Blog da Ana Maria Bahiana

Arquivo : Argo

Em fim de semana de definições, Argo toma a dianteira
Comentários Comente

Ana Maria Bahiana

Ben Affleck aceita premios por Argo no PGA…

… e, 24 horas depois, por conjunto de elenco, no SAG

Encerrado este fim de semana de definições, duas coisas ficaram claras: já temos algumas dianteiras firmes na corrida do ouro 2013; e já sabemos quem será o quindim independentes da corrida do ouro 2014.

Ao mais imediato, primeiro: seja qual for a urucubaca/ confusão/ momento de privação de sentidos que fez com que a Academia esquecesse de indicar Ben Affleck na categoria Melhor Diretor, Argo já é o filme da vez na disputa 2013. Confirmando a escolha nos Globos de Ouro, duas semanas atrás, a Producers Guild of America, no sábado, e Screen Actors Guild, no domingo, escolheram Argo como seu melhor filme.

Matematicamente, não há como negar que o filme de Ben Affleck tem a vantagem: nesta etapa dos Oscars, toda a Academia vota em todos os premios; com 1.178 integrantes, o departamento de atores é o mais numeroso da Academia; com 462, o de produtores é o segundo mais numeroso.  Como praticamente todos os membros deste departamentos também são votantes em suas Guilds, só aí já está uma vantagem clara.

Mas há algo além da simples soma de possíveis votos no Oscar: para alcançar esta dupla vitória, Argo teve de convencer mais de 100 mil votantes das duas Guilds. Como bem lembrou um twitter de Steve Pond, o que impressiona cem mil pessoas de gostos e lealdades tão diferentes muito mais facilmente vai impressionar os seis mil acadêmicos.

Confirmada essa vantagem, Argo seria uma exceção na escrita da Academia, onde apenas filmes cujos diretores são indicados acabam levando o prêmio maior. Nessa área de sombra os fãs de Lincoln ainda torcem pela vitória mas quanto mais escuto os sons ao redor, mais me convenço que apenas Daniel Day Lewis, que também levou SAG e Globos, é uma certeza. Tommy Lee Jones (outro vitorioso do SAG) como coadjuvante e Steven Spielberg como diretor são possibilidades. As outras vantagens: Jennifer Lawrence para melhor atriz, Anne Hathaway (Os Miseráveis) como coadjuvante.

De todo modo, a briga este ano envolve grandes estúdios – a Warner de um lado, com Argo; a dobradinha DreamWorks/Fox de outro, com Lincoln. Depois de tantas vitórias, o time Weinstein este ano tem que se contentar com Jennifer Lawrence e talvez mais alguns biscoitinhos por O Lado Bom da Vida.

Mas não chore por eles, Brasil. A outra definição deste fim de semana veio no sábado também, com o encerramento do festival de Sundance. O grande vitorioso, de público e crítica, foi Fruitvale, um drama inspirado em fatos reais – o assassinato de um jovem negro por um policial, numa estação do metrô de Oakland, California, em 2008—escrito e dirigido por um jovem (26 anos) realizador estreante, Ryan Coogler, feito em regime cooperativo por uma bagatela, e, desde o começo do festival, o título mais quente da serra de Utah. A Weinstein Company, rapidamente, já comprou Fruitvale. Alô, 2014!

 

 


Por que os Globos de Ouro são importantes. (E os Oscars também.)
Comentários Comente

Ana Maria Bahiana

O produtor George Clooney, cercado pelo elenco de Argo, reage à vitoria do filme nos Globos de Ouro 2013, minutos depois de receber seu troféu.

 

Algumas coisas são sempre importantes de serem lembradas quando se fala de temporada de prêmios, especialmente quando se está no auge desta fogueira de vaidades:

  • Como disse antes, todo prêmio é, em essência, a expressão da opinião de um grupo de pessoas num determinado momento.
  • Para quem é indicado ou vence, prêmios são importantes como: reconhecimento de seus pares; ferramenta de marketing; upgrade ou viabilização de carreira. Mas quem dá o devido valor a qualquer obra são o tempo e a história. Que o digam Kubrick, Chaplin, Hitchcock, Altman e Kurosawa, entre muitos outros.
  • Para quem escolhe, prêmios são importantes como: ferramenta para estabelecimento e ampliação de sua posição no meio; ritual de consolidação de seus integrantes; fonte de renda.
  • Desde 1953, quando o Oscar foi televisionado pela primeira vez nos Estados Unidos, os prêmios evoluíram de uma festa entre colegas para um show de mídia. Uma entidade que  tem um prêmio televisionado sabe que ali está sua principal fonte de renda para o ano todo, viablizando suas atividades, programas, doações e apoios. Uma entidade que tem seu prêmio televisionado está constantemente preocupada com a qualidade e popularidade de seu evento _ seria muito irresponsável de sua parte  não faze-lo.

