Blog da Ana Maria Bahiana

Rumo à Tintinlândia
Comentários Comente

Ana Maria Bahiana

 

Estou em trânsito…. A partir de amanhã e até segunda feira, sigam minha cobertura do lançamento de Tintin e o Segredo do Licorne no UOL Entretenimento. A bientôt!


Na segunda temporada de Walking Dead, o equilíbrio entre horror e solidariedade
Comentários Comente

Ana Maria Bahiana

Como se continua uma série de enorme e inesperado sucesso, sem um dos seus idealizadores e com milhões de fãs de olhos bem abertos e grudados na telinha?

Com muito cuidado.

Segundas temporadas são arriscadas por natureza. O impacto da novidade já se desfez, os fãs exigentes já estão criados, as expectativas são altas. O público espera ter, ao mesmo tempo, mais do mesmo que o atraiu em primeiro lugar e alguma coisa nova que possa empolgá-lo.

Julgando pelo primeiro episódio da segunda temporada de The Walking Dead (AMC, estréia domingo passado, dia 16, nos EUA), a série conseguiu este delicado equilíbrio, mesmo sem a presença de uma de suas principais mentes criativas, Frank Darabont.

Reunindo numa estréia de 90 minutos o material do que deveriam ser os dois primeiros episódios da nova temporada, What Lies Ahead (o episódio número um)  coloca o grupo de sobreviventes liderados pelo xerife Rick Grimes (Andrew Lincoln) fora de Atlanta, numa caravana destinada à base militar de Fort Benning, centenas de milhas ao norte. Grimes carrega consigo a informação sussurrada pelo solitário médico do Centers for Disease Control no episódio final da primeira temporada – um elemento importante para a mitologia da série, e que o criador Robert Kirkman garante que vai ser resolvido “no tempo certo, de modo satisfatório” .

O equilibrio entre o horror inspirado pelos zumbis e a solidariedade e empatia provocados pela luta do grupo de sobreviventes é o elemento que mantém WD num nível acima da mera reciclagem do gênero, e a principal via  de comunicação da série com seu público. No episódio de estréia, uma longa e sensacional sequência  numa estrada repleta de carros abandonados estabelece, logo de cara, o nível de suspense que podemos esperar desta segunda temporada.  A complicação dos relacionamentos entre os sobreviventes, com revelações graduais de suas vidas pré-apocalipse e, neste episódio,  situações dramáticas envolvendo duas crianças, é o cimento que vai nos manter grudados na tela, vendo em cada um deles um pouco de nós, diante de momentos, literalmente, de vida e morte.

A qualidade da produção continua impecável – mesmo com a redução dos orçamentos que tanto irritou Darabont – e os zumbis mantém  a mesma perturbadora mistura de humanidade e horror que nos fascinou ano passado. Outras séries querendo competir no segmento terror – e penso aqui, é claro, na muito badalada American Horror Story – deviam aprender com WD como se faz a dosagem de elementos narrativos, ritmo de cena e som para realmente criar um universo onde o medo é catártico e, portanto, liberador.

Espero muito desta segunda temporada.


Corrida do Ouro 2011: Os primeiros favoritos de um ano sem favoritos
Comentários Comente

Ana Maria Bahiana

Meados de outubro: dois meses para o anúncio dos indicados aos Globos de Ouro, três para sabermos os indicados ao Oscar. Ano passado, a esta altura, Inception-A Origem já tinha maravilhado plateias e críticos, e A Rede Social já tinha deixado bem claro que entrava na briga para disputar com tudo. Este ano, sento-me a uma mesa de jantar com alguns colegas votantes e o papo é o mesmo: “Mas que ano, hein? O que tem para a gente escolher?”

Tudo pelo Poder

Ter, tem, mas, até agora, nada que arrebate, que apaixone, que leve a discussões, campanhas furtivas, argumentos e contra-argumentos. Meus filmes mais queridos, até agora – Planeta dos Macacos-A Origem e Drive – não tem chance de ganhar nem um boa noite (embora o filme de Nicholas Winding Refn tenha um contigente passional dentro dos votantes dos Globos… mas me parece um contingente pequeno…) Árvore da Vida, que é lindo e exasperante em doses iguais, pode, igualmente, cativar e alienar número igual de votantes. Tudo pelo Poder é uma opção, assim como – para representantes de países onde há beisebol – Moneyball. O Artista deixou muitos colegas intrigados – “com certeza vimos um dos filmes mais originais dos últimos tempos “ – mas isso não significa, necessariamente, favoritismo.

