Blog da Ana Maria Bahiana

Arquivo : Godzilla

Deuses e monstros
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Ana Maria Bahiana

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O divertido da temporada pipoca é que podemos suspender muito mais que nossa descrença quando vamos ao cinema (e olha que a descrença, no caso, precisa ser completamente deixada em casa).

Estamos, aqui, inteiramente no território da metáfora, o realismo passa ao largo e todos os possíveis buracos em tramas e personagens podem e devem ser perdoados (a não ser os que ofendem o cânon dos textos sagrados, as hq…). A lógica dominante aqui é a lógica da narrativa – no mundo do fantástico, onde tudo é possível, as regras são as que os criadores combinam no começo do jogo, com o consentimento tácito de nós todos, na plateia.

O que nos leva logo de cara ao meu monstro favorito, Godzilla. Monstros estão no cimema desde que as câmeras começaram a rodar . Os seus melhores e mais poderosos, como King Kong e o Gojira original de 1954, são os que, além de nos dar sustos em grande escala, de alguma forma cutucam as camadas mais profundas de nossos sonhos e pesadelos. Por que apenas o ser humano seria capaz de sentir?, King Kong pergunta, acuado no alto do Empire State. Por que o ser humano é incapaz de assumir responsabilidade pela destruição que causa quando não consegue controlar sua sede de poder? indaga Godzilla, nascido da radiação atômica, enquanto caminha descuidadamente por Tóquio, destruindo tudo em seu caminho, como tinham feito as bombas nucleares de Hiroshima e Nagasaki, meros nove anos antes.

O problema de mais esta iteração do mito é não levar fé no poder do monstro. Desta vez com os amplos cofres da Warner bancando os gastos e um bom diretor indie,. Gareth Williams, estreando na árdua tarefa de pilotar um arrasa-quarteirão, este Godzilla parece decidido a dizer, logo de cara: este ano não vai ser igual aquele que passou, este filme não vai ser aquela coisa vexaminosa dirigida pelo Roland Emmerich. Talvez por isso a Warner insistiu em encher a tela com um monte de astros de bom pedigree – Bryan Cranston (numa peruca bizarra), Sally Hawkins, Juliette Binoche, Ken Watanabe, Aaron Taylor-Johnson.

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Acabamos então com dois filmes: um com os atores e o outro com o monstro. Os atores, coitados, tem que despachar aqueles diálogos cheios de explicações, as tão temidas “exposições”. É uma hora disso até que o outro filme comece, o do monstro, que é muito melhor que o primeiro. Infelizmente desprovido de sua maior arma metafórica- o fato de ser nascido da radiação – este Godzilla pelo menos tem a seu serviço efeitos muito melhores (aliás melhores que vários outros no próprio filme, que parecem meio sem jeito no 3D de conversão). E uma missão nobre, que finalmente faz justiça ao seu poder monstruoso.

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Super-heróis são criaturas de outro universo metafórico – são nossos deuses, nossas figuras mitológicas capazes de extrapolar nossas pobres limitações humanas. Sempre achei os X Men especialmente interessantes. Suas qualidades extraordinárias são, elas mesmas, um limite, algo que os torna não os acolhidos e eleitos dos humanos, ams os malditos, vistos com desconfiança e até ódio.

É uma metáfora poderosíssima, que Bryan Singer compreendeu e trabalhou muito bem em seus dois filmes da franquia (2000 e 2003). É bom te-lo de volta em Dias De Um Futuro Esquecido. Trabalhando com um bom roteiro de Simon Kinberg (que por sua vez se inspira na trama desenvolvida nos quadrinhos por Chris Claremont e John Byner), Singer volta ao tema da estranheza e da rejeição, que chega aqui ao limite absoluto – um verdadeiro holocausto causando pelas invenções do Professor Bolivar Trask (Peter Dinklage, ótimo como sempre), que ameaça destruir não apenas todos os mutantes mas toda a humanidade.

