Blog da Ana Maria Bahiana

Perdidos na reality: o mundo falso brilhante de Bling Ring
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Ana Maria Bahiana

Entre o final de 2008 e meados de 2009, Los Angeles, uma cidade que já viu praticamente tudo o que de bizarro a humanidade pode inventar (e é capaz de inventar mais coisas quando não há oferta suficiente…), ficou absolutamente fascinada com um fenômeno novo: as mansões de ricos e famosos , nas colinas de Hollywood, estavam sendo sistematicamente invadidas por bandidos que não arrombavam, não quebravam e algumas vezes não roubavam coisa alguma.

Primeiro Paris Hilton, depois a estrela reality Audrina Patridge, e em seguida os atores Rachel Bilson , Megan Fox, Lindsay Lohan e Orlando Bloom foram vítimas da estranha nova categoria de ladrões, que pareciam não tomar precaução alguma, davam adeuzinho para as eventuais câmeras de segurança e, quando roubavam, se interessavam apenas pelos itens fashion: roupas, sapatos, relógios, bijuterias e acessórios de griffe.

Quando finalmente a quadrilha foi presa, os queixos caíram ainda mais: eram todos moças e rapazes de famílias de alta classe média, moradores dos luxuosos condomínios fechados do subúrbio super exclusivo de Calabasas, nas montanhas acima das praias de Malibu. Uma das dificuldades para apreender a turma era justamente o fato de nenhum deles ter antecedentes criminais – foi preciso um deles fazer a besteira de tentar vender os relógios roubados para um atravessador e traficante conhecido para que a estranha aventura tivesse fim.

Essa história pode ser contada de várias maneiras, e uma delas é a excelente reportagem da revista Vanity Fair, assinada por Nancy Jo Sales, que inspirou o Bling Ring: A Gangue de Hollywood, de Sofia Coppola. Há na matéria uma quietude repleta de curiosidade  (e, lá bem pelo meio, compaixão) voltada não para os feitos mas para o perfil dos jovens ladrões e os mecanismos que inspiraram suas incursões pelas colinas de Hollywood.

É uma sintonia boa. A história das meninas e meninos de boa família que se tornam ladrões por tédio casa perfeitamente com a estética e as preocupações de Coppola. Aqui está Los Angeles, a cidade onde ela cresceu à sombra da cultura da celebridade, sua sedução e desencanto – que ela explorou em Um Lugar Qualquer – habitada por uma nova geração cuja ideia de “busca de identidade” envolve griffes e estrelas de reality shows.

Sofia conhece e desconhece essa cidade, e seu olhar sobre ela tem ao mesmo tempo a distância de quem não mais reconhece nela nenhum sinal familiar e a intimidade de quem jamais se esqueceu o que é ser jovem cercada de fama e glamour por todos os lados.

O jovem elenco tem uma cara muito conhecida – Emma Watson, excelente como a líder intelectual, por assim dizer, do bando – mas vale pelo conjunto, uniformemente ótimo, com pelo menos duas grandes revelações: Israel Broussard como o solitário (em todos os sentidos) rapaz da gangue e Katie Chang, como a ponta de lança da quadrilha.

Quando Sofia situa esses jovens personagens – fictícios, mas seguindo de perto os verdadeiros integrantes do “bling ring” de 2008 – em seus habitats naturais, com suas familias, na escola, ela é crítica: aqui está o vazio onde essas pessoas, mal saídas da infância, devem buscar suas referências.

Quando eles estão à solta no mundo absurdo dos clubes e aventuras noturnas pelas casas dos famosos, o filme adquire uma dimensão de sonho, todo cores extremas, azuis, roxos, vermelhos, o verde bizarro da câmera noturna contrastando com a névoa neon da cidade. Em uma tomada em especial, que começa na casa de Paris Hilton e vai abrindo para mostrar tanto os inusitados ocupantes da mansão quanto a vastidão da cidade à sua volta, Sofia sintetiza toda a absoluta solidão de uma existência sem amarras num universo sem eixo. É um momento que remete tanto a Encontros e Desencontros quanto a Um Lugar Qualquer e a um tema central da filmografia de Coppola: quem somos de verdade quando não temos mais a bússola do habitual para nos formatar?