Meia noite em Paris

Entre as comédias, Missão Madrinha de Casamento e Meia Noite em Paris estão na pole, e meu favorito, Amor a Toda Prova, é outra possibilidade bastante real, assim como outro querido meu, Beginners (no caso de ser considerado comédia…).

Enfim, este pode ser o ano em que se premia não o completamente excepcional, mas o melhor dentro de uma safra nada espetacular. Tem anos assim. Pode ser um momento bom para filmes como Harry Potter e as Relíquias da Morte –parte II. O gênero fantástico parece ter mais chances no derradeiro episódio de uma franquia, e o ano bamboleante pode abrir uma brecha, especialmente nos Oscars.

Estou falando, é claro, de filmes que já foram vistos, e de possibilidades pelo ângulo de quem tem que escolher indicados. Listas de favoritos feitas por gente que não tem que votar, incluindo filmes que ninguém viu,  estão dando sopa na internet.

Mia Wasikowska em Jane Eyre

As categorias dramáticas, por outro lado, vão dar congestionamento. Considerando, mais uma vez, apenas o que já foi visto, podem incluir no páreo, entre atrizes/atores principais: Glenn Close (Albert Nobbs), Michelle Williams (My Week With Marilyn), Emma Stone e Viola Davis (Histórias Cruzadas), Carey Mulligan (Drive), Mia Wasikowska (Jane Eyre), Jodie Foster e Kate Winslet (Carnage), Kristen Wiig (Missão Madrinha de Casamento), Julianne Moore (Amor a Toda Prova), Elizabeth Olsen (Martha Marcy May Marlene); Ryan Gosling (Drive e Tudo Pelo Poder), Brad Pitt (Moneyball), George Clooney (The Descendants), Jean Dujardin (O Artista), Ewan McGregor (Beginners), Steve Carell (Amor a Toda Prova), Michael Shannon (Take Shelter), Michael Fassbender (Shame), Paul Giamatti (Win Win), Christoph Waltz e John C.Reilly (Carnage).

Christopher Plummer em Beginners

Coadjuvantes? Fartura, também: Janet McTeer (Albert Nobbs), Octavia Spencer (Histórias Cruzadas), Melissa McCarthy (Missão Madrinha de Casamento), Berenice Bejo (O Artista), Evan Rachel Wood (Tudo pelo Poder), George Clooney (Tudo Pelo Poder), Albert Brooks (Drive), Christopher Plummer (Beginners), Ryan Gosling (Amor a Toda Prova).

E isso, repito, levando em conta apenas os títulos que já foram exibidos “para sua consideração”.

Ainda vem por aí J. Edgar, Hugo, O Espião Que Sabia Demais, War Horse e Os Homens que Não Amavam as Mulheres.

E, é claro supresas de última hora sempre são possíveis. Aliás, este ano serão mais que bem vindas, e podem dar sabor de real competição a uma disputa que cada vez mais está ficando previsível.

 

 


Adeus, José Vasconcelos, que fez o Brasil rir
Comentários Comente

Ana Maria Bahiana

José Thomaz da Cunha Vasconcellos Neto, 20 de março de 1926- 11 de outubro de 2011

''Na oficina mecânica, empregado encontra um carrapato no cabelo e pergunta ao português seu patrão:

– Ó seu Manél, isso aqui é um carrapato?

O português que estava deitado debaixo de um automóvel e não podia ver o empregado:

– Só se for um tipo de carro novo, porque eu só conheço carro à álcool, carro a diesel, carro a gasolina.''


Numa safra decepcionante, o poder de um jogo de espelhos mortal
Comentários Comente

Ana Maria Bahiana

Depois do fantástico episódio final de Breaking Bad – tão perfeito que poderia muito bem ser o final de toda a série, como já foi dito aqui (não leia se não viu o episódio, todos os SPOILERS estão lá)- duas coisas ficam claras: a vontade de rever toda esta temporada para sacar cada fio narrativo, cada detalhe, cada passo na direção desta resolução final, a completa danação de Mr. White; e a constatação de que a nova safra de séries está mesmo muito, muito pálida.

