Blog da Ana Maria Bahiana

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A última safra do ano, parte I: uma visita ao inferno. E à Terra Média.
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Ana Maria Bahiana

Todo mundo que acha que tem chance de ganhar alguma coisa –uma indicação, no mínimo – lança filme nos últimos instantes do ano. E, como comentei há pouco no twitter, a estratégia, de tanto ser repetida nos últimos anos, treinou bem os votantes: porque estreou entre novembro e dezembro, muita gente se sente na obrigação de indicar.

Passei a peneira nos lançamentos “para sua consideração” que encheram meu calendário nestes últimos quinze dias e apenas alguns ficaram. Estes dois foram os primeiros:

A ideia de um filme sobre a caçada a Osama Bin Laden me pareceu, a princípio, prematura, imatura e possivelmente mal intencionada. Me lembrei da safra de filmes lançados nos anos imediatamente a seguir dos ataques do 11 de setembro, que me pareciam, todos, mal disfarçadas peças de propaganda. Ver A Hora Mais Escura (Zero Dark Thirty)  me obrigou a rever todos os meus temores.

Trabalhando mais uma vez com um roteiro de Mark Boal (Guerra ao Terror), Kathryn Bigelow mantem seu olhar ao mesmo tempo compassivo e impassível.

Os primeiros 20 minutos de Hora são absolutamente brutais e absolutamente necessários: os gritos e gemidos (verdadeiros) das pessoas encerradas nas Torres Gêmeas são mais eloquentes que qualquer imagem, e dissolvem-se em outros gritos e gemidos, os de um prisioneiro sendo torturado num dos muitos “centros especiais de confinamento” que se seguiram, na era Bush, aos ataques do 11 de setembro. Estamos num verdadeiro círculo do inferno descrito por Dante, onde violência sem sentido dá origem a mais violência sem sentido, onde carnificina gera tortura que gera mais carnificina.

É fútil (ainda bem) procurar uma agenda política em Hora. Bigelow conduz a história como um thriller do qual conhecemos o final mas não a trajetória, e seu olhar – as escolhas de composição, o ritmo das sequências – mantem-se equilibrado, pedindo que nós, na plateia, pensemos e tiremos nossas conclusões.

Boal usa um artifício comum em histórias baseadas em fatos verdadeiros: sintetiza várias pessoas em uma só, criando personagens fictícios que representam várias facetas dos reais protagonistas (algo ainda mais importante aqui, quando as fontes eram altamente confidenciais). Mas Maya, a protagonista interpretada (maravilhosamente) por Jessica Chastain é uma pessoa de verdade, uma funcionária do médio escalão da CIA cuja tenacidade e inteligência  levaram à localização de Bin Laden.

É facil notar a identificação de Bigelow com Maya – mulheres no centro de um mundo dominado por homens, conscientes de que suas meras presenças são sinais de mudanças radicais. Chastain é uma atriz de sutilezas, que Bigelow explora muito bem : há uma multidão de emoções em seu rosto, do horror à fúria, da repulsa à revolta. Mas sobre todas elas reina o autocontrole de quem sabe que, numa visita ao inferno, quem não se distancia se queima.

 A Hora Mais Escura estreia dia 14 nos EUA e dia 18 de janeiro no Brasil.

Alguns filmes tem um poder especial pelo menos sobre mim, não sei se sobre vocês: eles imediatamente me remetem aos primeiros anos do meu caso de amor com o cinema, quando ver um filme era me perder num outro mundo. O Hobbit (The Hobbit: An Unexpected Journey) teve esse efeito.

O que não é pouca coisa _ sou fã da trilogia Senhor dos Anéis, mas não gosto do livro O Hobbit. Sempre me pareceu uma obra superficial, apressada, com ideias que não eram plenamente desenvolvidas e um tom infantil que contrasta com o poder metafórico, adulto, de Senhor dos Anéis.

Talvez tudo o que o livro precisasse fosse mesmo o talento combinado das roteiristas Fran Walsh e Philippa Boyens e do diretor Peter Jackson. Está certo que ainda acho Senhor dos Aneis superior como obra mas, ao incorporar as notas e material inédito deixados por Tolkien, Walsh, Boyens e Jackson deram mais detalhe aos personagens e à trama, e fizeram a conexão com o mundo da Terra Média que se desenvolveria, de modo mais complicado, na trilogia.

Ainda acho, também, que, mesmo com essa nova perspectiva, O Hobbit dificilmente aguenta três filmes. Suspeito que, em circunstâncias diferentes, Jackson não teria esticado a primeira metade do seu filme como fez. Mesmo com todo o seu esplendor visual (mais sobre isso daqui a pouco) o filme só pega embalo mesmo quando Bilbo (Martin Freeman) e a companhia de anões liderada por Thorin (Richard Armitage) despencam terra abaixo pelo reino dos goblins, e nosso herói se vê cara a cara com aquele que, para mim, é o personagem mais fascinante de toda o ciclo de histórias: Gollum.