Quando, 70 anos atrás, um grupo de correspondentes estrangeiros em Los Angeles criou o que viria a ser a Hollywood Foreign Press Association, seu primeiro objetivo era por um ponto final à xenofobia e paranoia que dominavam o país em plena Segunda Guerra Mundial. A ideia de criar um prêmio que expressasse as preferências desse grupo – o Golden Globe, Globo de Ouro, enfatizando o aspecto universal das artes visuais – era uma forma de usar de outro modo a moeda corrente que a Academia, fundada 16 anos antes, já tinha descoberto: o prêmio como bilhete de entrada e afirmação no meio.

A Academia, em 1927, tinha um problema: a disputa entre produtores e estúdios e os sindicatos e entidades de classe por melhores salários e condições de trabalho. A HFPA, em 1943, tinha outro: não ser mais discriminada como “um bando de estrangeiros” que talvez estivesse espionando para o inimigo.

Acho incrível que, 70 anos depois, ainda tenha gente que continue nos chamando de “um bando de estrangeiros”, denegrindo nosso trabalho, insultando a mim e a meus colegas.  Xenofobia é uma erva daninha difícil de exterminar.

Felizmente, esta turma é uma minoria cada vez menor. Quando cheguei a Los Angeles em 1987, passei muitos anos ouvindo coisas como “esta entrevista só está disponível para territórios importantes, você não pode fazer” ou “ não temos mais lugar neste evento, é apenas para imprensa norte americana”. Ou recebendo  — depois de muita insistência– copias xerocadas das notas de produção enquanto os coleguinhas norte-americanos – muitos dos quais são os que ainda dizem todas essas coisas acima – eram mimados com luxuosas encadernações, camisetas e lugares reservados nos cinemas.

Ah, como isso mudou! A bilheteria internacional representa hoje 70% da renda combinada de todos os grandes estúdios e principais distribuidores. Carreiras inteiras – Tom Cruise que o diga – dependem dos mercados internacionais. Projetos são escolhidos e aprovados baseados em suas perspectivas internacionais.

A evolução, a popularidade e o prestígio crescentes dos Globos de Ouro devem ser entendidos, em primeiro lugar, à luz desse fenômeno. Os colegas norte americanos podem dizer que somos um “bando misterioso” de jornalistas que “ninguém conhece”, mas estúdios, produtores, divulgadores, atores e qualquer pessoa que lide com mídia internacional nos conhece muito bem: nós somos a voz dos BRICs, a ponte com a Europa, a Ásia, o Oriente Médio. Nossa presidente, a extraordinária  Aida Takla O’Reilly, nascida no Egito, escreve para Dubai, um dos maiores financiadores atuais do cinema. Da França à Coréia, da Australia ao México, o  que reportamos repercute nos mercados que, hoje, mais interessam aos realizadores de todos os tamanhos.

E – o que na verdade pode ser ainda mais interessante – as escolhas que fazemos, nos Globos, são as da platéia, de certa forma as nossas plateias, as culturas, os idiomas e os países que representamos. Vemos e consumimos cinema como o mundo vê e consome. Isso, hoje, vale mais do que qualquer outra coisa. (Inclusive, segundo este estudo, mais do que um Oscar, como ferramenta de marketing – uma vitória nos Globos adiciona, em média, mais 14 milhões de dólares à bilheteria de um filme, enquanto um Oscar traz em média mais 3 milhões de dólares.)

Tina Fey e Amy Poehler nas coxias do palco do International Ballroom, durante os Globos de Ouro 2013

O mito de que “os Globos influenciam os Oscars” começou na mesma salada de especulações e “experts” que hoje assolam a mídia. Por conta de nosso calendário profissional – ei, somos jornalistas, temos que acabar logo com essa farra para voltar a trabalhar! – e da agenda das emissoras que transmitem o evento, os Globos há muitos e muitos anos estão firmemente no segundo domingo de janeiro. O resto do nosso calendário se prende a isso.

Como bem aponta este artigo da Variety, nossas escolhas são de natureza diversa da dos Oscars. São escolhas de quem, sim, viu praticamente todos os filmes lançados no ano (porque é nosso dever profissional) e está lançando indicações como tal. Estamos na plateia. Uma plateia privilegiada, mas uma plateia.

O que acredito que fazemos, para os Oscars e os demais prêmios,  é exatamente isso: criar um balaio, uma lista preferencial de quem realmente importa a cada ano. Isso não mudou. As listas de indicados aos Globos e aos Oscars é praticamente a mesma. As escolhas finais são sempre marcadamente diferentes, porque estamos olhando e selecionando de modo diferente.

Este ano tivemos a nosso favor um planejamento rigoroso do evento do dia 13 de Janeiro, que tomou praticamente o ano inteiro e envolveu as escolhas das hosts Tina Fey e Amy Poehler, o prêmio especial a Jodie Foster e um vasto trabalho online e em midias sociais do qual, digo sem falsa modéstia, participei ativamente (mas não aqui, é claro – não seria correto. No site da Associação). O resultado foi nossa melhor audiência em seis anos – 20 milhões de espectadores —  tornando os Globos o show de prêmios mais visto desta temporada, até agora.

