Por que os Globos de Ouro são importantes. (E os Oscars também.)
Ana Maria Bahiana
Algumas coisas são sempre importantes de serem lembradas quando se fala de temporada de prêmios, especialmente quando se está no auge desta fogueira de vaidades:
- Como disse antes, todo prêmio é, em essência, a expressão da opinião de um grupo de pessoas num determinado momento.
- Para quem é indicado ou vence, prêmios são importantes como: reconhecimento de seus pares; ferramenta de marketing; upgrade ou viabilização de carreira. Mas quem dá o devido valor a qualquer obra são o tempo e a história. Que o digam Kubrick, Chaplin, Hitchcock, Altman e Kurosawa, entre muitos outros.
- Para quem escolhe, prêmios são importantes como: ferramenta para estabelecimento e ampliação de sua posição no meio; ritual de consolidação de seus integrantes; fonte de renda.
- Desde 1953, quando o Oscar foi televisionado pela primeira vez nos Estados Unidos, os prêmios evoluíram de uma festa entre colegas para um show de mídia. Uma entidade que tem um prêmio televisionado sabe que ali está sua principal fonte de renda para o ano todo, viablizando suas atividades, programas, doações e apoios. Uma entidade que tem seu prêmio televisionado está constantemente preocupada com a qualidade e popularidade de seu evento _ seria muito irresponsável de sua parte não faze-lo.
Quando, 70 anos atrás, um grupo de correspondentes estrangeiros em Los Angeles criou o que viria a ser a Hollywood Foreign Press Association, seu primeiro objetivo era por um ponto final à xenofobia e paranoia que dominavam o país em plena Segunda Guerra Mundial. A ideia de criar um prêmio que expressasse as preferências desse grupo – o Golden Globe, Globo de Ouro, enfatizando o aspecto universal das artes visuais – era uma forma de usar de outro modo a moeda corrente que a Academia, fundada 16 anos antes, já tinha descoberto: o prêmio como bilhete de entrada e afirmação no meio.
A Academia, em 1927, tinha um problema: a disputa entre produtores e estúdios e os sindicatos e entidades de classe por melhores salários e condições de trabalho. A HFPA, em 1943, tinha outro: não ser mais discriminada como “um bando de estrangeiros” que talvez estivesse espionando para o inimigo.
Acho incrível que, 70 anos depois, ainda tenha gente que continue nos chamando de “um bando de estrangeiros”, denegrindo nosso trabalho, insultando a mim e a meus colegas. Xenofobia é uma erva daninha difícil de exterminar.
Felizmente, esta turma é uma minoria cada vez menor. Quando cheguei a Los Angeles em 1987, passei muitos anos ouvindo coisas como “esta entrevista só está disponível para territórios importantes, você não pode fazer” ou “ não temos mais lugar neste evento, é apenas para imprensa norte americana”. Ou recebendo — depois de muita insistência– copias xerocadas das notas de produção enquanto os coleguinhas norte-americanos – muitos dos quais são os que ainda dizem todas essas coisas acima – eram mimados com luxuosas encadernações, camisetas e lugares reservados nos cinemas.
Ah, como isso mudou! A bilheteria internacional representa hoje 70% da renda combinada de todos os grandes estúdios e principais distribuidores. Carreiras inteiras – Tom Cruise que o diga – dependem dos mercados internacionais. Projetos são escolhidos e aprovados baseados em suas perspectivas internacionais.
A evolução, a popularidade e o prestígio crescentes dos Globos de Ouro devem ser entendidos, em primeiro lugar, à luz desse fenômeno. Os colegas norte americanos podem dizer que somos um “bando misterioso” de jornalistas que “ninguém conhece”, mas estúdios, produtores, divulgadores, atores e qualquer pessoa que lide com mídia internacional nos conhece muito bem: nós somos a voz dos BRICs, a ponte com a Europa, a Ásia, o Oriente Médio. Nossa presidente, a extraordinária Aida Takla O’Reilly, nascida no Egito, escreve para Dubai, um dos maiores financiadores atuais do cinema. Da França à Coréia, da Australia ao México, o que reportamos repercute nos mercados que, hoje, mais interessam aos realizadores de todos os tamanhos.
E – o que na verdade pode ser ainda mais interessante – as escolhas que fazemos, nos Globos, são as da platéia, de certa forma as nossas plateias, as culturas, os idiomas e os países que representamos. Vemos e consumimos cinema como o mundo vê e consome. Isso, hoje, vale mais do que qualquer outra coisa. (Inclusive, segundo este estudo, mais do que um Oscar, como ferramenta de marketing – uma vitória nos Globos adiciona, em média, mais 14 milhões de dólares à bilheteria de um filme, enquanto um Oscar traz em média mais 3 milhões de dólares.)
O mito de que “os Globos influenciam os Oscars” começou na mesma salada de especulações e “experts” que hoje assolam a mídia. Por conta de nosso calendário profissional – ei, somos jornalistas, temos que acabar logo com essa farra para voltar a trabalhar! – e da agenda das emissoras que transmitem o evento, os Globos há muitos e muitos anos estão firmemente no segundo domingo de janeiro. O resto do nosso calendário se prende a isso.
Como bem aponta este artigo da Variety, nossas escolhas são de natureza diversa da dos Oscars. São escolhas de quem, sim, viu praticamente todos os filmes lançados no ano (porque é nosso dever profissional) e está lançando indicações como tal. Estamos na plateia. Uma plateia privilegiada, mas uma plateia.
O que acredito que fazemos, para os Oscars e os demais prêmios, é exatamente isso: criar um balaio, uma lista preferencial de quem realmente importa a cada ano. Isso não mudou. As listas de indicados aos Globos e aos Oscars é praticamente a mesma. As escolhas finais são sempre marcadamente diferentes, porque estamos olhando e selecionando de modo diferente.
Este ano tivemos a nosso favor um planejamento rigoroso do evento do dia 13 de Janeiro, que tomou praticamente o ano inteiro e envolveu as escolhas das hosts Tina Fey e Amy Poehler, o prêmio especial a Jodie Foster e um vasto trabalho online e em midias sociais do qual, digo sem falsa modéstia, participei ativamente (mas não aqui, é claro – não seria correto. No site da Associação). O resultado foi nossa melhor audiência em seis anos – 20 milhões de espectadores — tornando os Globos o show de prêmios mais visto desta temporada, até agora.
Não creio que isso tenha impacto algum sobre os Oscars. Os Oscars tem sua própria, longa e ilustre história e vão fazer sucesso ou não, este ano, dependendo de seus próprios méritos, do quanto Seth McFarlane vai funcionar como host, e o quão dinâmico for seu telecast.
Suas escolhas finais serão, tenho certeza, absolutamente diferentes, porque o olhar do pool de votantes é necessariamente diferente. (Por exemplo: os Globos escolheram Brokeback Mountain e os Oscars ficaram com Crash-No Limite. Para dar um exemplo.) Os Globos apontaram Argo e Os Miseráveis. Vejo Lincoln e O Lado Bom da Vida despontando nos Oscars. E seria assim não importa em que dia Globos ou Oscars acontecessem.
Falo tudo isso com absoluto conforto. Meu filme favorito (e de Ben Affleck também), O Mestre, não ganhou nem biscoitinho de polvilho nem da minha Associação, nem da Academia.
Mas esse é o mistério e o fascínio dos prêmios – o contraponto entre nossas escolhas e paixões e as escolhas e paixões dos outros.