Woody Allen: voando para o Rio?
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Ana Maria Bahiana

Estava eu bem feliz acabando minha resenha de Bling Ring quando esta momentosa notícia atravessou minha tela: Eduardo Paes, prefeito do Rio de Janeiro, teria oferecido ''100% de financiamento'' para que Woody Allen vá fazer um filme no Rio de Janeiro.

Existem alguns aspectos curiosos nessa notícia. A primeira é o modo como a oferta teria sido feita – de acordo com a matéria, os recados de Paes teriam sido enviados ao diretor através da irmã e do vizinho dele, o arquiteto espanhol Santiago Calatrava. Não exatamente o modo como essas coisas são  acertadas, em geral.

Em segundo lugar, não sei bem como uma cidade pode financiar 100% de um filme. Allen contou com grande apoio, serviços e descontos fiscais em Barcelona, Roma, Paris, Londres e, agora, San Francisco, mas isso cobre apenas parte do custo de produção. Até porque dinheiro público, nesses lugares, é dinheiro público e não algo que possa ser desembolsado livremente segundo os caprichos do poder executivo.

Nota importante: embora os filmes de Allen custem pouco para os padrões daqui,eles ainda saem a um custo entre 15 e 25 milhões de dólares….

Há pelo menos cinco anos o Rio tenta atrair Woody Allen. Já houve uma negociação ao vivo, no Rio, entre a RioFilme e representantes do diretor. Ano passado perguntei a Allen como ele via essa possibilidade. Ele respondeu: ''É claro que gosto muito da ideia. Sempre tive vontade de filmar na América do Sul, que é uma presença importante na minha formação como fã de cinema. Mas preciso achar a história certa. Uma história que tenha a cara do Rio.''

Perguntei o que, para ele, era ''a cara do Rio'' . Resposta: ''Algo sensual, passional,exótico. Infelizmente não tenho nada assim na minha gaveta.''

 

Tags : Woody Allen


D23 Expo: o futuro da Disney é previsível, lucrativo e às vezes poético
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Ana Maria Bahiana

Passei  três dias intensos no coração do mundo Disney e vivi para contar a história para vocês. Mais sorte que a do meu computador, que faleceu em algum ponto entre Buzz Lightyear e Maleficent e ainda não ressuscitou (o que explica em grande parte o meu sumiço daqui).

No passado, a Disney fazia encontros modestos com a midia, uma vez por ano, para mostrar seus novos projetos. Lembro com carinho de um em particular, numa sala alugada em West Hollywood, onde Jeffrey Katzenberg anunciou A Bela e a Fera, mostrando croquis da animação e um trecho ainda em lápis de “Be Our Guest” com acompanhamento ao vivo de Alan Menken ao piano. Meninas e meninos, eu vi.

Há quatro anos, contudo, a Disney resolveu transformar o anúncio em um grande evento: a D23 Expo, espécie de versão exclusiva da Comic Con. Criada em 2009, o D23 (D de Disney, 23 de 1923, ano da fundação do império) é o fã clube oficial de todas coisas Disney, inventado e implementado pelo chefão Bob Iger. A Expo, no hiper mega gigantesco Centro de Convenções de Anaheim, o subúrbio de Los Angeles que também abriga a Disneylândia,  tem tudo o que a Comic Con tem – cosplay, shows, exibições,  dezenas de stands com produtos e serviços – só que com um único tema: Disney.

O ponto alto desta festança vagamente assustadora são as duas apresentações de futuros projetos, uma dedicada à animação, a outra aos filmes. A plateia – 99% fãs enlouquecidos – adora tudo. Eu, que pertenço ao 1% de observadores razoavelmente isentos, me senti engolida por um tsunami de informação, nem toda muito útil ou sequer divertida.

Duas coisas que muita gente – eu, inclusive – queria saber foram abordadas de razante: o sétimo episódio de Star Wars (o primeiro da era Disney) e Tomorrowland, a nova incursão na seara atração-de-parque-que- se transforma em filme. A expressão usada por Bob Iger para descrever os dois foi ''estamos muito empolgados (excited)”, mas isso quer dizer muito pouca coisa – ele usou exatamente os mesmos termos para descrever todos os outros projetos do estúdio.