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A única salvação está, como sempre, nas mãos dos rejeitados. Usando os poderes de Kitty Pryde (Ellen Page), Wolverine (Hugh Jackman) volta ao passado, com sua psiquê habitando o seu corpo – e compartilhando sua mente- em 1973. A missão: reescrever a história, e, dessa forma, impedir o holocausto.

Não sei o que isso poderia ter resultado em mãos menos competentes que as de Singer. Mas, aqui, o que temos é um filme ao mesmo tempo divertido e provocador, íntimo e em larga escala, repleto de questões filosóficas – somos, hoje, os mesmos que éramos no passado? Somos capazes de perdoar a nós mesmos? – e onde a violência, quando existe, tem consequencias.

Fãs de X Men vão ficar felizes com a quase overdose de personagens em aparições especiais (sim, incluindo a Vampira de Anna Paquin e o Mancha Solar brasileiro vivido pelo mexicano Adan Canto). O meu favorito é o Mercúrio (aqui, Evan Peters de American Horror Story), responsável por uma das sequências mais empolgantes do filme – e o melhor uso do “bullet time” a la Matrix que eu vi em muito tempo.

Vale a pena deixar a descrença em casa para estes X Men.


Duelo de titãs
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Ana Maria Bahiana


Círculo de Fogo
(Pacific Rim, dir. Guillermo Del Toro, 2013) não é o filme mais profundo, mais filosófico ou sequer inteligente do ano ou mesmo da temporada pipoca (suspeito que este título vai ficar com Elysium…). Mas para qualquer criança que cresceu encenando batalhas entre dinossauros e robozinhos (como eu) ou vendo aqueles seriados japoneses em que criaturas variadas destroem cidades com o mesmo entusiasmo que você com seus bonecos, Pacific Rim (vamos combinar de chamá-lo assim?) é um prazer.

Godzilla/Gojira, o rei dos kaiju…

 

…e seu antepassado mais próximo.

O kaiju ega ou “filme de criaturas estranhas” é um sub gênero estabelecido do sci fi japonês desde Gojira/Godzilla, de 1954. Godzilla, por sua vez, era uma re-interpretação de filmes B norte americanos, notadamente The Beast From 20,000 Fathoms, (dir. Eugene Lourie, efeitos  do mestre Ray Harryhausen)  à luz do trauma coletivo das bombas atômicas de Hiroshima e Nagazaki.

É bom saber tudo isso para apreciar o que Pacific Rim tem de melhor, o uso da escala monstruosa e da mitologia (consciente e inconsciente) associada com ela para criar uma fábula pop para  o século 21.

Del Toro gosta muito de monstros.  De Cronos a Labirinto do Fauno, passando por A Espinha do Diabo e Hellboy, Del Toro compreende o monstro como uma extensão da alma humana, seus pavores, seus pesadelos, suas sombras.

Travis Beacham, o jovem autor do argumento e co-roteirista (com Del Toro) assinou, antes, Fúria de Titãs, uma tentativa de novo olhar sobre uma mitologia clássica já visitada por Harryhausen, Imagino que ele tenha ambições épicas – algumas ideias de Pacific Rim são verdadeiros achados, especialmente o artifício narrativo que dá uma dimensão realmente humana aos super- robôs criados para enfrentar os kaiju. O que ainda lhe falta  é o refinamento do diálogo e do desenvolvimento dos personagens, algo que já não é o forte de filmes deste tipo.

Mas não se aborreçam. Pacific Rim encontra seu pulso, sua presença e, por que não, sua força metafórica exatamente nos enfrentamentos entre os kaiju que se erguem do Pacífico (ou do nosso terror/culpa pela destruição ecológica?) como seus antepassados do século 20, e são combatidos por estes novos gladiadores super-dimensionados, os titãs de um futuro próximo, literalmente tão fortes por fora e tão frágeis por dentro , onde habitam seus controladores humanos.

