Blog da Ana Maria Bahiana

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Fair Game: o jogo do poder é imundo, mas Naomi Watts é emocionante
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Ana Maria Bahiana

Naomi Watts e Sean Penn em Fair Game...

... e os verdadeiros Joe Wilson e Valerie Plame.

Em 2002, determinada a achar uma razão para invadir o Iraque, a administração W. Bush pressionava todas as agências de inteligência  dos EUA: elas tinham de qualquer maneira que achar  as tais armas de destruição em massa que estariam sendo preparadas desde os tempos de Bush, pai.  No esforço de descobrir o que, soube-se depois, não havia, a CIA despachou o ex-diplomata Joe Wilson, grande conhecedor da África sub-saariana, para o Níger, com a missão de confirmar a venda de um enorme volume de urânio para o Iraque. Wilson não achou coisa alguma e disse isso, com todas as letras, em seu relatório.

Quando, um ano depois, Bush, em seu discurso anual para o Congresso, afirmou que a venda tinha sido efetuada. Wilson – famoso por ter o pavio curto – escreveu um artigo para o New York Times que, já no título, tirava o tapete do presidente e sua turma: “O que eu não encontrei na África.”

Seis meses depois, um jornalista conservador e enturmado com a Casa Branca foi o porta voz do troco: um artigo no Washington Post no qual levantava dúvidas sobre o caráter e as intenções de Wilson e revelava que a mulher dele, Valerie Plame, não era a executiva de uma empresa de investimentos como até seus amigos mais íntimos pensavam e sim uma agente da CIA – que, não por acaso, também não conseguira “achar” as armas de destruição em massa no Iraque.

Esta rede federal de mentiras é o foco de Fair Game (Jogo de Poder, 14 de janeiro no Brasil), o filme de Doug Liman que estreou neste fim de semana nos EUA, em lançamento limitado). Liman é um diretor interessante: começou sua carreira com filmes super indie (Swingers, Go), escreveu a gramática do que viria a ser a triunfante franquia Bourne com o primeiro filme da série (do qual quase foi demitido) e criou Brangelina com Sr. e Sra Smith.

Em Fair Game Liman está a meio caminho entre o blockbuster de ação e o estudo de personagem do cinema independente. Operando ele mesmo a câmera (a digital Red) com a urgência de um documentário e trabalhando com o orçamento de 22 milhões, modesto para um filme desta categoria, com locações em vários países, Liman captura o espectador abrindo a trama com uma sequencia que  cairia bem num thriller de espionagem; e, depois, concentra-se no que realmente quer dizer: o quanto uma trama mentirosa a serviço da manutenção do poder fraciona a vida de um país, de uma sociedade e, no caso de Wilson e Plame, uma família.

É um filme sólido e emocionante, em grande parte por conta da maravilhosa interpretação de Naomi Watts como Plame.  Com um rosto que é uma paisagem emocional em movimento – coisa rara na era do botox- Naomi revela toda a complexidade e humanidade de um tipo de personagem- o espião- que no cinema, em geral, tem uma nota só, na linha “atire primeiro e faça perguntas depois”. Sean Penn é ótimo para papéis de figuras difíceis como Wilson, mas é a mistura de força e delicadeza que Naomi traz para sua Valerie que nos prende à tela, além das imundícies do poder.


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