O que me empolga  (ou tranquiliza) um pouco mais com Tomorrowland é a presença de Brad Bird como diretor, desenvolvendo o roteiro com Damon Lindelof (ter George Clooney e Hugh Laurie no elenco também ajuda…). Bird tem, além de uma fina sensibilidade ,uma visão muito interessante das ideias e estética de meados do século passado, de onde nasceu a  Tomorrowland, a Terra do Futuro dos parques da Disney (confiram The Iron Giant e Os Incríveis e vocês vão ver).

Aperitivo: a app que explora as referências visuais e conceitos de “futuro” como era visto em 1952…

E acho que, no departamento filmes, essas ausências me animaram mais que as presenças. Angelina Jolie foi aclamada quando apareceu para plugar Maleficent – o visual é bacana, os chifrinhos foram a marca registrada entre os fãs. Mas, como Saving Mr. Banks, temo que seja mais do mesmo, a milionésima iteração da mesma história, sem a menor possibilidade de um olhar novo ou sequer irônico.

O que me leva à animação, que foi apresentada por um empolgado John Lasseter, mudando de camisa a cada novo título. Embora todas as histórias sejam, de fato, a mesma história – protagonista descobre algo novo sobre si mesmo/a, encontra um coadjuvante fofinho que, depois de algum conflito, se torna seu/sua melhor amigo/a e os dois partem numa fantástica aventura – quatro me chamaram a atenção, de cara:

Zootopia (previsão: 2016) , o projeto ultra-secreto que a Disney Animation verm desenvolvendo há dois anos (“vamos ter que matar todos vocês depois desta apresentação”, disse o diretor Byron Howard), tem grandes achados conceituais e visuais: um mundo desprovido de seres humanos, povoado apenas por animais que desenvolveram todas as nossas características, manias e necessidades. “Nós sempre quisemos fazer um filme de animais humanizados, continuando uma tendencia tradicional da Disney”, disse Lasseter, anunciando o projeto. Vi ecos de Madagascar e, no protagonista, muita coisa de O Fantástico Sr. Raposo (menos a ironia…) mas… o projeto é para 2016, ainda tem muito chão…

Inside Out (previsão: 2015) , outro projeto ultra secreto, dessa vez da Pixar (tão secreto que não tinham nem título até ser batizado pelo departamento de marketing nas vésperas da D23 Expo) traz a assinatura de Peter Docter (Toy Story, Wall-E, Up), o que para mim já é uma tranquilidade. Mas foi seu tema que me intrigou: o filme todo se passa no mundo interior de uma familia que se muda de uma cidadezinha do meio oeste norte-americano para a metrópole de San Francisco. Seus protagonistas não são a mãe,o pai e a filha adolescente, mas suas principais emoções: Raiva, Tristeza, Alegria, Nojo e Medo. É uma espécie de Bergman à moda da Pixar e a sequencia  que foi exibida, em rascunho, com os conflitos interiores da família em torno da mesa de jantar, foi pura perfeição. É claro que em algum momento alguém se junta com alguém e parte em uma aventura mas….

Big Hero 6 (dezembro de 2014). Don Hall, que dirigiu o lindo Winnie The Pooh de 2011, inspirou-se numa série HQ da Marvel, cult ao ponto de ser obscura, para criar o fabuloso mundo de Sanfranstokyo, a grande metrópole pan-pacífica de algum universo paralelo. Gostei da história, que mostra adolescentes inteligentes, articulados,, plausíveis — inclusive o herói, um gênio precoce da robótica – que se transformam numa espécie muito especial, talvez hesitante, de super-herói. Mas foi o visual que me encantou _ paixão pura, pura imaginação.

Get a Horse! (novembro 2013). Guardei o melhor para o final. Produto da divisão “pobre” da Disney, a Disney Toons, dedicada ao trabalho sem glória de criar curtas e médias metragens para o mercado de TV e home entertainment, este curta pode ser a grande gema da Disney desta temporada. E quanto menos eu falar sobre ele, melhor. A inspiração veio de um par de croquis  de Mickey e Minnie encontrados nos arquivos da Disney, datados de 1928. Mais não digo. Nele está o coração daquilo que, hoje, é uma commodity enlatada – a magia Disney. É em parte imaginação, em parte molecagem, em parte inocência, e , completamente, a pura alegria, a embriaguez de criar, de contar uma história com o desenho em movimento. Get a Horse! Vai ser exibido antes de A Rainha da Neve, a super-previsível aventura-com-princesas deste ano. Considerem ir ao cinema, ver o curta e ir embora. Depois que ele estrear eu conto o resto da história…