Neste momento eu faço uma pausa para lamentar, pela milionésima vez, o não-reconhecimento de Andy Serkis como um dos melhores atores que temos, hoje, e o pioneiro no desenvolvimento da complicada arte de criar um personagem através de mocap. Hobbit torna-se fascinante, terrível, empolgante a partir do momento em que o Gollum de Serkis esgueira-se de trás das rochas num lago subterrâneo e propõe a Bilbo um jogo de enigmas ( elemento clássico de toda boa lenda). Num mundo que, até então, era habitado unicamente por criaturas fantásticas, o Gollum de Serkis é supreendentemente humano, um ser aprisionado nas cavernas de seu próprio espírito. É o primeiro personagem com todo o fôlego metafórico que Tolkien imprimiria a trilogia Senhor dos Anéis, e sua entrada em cena eleva O Hobbit a um outro plano do qual, com todos os sustos, não queremos mais sair.

E os 48 quadros por segundo? Não me incomodaram nem um pouco. O hiper-realismo que eles dão às imagens tem uma qualidade que aproxima o fantástico de nossa visão cotidiana, como se um dia pudéssemos de fato acordar numa toca debaixo de uma colina e achá-la tão real quanto a geladeira, o microondas e a TV de nossas casas habituais. No 48 fps as sofisticadas composições digitais se integram naturalmente com as imagens captadas de modo tradicional, e os mundos da imaginação e da percepção se abraçam e se confundem.

Não é opção estética para qualquer filme. O 48 fps mataria, por exemplo, a sensacional composição naturalista que Cristian Mungiu imprimiu ao seu Além das Montanhas  (que estreia no Brasil dia 11 de janeiro e eu recomendo com entusiasmo) ou o estilismo expressionista de Nicolas Windig Refn em Drive. Mas numa obra de plena fantasia como esta, é um grande recurso.

O Hobbit estreia aqui e no Brasil dia 14.


Metamorfose ambulante: o fim da novela e a nova revolução tecnológica do cinema
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Ana Maria Bahiana

Enquanto Rio lavava a bilheteria norte-americana e tornava-se o recordista do ano entre as estreias, algumas coisas muito interessantes anteciparam tendencias:

  • Exatamente no mesmo dia  em que a rede ABC cancelava suas novelas All My Children e One Life to Live a Univision anunciava planos para um canal de TV exclusivo para telenovelas en español. A ABC vai substituir as duas novelas por talk shows e realities, mantendo no ar apenas outra veterana do gênero, General Hospital, que vem estraçalhando corações desde 1970. No auge das soap operas, nos anos 1960, as grandes redes norte-americanas tinham 19 títulos no ar. Agora, com o cancelamento de All My Children e One Life to Live, apenas cinco sobrevivem.

E no entanto o mercado latino não quer saber de outra coisa. Para atender a demanda a Univision estréia, em julho, o canal Uninovela, servindo a população hispânica dos EUA – 50 milhões de pessoas, a minoria que mais cresce no país- com novelas 24 horas por dia, sete dias por semana.

Peter Jackson na casa de Bilbo

  • É fascinante ver como, no cinema, a tecnologia empurra a linguagem. Na encolha, há uma nova revolução a caminho: a imagem a 48 quadros por segundo, o dobro do que temos hoje. O impacto, diz a Variety, é o equivalente a “ som, cor e 3D” como marco da evolução do cinema: uma imagem espetacularmente realista, com imensa nitidez e detalhes, e que, garantem seus fãs, não cansa o olhar.  Captar a imagem em 48 quadros por segundo representa, nas palavras de James Cameron, “ completar o que o 3D já fez ao nos levar para dentro da narrativa. Deixamos de olhar a ação através de uma janela.”

Peter Jackson, que está filmando O Hobbit à velocidade de 48 por segundo, tem uma longa e detalhada explicação sobre como o 24 por segundo acabou sendo o default do cinema, e por que está na hora de um upgrade em regra. “Eu sei que os puristas vão reclamar da falta de distorções e refrações, mas toda a nossa equipe – que inclui muitos puristas- já se converteu”, ele diz. “Você se habitua rapidamente ao novo visual, é uma experiência muito mais realista e confortável.”

Pandora é aqui: o MBS Media Campus

 

Cameron, o outro apóstolo do 48 por segundo, já está com os estúdios de captação de desempenho prontos, aqui em Los Angeles: o MBS Media Campus, no subúrbio praieiro de Manhattan Beach. E, garante, Avatar 2 e 3 – rodados em sequencia para lançamento em dezembro de 2014 e 2015 – serão captados digitalmente a 48 ou 60 quadros por segundo.

Um pequeno problema: uma primeira pesquisa, encomendada pelo próprio Jackson, revelou que apenas 10 mil telas em todo mundo tem projetores capazes de exibir títulos captados acima de 24 quadros por segundo… “Mas tenho certeza de que os donos de cinema tem, agora, um grande incentivo para se atualizar…”, ele diz.

 


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