu currículo) Affleck não cai na armadilha de transformar a ação em panfletagem, mas domina perfeitamente o lado humano de uma história tão absurda que só poderia ser real (como, de fato, é). O pano de fundo político é estabelecido logo no começo, através de um artifício inteligente e visualmente intrigante: a história de como o Império Persa da antiguidade se tornou o Irã do século 20 – e o papel dos interesses do Ocidente, principalmente dos Estados Unidos nisso tudo – é contada, com uma narração em farsi, por uma série de imagens de storyboard.

Do projeto de um filme que não houve somos jogados imediatamente no calor do momento que gerou outro filme que também não houve: estamos em novembro de 1979 em Teerã, e o complexo diplomático norte-americano está em vias de ser tomado de assalto por uma multidão de militantes islâmicos, os mesmos que acabaram de derrubar  o Xá e instalar o exilado Ayatolá Khomeini no poder. Seis funcionários consulares vão conseguir fugir por uma saída de emergência. E é com eles, e com a inacreditável operação armada para tirá-los de Teerã em segurança – e sem agravar a delicadissima crise internacional já armada – que Argo se ocupa, com excepcional maestria.

O artifício inventado pelo agente da CIA Tony Mendez (Ben Affleck) envolve cinema, o que remete elegantemente aos storyboards do início (que fecharão o ciclo ainda mais numa sensacional sequencia no aeroporto de Teerã, envolvendo guardas revolucionários e mais storyboards). Não vou entrar em detalhes para não estragar o prazer de quem não sabe nada a respeito. Mas é tão espetacularmente absurdo que só pode ser verdade.

Affleck  se diverte claramente com o segundo ato de Argo, dedicado ao mercado de egos e ilusões de Hollywood , particularmente nos anos seguintes à revolução causada por Star Wars. Alan Arkin e John Goodman, nos papéis de dois veteranos profissionais da industria, conduzem essa parte da trama com enorme prazer. Um dos grandes trunfos da firme direção de Affleck é como ele sabe modular os diversos tons de sua história, oscilando entre suspense, drama humano e comédia farsesca sem jamais perder o pulso.

Argo é um filme que dá gosto ver. É um belissimo thriller de fundo político,  à vontade entre outros grandes títulos do gênero.  No final, fica no ar uma delicada mas muito clara sobreposição de temas: Star Wars, a saga sobre fugitivos, militantes, impérios, liberdades roubadas; Argo, o navio abençoado por Atena, a deusa grega da sabedoria e da guerra, que conduziu Jasão ao Velo de Ouro; e storyboards falando do irresistível poder do cinema como modo de contar histórias que, de sua propria maneira, se tornam verdadeiras – e são capazes, até, de trazer a liberdade nos momentos mais inacreditáveis.

Argo estreia hoje nos EUA e 9 de novembro no Brasil.


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