 


Quando os humildes herdaram a Terra: todo o poder de Elysium
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Ana Maria Bahiana

A melhor ficção científica não é sobre o futuro: é sobre o presente, e tudo aquilo que nos assusta, angustia, empolga e intriga no presente. Dois alicerces do gênero no cinema – Le Voyage Dans La Lune, de Georges Méliès, 1902, e Metropolis, de Fritz Lang, 1927 -falavam, na aurora do século 20, dos medos do que a muito recente revolução industrial poderia fazer com o planeta e seus habitantes.  Chaminés fumegantes inspiram os cientistas de Voyage Dans La Lune a buscar novos horizontes na Lua. Uma sociedade radicalmente dividida entre  operários oprimidos, vivendo em miséria, e oligarcas opressores, vivendo no luxo, gera uma revolução em Metropolis.

Há um tanto de ambos, Metropolis e Le Voyage Dans La Lune, em Elysium, o arrasa-quarteirão mais inteligente desta (fraquíssima) temporada pipoca.  Porque seu realizador, Neil Blomkamp, não deixa o cérebro na prateleira quando cria, todo o poder do sci-fi, sua capacidade de especular sobre o que estamos vivendo agora, com a liberdade de ver os problemas na distância do futuro, passa, intocado, da tela para a plateia.

Em seu sensacional filme de estreia, Distrito 9, Blomkamp refletia profundamente sobre os conceitos de raça, espécie e a infinita arrogância dos humanos, colocando em nossas mãos um novo tipo de ET – o ET das comunidades carentes, dos marginalizados, dos segregados.

De muitos modos Elysium continua o raciocínio de Distrito 9, adicionando boas doses das ideias dos prioneiros da sci fi. Como em Voyage, a Terra em Elysium é um planeta devastado e, como em Metropolis, quem a herdou foram de fato os humildes _ todos aqueles pobres demais, marginalizados demais para se mudar para o novo paraíso celeste, Elysium, uma espécie de mega-condomínio fechado, exclusivo para ricos e bem nascidos, valsando acima da Terra como uma perversão sinistra da estação espacial de 2001 Uma Odisséia no Espaço, imune a pobreza, violência e doença.

Os melhores achados de Elysium estão em sua abordagem do que foi feito da Terra, pelo microcosmo de Los Angeles. No século 22, LA terá se transformado, dependendo do ponto de vista, numa imensa Tijuana ou num interminável Complexo do Alemão, hiper-poluída, desprovida de serviços  públicos  e controlada ou por um sortimento de gangues e mercenários, ou por robocops que chamam todo mundo de “cidadão” enquanto baixam o sarrafo.

É uma vida em círculos, onde quem tem sorte, como Max (Matt Damon) trabalha , por trocados , em condições precaríssimas, em grandes fábricas de bens de luxo e segurança, ganhando tempo até que alguma trivialidade – um encontro mais brusco ou com os robocops ou com os mercenários, uma doença – ponha um ponto final. Uma das melhores cenas desse primeiro ato envolve Max e um robojuiz, que vai fazer a delícia (ou a agonia) de qualquer pessoa que algum dia teve que resolver um caso complicado com um burocrata.

Sobre esse inferno terrestre paira Elysium, acessível apenas aos seus cidadãos, e governado com elegante mão de ferro por uma Jodie Foster em seu melhor modo vilanesco,bebendo champanhe e falando francês enquanto ordena ataques mortais a dezenas de pessoas, à distância e sem elevar o tom de voz.

Eu só lamentaria uma coisa, mas ao mesmo tempo compreendo o que aconteceu. Enquanto Distrito 9 deixava que os personagens contassem a história – e nós nos envolvíamos a partir do que íamos descobrindo sobre eles – Elysium, a partir do meio, apoia-se no velho modelo das repetidas cenas de ação e enfrentamento para tocar a narrativa.

Mas eu entendo: ao contrário de Distrito 9, este é um filme de grande orçamento, com grandes expectativas de um grande estúdio – a Sony – que teve uma temporada pipoca atribulada. Posso imaginar perfeitamente o quanto de interferência o roteiro original sofreu para incluir “mais efeitos!”, “mais ação!”, “mais perseguições!”, “mais explosões!”.