Tinha altas esperanças para Person of Interest (Warner Brothers/ CBS; estréia no Brasil dia 18/10). Afinal, era criação de Jonathan Nolan (irmão de Chris e seu parceiro nos roteiros de Amnésia, Cavaleiro das Trevas , O Grande Truque), estrelada por dois excelentes atores: Jim Caviezel e, em seu primeiro papel contínuo desde Lost, Michael Emerson.

Além disso, a série tinha um ponto de partida super interessante: a paranóia pós- 11 de setembro, e a cultura de vigilância perpétua e erosão das liberdades individuais que o ataque gerou. Emerson é um nerd transformado em mega-bilionário graças a um software que analisa imagens captadas por câmeras de segurança e cria “perfis” de bandidos e terroristas em potencial. Caviezel é um ex-agente especial da CIA traumatizado por perdas pessoais durante os atentados, que Emerson recruta para um projeto especial, super secreto: usando seu software, identificar não atacantes mas vítimas em potencial e, assim, impedir que crimes aconteçam.

É material suculento, com ecos de coisas tão díspares e deliciosas quanto Janela Indiscreta – a agonia do observador, a atração do observado – quanto Minority Report-A Nova Lei – a luta do saber contra o mal-fazer, a possibilidade de esvaziar o mal pela prática vigorosa, preventiva, do bem. No piloto , dirigido por David Semel (não por acaso responsável pelo melhor episódio de American Horror Story, até agora) estes temas eram expostos com clareza e a dose certa de mistério, com uma elevação da narrativa em geral simplificada das séries de TV aberta. O uso de imagens de câmeras de rua, lojas e sinais de trânsito aumentava o clima de paranóia mas não interferia na apresentação dos personagens, com a dose certa de revelação e mistério.

Os episódios seguintes não foram tão bons. O segundo, especialmente, se parecia com qualquer outro policial do horário das 20h na TV aberta norte-americana, incrementado pela presenças de dois atores de alto nível e por um visual mais ousado, cortesia das imagens granuladas.

Ainda não desisti da série, ainda acho que promete, mas a TV paga acaba de contra-atacar com uma abordagem muito mais brilhante do mesmo tema – o ver e o ser visto – e clima – a paranóia pós 11 de setembro: Homeland, da Showtime.

Numa interessante viagem de mão dupla, Homeland começou como uma série _ Prisoners of War– da TV israelense, criada e realizada por um diretor nativo mas educado e treinado em Los Angeles, Gideon Raff. Re-inventada pelos produtores e roteiristas Alex Gansa e Howard Gordon (24 Horas, Arquivos X), Homeland manteve o núcleo essencial, o motor que impulsiona toda a narrativa para um outro plano: o personagem central, um prisioneiro de guerra (no caso, no Afeganistão) miraculosamente resgatado depois de oito anos de cativeiro. Quem ele é, realmente, depois da medonha experiência? Um veterano heróico? Um soldado aos pedaços, destruído pela tortura? Ou um agente do inimigo, virado do avesso por inimagináveis pressões físicas, emocionais e existenciais?

Sua contrapartida no outro lado da trama é uma analista da CIA determinada a provar seu valor depois de uma missão arriscada mas desastrosa no Iraque. O enigma do prisioneiro é sua bússola, sua obsessão, e ela o segue com todas as armas de seu ofício _ “olhos e ouvidos”, câmeras e microfones que acabam gerando, nas palavras de um colega, um “estranho reality show”.

Desempenhos maravilhosos – Claire Danes como a agente, Mandy Patinkin como seu chefe, Damian Lewis como o ex-prisioneiro, Morena Bacarin como a mulher dele – e roteiros perfeitos criam um universo hermeticamente fechado de vigias e vigiados entrelaçados numa dança mortal onde tudo é espelho e todos tem vidas duplas, identidades secretas e lugares onde nem câmeras nem microfones conseguem chegar (para o ex- prisioneiro, a garagem de sua casa; para a analista, os bares onde ela ouve jazz e corteja parceiros para rápidos romances).

É , sem  dúvida, a melhor série da safra 2011. Olho nela nos prêmios…

 


American Horror Story é…. um horror?
Comentários Comente

Ana Maria Bahiana

Como fã do gênero e apreciadora da efervescência de criatividade da TV, agora, fiquei bem animada quando soube que Ryan Murphy e Brian Falchuk, os co-criadores de Glee e Nip/Tuck, estavam desenvolvendo uma série de terror para a FX.