São monstros de respeito, todos eles, com a atenção ao detalhe, a referência biológica e o poder de realmente aterrorizar que são a marca de Del Toro. Outro tema comum à sua filmografia, o poder da inocência contra a insanidade destruidora, aparece de forma breve mas eficaz em um flash back da personagem Mako (Rinko Kikuchi) que, pelo menos para mim, lembrou muito algumas das melhores coisas de Labirinto do Fauno.

Pacific Rim estreou neste fim de semana nos Estados Unidos e será lançado no Brasil dia 9 de agosto. Por favor, procurem o cinema com o melhor som da sua cidade – é essencial para realmente apreciar a escala do filme.


Porque o acordo Universal/Legendary faz sentido. E é um negócio da China.
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Ana Maria Bahiana

Thomas Tull (esquerda) e Guillermo del Toro ontem no teatro Dolby. Sim, isso é um sorriso.

Thomas Tull, o CEO da Legendary, era todo sorrisos ontem na estreia de Pacific Rim no teatro Dolby, em Hollywood. Como empresa responsável, a Legendary está promovendo todos os projetos já realizados com sua futura ex-parceira, a Warner, até o fim do acordo entre os dois, em dezembro. Isso inclui especialmente o filme de Guillermo del Toro, cujas perspectivas não são muito boas, e também o reboot de Godzilla e a sequel de 300, que a Legendary estará promovendo na Comic Con, dentro de duas semanas.

De janeiro em diante, nova parceria, novos projetos . O acordo com a Universal – Legendary adquire propriedades, desenvolve e traz a maior parte do orçamento, Universal distribui mundialmente – é de cinco anos (dois a menos que seu arranjo anterior com a Warner) e faz sentido  por todos os ângulos. Vamos a eles:

–       A Universal não tem em sua carteira os filmes que são a especialidade da Legendary: propriedades intelectuais baseadas em jogos e hq, do tipo que rende franquia, viaja bem pelo mundo afora e gera uma infinidade de subprodutos. A Universal já está chamando esta nova linha de projetos “os filmes Legendary”, e eles incluem títulos baseados nos games World of Warcraft e Mass Effect, na hq Gravel e nos brinquedos Hot Wheels (alô Transformers!).

–       Múltiplas plataformas é coisa que a Universal pode oferecer, de sobra: parques temáticos,  forte distribuição internacional, uma cadeia de TV aberta (NBC) e canais por assinatura (USA, Bravo), e uma nave-mãe, a Comcast, líder na infra-estrutura digital.

–       A TV é claramente um atrativo importante para a Legendary – em maio o ex chefão de TV da Warner, Bruce Ronsemblum, se mudou de armas e bagagens para a Legendary, com o mandato de criar um departamento de projetos na mesma linha dos filmes, mas com aquilo que a TV traz de melhor – a garantia de acesso a uma plateia internacional, de forma rápida e econômica.

–       Além disso, a Universal tem uma administração estável e um acervo de outras propriedades intelectuais que podem interessar à Legendary – de clássicos de terror a Tubarão a ET.

–       O fato de Legendary e Universal serem complementares garante à empresa de Thomas Tull o que ela sempre quiz no seu tempo com a Warner: liberdade para escolher e desenvolver seus projetos. Em seu papel de distribuidor, a Universal dará palpites na hora da aprovação final, mas a Legendary tem uma capacidade muito maior de pensar e realizar seus projetos sem interferência de alguém como, por exemplo, Jeff Robinov, cujos choques constantes com Tull estão entre os motivos de sua saída do estúdio, em junho.

–       É um negócio da China, literalmente. A Legendary já tem um dos bens mais cobiçados da indústria: um acordo com o China Film Group, a produtora estatal da China, o mercado mais atraente para todos os grandes, médios e pequenos produtores.

Não chorem pela Warner, contudo. A administração Kevin Tsujihara está claramente pensando num tipo de abordagem onde cinema e TV estão mais próximos (ele vem de home entertainment). E além do acordo possível com a Dune/Bank of America (e Brett Ratner e seus amigos bilionários) a Warner sempre contará com os cofres genorosos e os ainda mais amplos recursos de produção da australiana Village Roadshow.


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