 

A presença de Alice Braga e Wagner Moura num ótimo elenco multicultural que inclui também Diego Luna e  Sharlto Copley merece uma conversa à parte. Ambos estão excelentes e tenho certeza de que, bem administrada, essa exposição pode ser um salto quântico em suas já luminosas carreiras. Eu espero apenas que Alice faça, em breve, um papel num grande projeto internacional onde ela não seja a boa moça em perigo. Sei, sabemos, que ela é capaz de muito, muito mais. Wagner criou seu líder bandido Spider com impressionante presença e fisicalidade _ agora é só esperar as próximas ofertas (e escolher bem).

Elysium estreia aqui nesta sexta feira, dia 9, e no Brasil dia 20 de setembro.


Nova presidente da Academia cria departamento para diretores de elenco
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Ana Maria Bahiana

Cheryl Boone Isaacs, nova presidente da Academia.

Essa eu gostei – a primeira iniciativa da recém-eleita presidente da Academia, Cheryl Boone Isaacs, foi criar um departamento que há muito tempo fazia falta – o de diretores de elenco.

Isaacs, executiva de marketing com longa carreira principalmente na Paramount, foi eleita por esmagadora maioria. Ela é a primeira mulher desde 1983 e a primeira afro-descendente a ocupar o posto. Sua campanha foi toda focada na ideia de diversidade, internacionalização e modernização. E logo de cara ela está pondo em prática um projeto que circula há décadas pela Academia, sem sucesso – o devido respeito aos diretores de elenco.

Marion Dougherty, possivelmente a maior diretora de elenco que já existiu, nos anos 1960 com seu arquivo de imagens.

Recomendo, urgente,  o documentário Casting By, da HBO, para que se compreenda a importância do papel desse profissional, e como sua intuição, gosto e  rede de contatos foram responsáveis, entre outras coisas, pelo fenômeno James Dean, pela descoberta de Clint Eastwood e pelos novos rostos femininos e masculinos que deram a forma final à virada do cinema norte-americano nos anos 1970.

Embora todas as decisões finais sejam do diretor – e em muitos casos projetos já são desenvolvidos com determinados astros e estrelas acoplados – o diretor de elenco é quem faz a planta baixa da arquitetura humana de um filme e série de TV, sugerindo nomes e com isso, muitas vezes, alterando completamente o rumo de uma obra. Para citar dois exemplos: o modo como Dustin Hoffman tomou o lugar que tinha sido imaginado para Robert Redford em A Primeira Noite de Um Homem, ou como Sigourney Weaver, e não um ator, tornou-se Ripley em Alien: O Oitavo Passageiro.

Vocês imaginam outras pessoas nesses papéis, hoje? Então: esse é o talento de um bom diretor de elenco.

Embora os profissionais tenham sido aceitos, ao longo dos anos, pela Academia, eles ficavam como membros gerais, sem um departamento específico e sem representação na diretoria. Agora, os diretores  de elenco tem as duas coisas. E, na progressão natural dos fatos, é bem possível que, em breve, tenhamos um Oscar de escolha de elenco, como o Emmy já possui.

Confesso também que estou rindo à toa com um detalhe. No documentário o diretor Taylor Hackford deita falação sobre como “nunca” a  Academia vai reconhecer o trabalho de seleção de elenco como departamento, principalmente com o título de “diretores de elenco”. Hackford, que admite ser contra até o termo “diretor de fotografia”, é enfático: só o diretor dirige alguma coisa, ninguém mais pode ter esse título!

Ora pois…


À luz das sombras: a (extraordinária) temporada final de Breaking Bad
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Ana Maria Bahiana

Você lembra a primeira vez que viu Breaking Bad? Eu lembro _  estava procurando outra coisa na AMC e peguei os minutos finais do episódio  da primeira temporada em que Jesse e  “Heisenberg” encontam-se com Tuco e seus comparsas no depósito de sucata. Eu não tinha contexto algum para compreender o que se passava, não sabia sobre o que cada personagem estava falando, ou, mais importante ainda, a história atrás de cada palavra e cada silêncio. Mas fiquei imediatamente hipnotizada. O que estava acontecendo ali naquele cemitério de automóveis, entre as coisas não ditas? Que história secreta e imprevisível se contava ali, num pequeno mundo estranho completamente vazio dos bandidos e mocinhos da TV?