E animada  fiquei até por pra tocar o DVD do piloto de American Horror Story – que estreia hoje, dia 5 de outubro, nos EUA.

Com uns 15 minutos de tela, minha impressão foi a de estar vendo uma espécie de X-tudo audiovisual, onde absolutamente todos os elementos do gênero tinham sido jogados sem atenção a coisa alguma – narrativa, integridade dos personagens, as regras mesmo do gênero – a não ser a vontade de assustar o espectador a cada minuto.

E aqui está o primeiro problema essencial de AHS: para que a gente se assuste é preciso um ritmo, um crescendo com momentos de pausa, de ocultamento, de sutileza. A mente humana se assusta mais com o que antecipa do que com o que vê, coisa que o mestre dos mestres, Hitchcock, sabia dominar completamente.

Em AHS você tem (e tenho certeza de que vou esquecer alguma coisa): (sim, contém SPOILERS!!!)

1. Uma casa hiper mal assombrada onde, aparentemente, aconteceram exclusivamente crimes hediondos.

2.A casa inclui: um porão repleto de: fotos fúnebres, potes de vidro com pedaços de animais e fetos, ferramentas ensanguentadas, uma banheira e um traje de fetiche sado-masô, completo;

3. paredes cobertas por pinturas monstruosas;

4. e pelo menos sete diferentes assombrações assustadoras, que não sossegam momento algum.

5. Seus vizinhos são uma estrela de cinema decadente e sua filha vidente, portadora  de síndrome de Down.

6. Seus novos ocupantes são uma família em crise composta por: pai psicanalista e sonâmbulo, em crise de consciência depois de um caso com uma aluna, e que trata apenas candidatos a serial killer; mãe angustiada depois de perder um bebê; filha adolescente revoltada, que namora, escondido, um dos pacientes sociopatas de papai.

7. Por motivos não explicados (mas que qualquer fã do gênero rapidamente conclui…) a família é visitada constantemente por uma misteriosa arrumadeira/governanta (que a mãe vê como uma senhora madura e o pai,como uma jovem gostosa) e um sujeito deformado por extensas queimaduras e com um tumor incurável no cérebro.

E isso tudo só no piloto!!!

Some-se a isso uma fotografia que desconhece o que seja luz (pensem que O Iluminado, um dos filmes mais apavorantes que conheço, é banhado na mais clara luz, praticamente em todas as cenas) e uma trilha incessante, chupada na veia de Bernard Herrman, e vocês vão compreender minha decepção.

Isoladamente, há bons momentos – o affair entre a dona da casa e alguém no traje-fetiche é genuinamente arrepiante – e o elenco inclui nomes de primeira categoria: Jessica Lange como a vizinha-diva; Frances Conroy, de Six Feet Under, como a misteriosa governanta de meia idade; o sempre brilhante Denis O’Hare (True Blood, Brothers and Sisters) como o visitante deformado; Connie Britton (Friday Night Lights) como a dona da casa; Taissa Farmiga (irmã de Vera) como a adolescente revoltada.

Mas o pirão é tão grosso, tão transbordante que, muitas vezes, dá vontade de rir e não de pular – como se sabe, a fronteira entre o assustador e o cômico é muito tênue.

As coisas melhoram no segundo episódio, dirigido com competência e clareza  por Alfonso Gomez-Rejon, e com um roteiro onde Murphy e Falchuk parecem ter controlado sua ânsia de um-pulo-por-minuto.

Agora é torcer para que a série encontre seu tom certo _ afinal, no gênero, Walking Dead já vem aí…

 

PS: Vi mais três episódios depois do malsinado piloto. A série finalmente progride, e se livrou do desespero de tudo-ao-mesmo-tempo-agora. As interpretações continuam exageradas e a música, frenética, mas agora finalmente as tramas se enraizaram na cidade (Los Angeles e seus horrores próprios) e nos personagens. Conselho: vejam o piloto com uma dose  de paciência, e continuem que lá na frente melhora.


Compaixão pelos diabos: na TV, nossos anti-heróis favoritos
Comentários Comente

Ana Maria Bahiana

Um dos maiores e melhores prazeres de uma boa narrativa audio visual é poder torcer por quem menos se espera. É um prazer maior que o dos vilões que amamos odiar : o herói improvável, o anti-herói,   fala de nossas próprias falhas e dúvidas, e de uma redenção pequena mas possível. O anti-herói pode ser medonho em algumas áreas de sua vida, e amoroso e dedicado, em outras. A perfeição foi posta de lado – estamos no mundo onde definições de bem e mal são relativas.