Não creio que isso tenha impacto algum sobre os Oscars. Os Oscars tem sua própria, longa e ilustre história e vão fazer sucesso ou não, este ano, dependendo de seus próprios méritos, do quanto Seth McFarlane vai funcionar como host, e o quão dinâmico for seu telecast.

Suas escolhas finais serão, tenho certeza, absolutamente diferentes, porque o olhar do pool de votantes é necessariamente diferente.  (Por exemplo: os Globos escolheram Brokeback Mountain e os Oscars ficaram com Crash-No Limite. Para dar um exemplo.) Os Globos apontaram Argo e Os Miseráveis. Vejo Lincoln e O Lado Bom da Vida despontando nos Oscars. E seria assim não importa em que dia Globos ou Oscars acontecessem.

Falo tudo isso com absoluto conforto. Meu filme favorito  (e de Ben Affleck também), O Mestre, não ganhou nem biscoitinho de polvilho nem da minha Associação, nem da Academia.

Mas esse é o mistério e o fascínio dos prêmios – o contraponto entre nossas escolhas e paixões e as escolhas e paixões dos outros.

 

 


Argo: a maturidade de Ben Affleck, diretor
Comentários Comente

Ana Maria Bahiana

O problema de se fazer um thriller com um pano de fundo político é que quase sempre o ruído que a política faz acaba abafando o conteúdo humano. Que, no fim das contas, é o que viemos ver (caso contrário estaríamos num comício, certo?). Grandes obras do gênero, como Z, de Costa Gavras e Todos os Homens do Presidente, de Alan Pakula, compreendem esse desafio e mantem o elemento político sob controle, como o gatilho que impulsiona a narrativa.

Argo, de Ben Affleck, tem exatamente a mesma qualidade. Não é pouca coisa, considerando que se trata de apenas o terceiro filme de Affleck como diretor e , além disso, aborda um dos eventos mais carregados de complicações políticas e passionais: a revolução islâmica que, em 1979, retirou do poder o Xá Reza Pahlavi e instaurou a teocracia no Irã.

Trabalhando com um ótimo roteiro do também quase estreante Chris Terrio (com apenas um curta em seu currículo) Affleck não cai na armadilha de transformar a ação em panfletagem, mas domina perfeitamente o lado humano de uma história tão absurda que só poderia ser real (como, de fato, é). O pano de fundo político é estabelecido logo no começo, através de um artifício inteligente e visualmente intrigante: a história de como o Império Persa da antiguidade se tornou o Irã do século 20 – e o papel dos interesses do Ocidente, principalmente dos Estados Unidos nisso tudo – é contada, com uma narração em farsi, por uma série de imagens de storyboard.

Do projeto de um filme que não houve somos jogados imediatamente no calor do momento que gerou outro filme que também não houve: estamos em novembro de 1979 em Teerã, e o complexo diplomático norte-americano está em vias de ser tomado de assalto por uma multidão de militantes islâmicos, os mesmos que acabaram de derrubar  o Xá e instalar o exilado Ayatolá Khomeini no poder. Seis funcionários consulares vão conseguir fugir por uma saída de emergência. E é com eles, e com a inacreditável operação armada para tirá-los de Teerã em segurança – e sem agravar a delicadissima crise internacional já armada – que Argo se ocupa, com excepcional maestria.

O artifício inventado pelo agente da CIA Tony Mendez (Ben Affleck) envolve cinema, o que remete elegantemente aos storyboards do início (que fecharão o ciclo ainda mais numa sensacional sequencia no aeroporto de Teerã, envolvendo guardas revolucionários e mais storyboards). Não vou entrar em detalhes para não estragar o prazer de quem não sabe nada a respeito. Mas é tão espetacularmente absurdo que só pode ser verdade.

Affleck  se diverte claramente com o segundo ato de Argo, dedicado ao mercado de egos e ilusões de Hollywood , particularmente nos anos seguintes à revolução causada por Star Wars. Alan Arkin e John Goodman, nos papéis de dois veteranos profissionais da industria, conduzem essa parte da trama com enorme prazer. Um dos grandes trunfos da firme direção de Affleck é como ele sabe modular os diversos tons de sua história, oscilando entre suspense, drama humano e comédia farsesca sem jamais perder o pulso.

Argo é um filme que dá gosto ver. É um belissimo thriller de fundo político,  à vontade entre outros grandes títulos do gênero.  No final, fica no ar uma delicada mas muito clara sobreposição de temas: Star Wars, a saga sobre fugitivos, militantes, impérios, liberdades roubadas; Argo, o navio abençoado por Atena, a deusa grega da sabedoria e da guerra, que conduziu Jasão ao Velo de Ouro; e storyboards falando do irresistível poder do cinema como modo de contar histórias que, de sua propria maneira, se tornam verdadeiras – e são capazes, até, de trazer a liberdade nos momentos mais inacreditáveis.

Argo estreia hoje nos EUA e 9 de novembro no Brasil.


< Anterior | Voltar à página inicial | Próximo>