Hipnotizada. Essa é uma palavra que eu e muitos fãs usaríamos muito nas próximas semanas, meses e anos, enquanto seguíamos a jornada de danação do prosaico professor de ginásio transformado em senhor da droga.  Como era possível uma série tão emocionalmente complexa, tão absurdamente bem escrita, com personagens completamente humanos, revertendo com tanta calma tantos clichês num universo narrativo onde super-explicar, ser óbvio e abusar dos clichês são a norma?

Se você se sente como eu, trago boas novas _ a temporada final de Breaking Bad, que começa dia 11 de agosto aqui nos Estados Unidos, não vai decepcionar em nada. Muito pelo contrário _ a julgar pelos primeiros episódios desse lote final (oficialmente chamado de s5B) Breaking Bad vai acabar exatamente como começou, com o mesmo gume subversivo e a mesma qualidade excepcional.

Tentando ao máximo não criar SPOILERS, digo que o primeiro episódio da s5B é uma obra prima. Dirigido pelo próprio Bryan Cranston (por favor, dêem mais coisas pra esse homem dirigir!!!) e escrito por Peter Gould ( mestre roteirista, autor de 34 episódios de Breaking Bad, inclusive o que me seduziu de forma tão dramática nos idos de 2008), Blood Money continua exatamente do ponto onde, no final da temporada passada, o cunhadão Hank (Dean Norris, sensacional) teve uma epifania envolvendo uma visita ao banheiro, um livro de poemas de Walt Whitman e as iniciais WW.

Antes, há um breve e sinistro prólogo no qual realizamos o quanto os cenários aparentemente banais de Breaking Bad – a pasteurização arquitetônica do contentamento classe média, a paz semimorta dos condomínios de subúrbio – contam histórias em si mesmos. E que histórias!

Há uma tensão quase insuportável latejando através de todo esse episódio. Mas ela é mantida sob rígido controle, sem os estardalhaços que, em outras séries ou filmes, seriam a opção para sublinhar a situação absurda que todos os personagens estão vivendo. Esse rigor – desenhado no roteiro, realizado plenamente na direção- tem como efeito manter nossa atenção, o tempo todo, nos personagens e na riqueza de seu mundo interior: Hank, um touro furioso, ferido nem tanto em seu zelo de homem da lei, mas em seu orgulho próprio; Jesse (Aaron Paul, cada vez melhor, se isso é possível) devastado pela culpa;  Skyler (Anna Gunn, cujo trabalho ainda precisa ser mais reconhecido) em queda livre; Walter (Cranston, o que mais dizer?) numa resoluta embriaguez de poder, a completa entrega ao lado sombrio da força.

Vai ser uma tremenda viagem, esses próximos episódios até Felina, o final da série, escrito e dirigido por seu criador Vince Gilligan. Não esperem nada. Esperem tudo.


Go Brazil: Spike Lee e Imagine preparam filmes sobre o Brasil
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Ana Maria Bahiana

Spike Lee está desenvolvendo um documentário sobre a ascensão do Brasil no cenário mundial. O projeto tem o título Go, Brazil, Go! (espero que não traduzam como Pra Frente, Brasil no Brasil) e está no começo da pré-produção. Lee tem uma longa ligação com o Brasil, começando por sua primeira visita ao Festival do Rio em 1986 com seu primeiro longa, She's Gotta Have It.

A versão norte-americana de Oldboy, dirigida por Lee, estreia dia 25 de outubro aqui nos EUA. Depois dele, e paralelamente a Go, Brazil, Lee realiza, para a HBO, um documentário do espetáculo de Mike Tyson que ele já havia dirigido na Broadway, The Undisputed Truth. Entre uma coisa e outra, junta-se a Zach Braff e os realizadores de Veronica Mars colocando um projeto, ainda sem título, no Kickstarter na esperança de levantar 1.2 milhões de dólares do público para sua realização.

Go, Brazil, Go! não é o único longa com um olhar de fora sobre o Brasil: os irmãos Jim e Michael Zimbalist, diretores do (excelente) documentário The Two Escobars, sobre o chefão da droga Pablo Escobar e o jogador de futebol Andres Escobar , estão em pré-produção em uma cinebio de Pelé. Jim e Michael são roteiristas, diretores e co-produtores (com a Imagine de Ron Howard e Brian Grazer) no que será seu primeiro longa não-documental. O projeto, ainda sem título, vai se ocupar especificamente da transformação do garoto Edson Arantes do Nascimento no craque Pelé, e será falado majoritariamente em inglês.  As filmagens estão previstas para o final deste ano, com lançamento em 2014.


Quando Batman encontrou Super-Homem: o que está por trás do anúncio mais explosivo da Comic-Con 2013
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Ana Maria Bahiana

Logo do projeto Batman/Super-Homem, anunciado hoje na Comic-Con

Então: o Batman estava lá em Gotham City, no seu bat-barzinho, sossegado no seu canto com seu drinque quando… ei, quem é esse cara de azul piscando pra mim?

Era o Super-Homem. E aí…

Bom, vamos encurtar a história: a Warner anunciou agora à tarde, no famoso Hall H da Comic Con que o próximo filme do Super-Homem será o próximo filme do Batman. E vice versa. Em resumo – a temporada norte-americana verá o primeiro filme dos dois super-heróis mais populares do mundo, juntos. “Vocês tem que concordar, isso é pra lá de mitológico”, disse Zack Snyder, falando para um Hall H lotado e mudo, em choque. “Ter o Super-Homem e nosso novo Batman cara a cara vai ser incrível, eles são os maiores super-heróis do mundo!”

O anúncio – feito por Syder e Diane Nelson, presidente da DC Entertainment, o braço de produção audiovisual da DC Comics – pegou todo mundo de supresa. Oficialmente, o evento da Warner na Comic-Con era para promover Gravity, Godzilla, o novo 300 e outros filmes do estúdio.

O que já estou chamando de “sanduíche de super-herói” está sendo escrito neste momento (pelo mesmo David Goyer de Homem de Aço, mais Snyder). Snyder será o diretor, e Christopher Nolan o produtor executivo ( o que significa, na estrutura daqui, que ele estará mais distante da produção do que esteve em Homem de Aço. Charles Roven e Deborah Snyder, que pegaram o pesado tanto de Homem de Aço quanto da trilogia Batman de Nolan, serão os produtores.

A produção começa ano que vem, com o lançamento previsto para meados de 2015, bem a tempo de fazer frente ao segundo Vingadores, e abrindo o calendário de novas parcerias Warner/DC: The Flash em 2016 e Liga da Justiça em 2017.

Henry Cavill retornará como Clark Kent/Super-Homem, mas ainda não se sabe quem será Batman. Christian Bale disse para quem quisesse ouvir que este seria sua derradeira morcegada mas…. Quem sabe, uma boa negociação pode mudar sua ideia. A referência de Snyder a ''nosso novo Batman'', contudo, indica que vamos ver mesmo um novo morcegão.

Por que a Warner optou por não colocar nas telas um segundo Homem de Aço, pura e simplesmente, e resolveu colocar o Batman na jogada ? Lembram quando eu dizia e repetia, lá no twitter, que eu só ouvia infos de que uma sequel não estava decidida de jeito nenhum?

Eu gostaria muito de dizer que é porque a bat-trilogia Nolan é infinitamente superior ao Homem de Aço, mas, como sempre, são os  números que valem. Homem de Aço custou 225 milhões de dólares e, até agora, rendeu 621.8 milhões de dólares em todo o mundo. O Cavaleiro das Trevas Ressurge custou 250 milhões mas rendeu mais de um bilhão de dólares na bilheteria mundial.

Embora a Warner, como era de se esperar, tenha dito que o filme de Snyder “desempenhou como esperávamos”, a verdade é que ele teria que ter rendido mais de 675 milhões para dar lucro – e, se eu me lembro bem, a cantoria eufórica aqui, lá para os lados de Burbank era “vamos passar de um bilhão, fácil!!”.

Desde que a Disney emplacou 1 bilhão e 500 milhões de dólares em bilheteria mundial com Vingadores, este se tornou o número mágico que todo estúdio almeja atingir para se considerar parte do jogo do arrasa-quarteirão.

Em bom português: Batman tem que dar uma força ao colega de azul. Uma tremenda bat-força, aliás. Conseguirá, Robin?