A TV, que cada vez mais está dando surras no cinema em termos de inteligência e ousadia, traz, nesta temporada, alguns de nossos mais queridos anti-heróis.

A sólida base literária fornecida por Darkly Dreaming Dexter, de Jeff Lindsay, tem apenas parte do crédito para a complexidade de Dexter (Showtime), possivelmente o anti-herói por excelência da telinha. A sexta temporada começou ontem nos EUA, levantando mais uma vez o limite da excelência e cutucando uma onça muito feroz – religião- com vara curtíssima. Procurando uma boa escola para seu filhote, Dexter se vê conversando sobre crenças com uma freira –e , por exclusão, deixando bem claro que não acredita em coisa alguma. Seu improvável parceiro desta temporada parece ser um ex-presidiário-transformado-em-pastor (Mos Def, excelente) e seu principal antagonista, uma dupla de fanáticos obcecados com o Apocalipse (Edward James Olmos e Colin Hanks, ótima escalação de elenco).

Uma outra série provavelmente escolheria o caminho mais fácil da redenção explícita, mas Dexter está ocupada com as nuances da definição de “fé” e como sua força não tem, necessariamente, ligação nem com bem nem com mal. Depois de uma quinta temporada de altos e baixos, o que vi desta sexta – cinco episódios- me dá mais do que motivo para esperar uma epifania.

Mr. White vai para o inferno _ e Jesse, será que fica pelo purgatório? A quarta temporada de Breaking Bad (AMC) termina nos EUA domingo que vem, dia 9 e, como o criador Vince Gilligan prometeu ao final da terceira, a jornada de seus personagens está absolutamente coerente com as escolhas que fizeram. Se Dexter nos oferece uma alma fracionada – o profissional simpático, o irmão querido, o pai devotado… e o passageiro sombrio, nascido do trauma e da dor- Breaking Bad é exclusivamente sobre opções e responsabilidades. Você é o que você escolhe, a série diz, e cada pequeno passo tem seu peso na teia da vida.

Nesta quarta temporada Mr. White começou a esgotar sua quota de riscos sem retorno. Numa cena absolutamente genial de um dos episódios finais ele está literalmente enterrado vivo, nas fundações da casa que um dia dividiu com sua familia, berrando, soluçando e rindo ao mesmo tempo, num ataque de  lucidez instantânea, vendo afinal tudo o que andou fazendo nos últimos anos.

Mas esta quarta temporada não foi apenas sobre como o personagem de Bryan Cranston administrou suas escolhas _ ela também é sobre Jesse, Skyler, Gus Fring (esta foi a temporada para Giancarlo Esposito brilhar). Opções são um bordado, cada uma é um ponto sustentando outro.  O que vimos, com a estranha alegria que os anti-heróis nos dão, foram 13 episódios em direção do inevitável.

 

Para um personagem (em parte verdadeiro) dos anos 1920, Nucky Thompson é uma figura extremamente contemporânea. E, com certeza, muito conhecida de todos nós: o político corrupto até os ossos, cujas tramóias municipais, estaduais e federais constroem um pequeno império pessoal, sustentado por clientelismo, assistencialismo e trocas de favores.

Na excepcional Boardwalk Empire, da HBO, Nucky tem duas poderosas atenuantes: todo mundo à sua volta é pior que ele; e quem o encarna é Steve Buscemi, capaz de revestir de humanidade e simpatia o mais asqueroso dos bandidos.

E Nucky não é um bandido banal, por isso nos importamos com ele: ele é um homem com fino faro para oportunidades, capaz de tirar o proverbial leite das pedras. E tem um mundo interior complexo, capaz igualmente de grande generosidade e frieza cirúrgica.

Nesta segunda temporada, iniciada dia 25 de setembro nos EUA, nosso anti-herói começa a enfrentar o outro lado de sua ascensão: todas aquelas pessoas que ele deixou tombadas às margens de suas vitórias e negociatas. Jimmy, o afilhado (Michael Pitt) reaproximou-se do pai, o Comodoro (Dabney Coleman) que se recusa a morrer; Eli, o irmão (Shea Whigman) está cansado de comer as sobras de sua mesa. Novas alianças são forjadas, o império parece pronto para ser dividido.

O grande personagem secundário da segunda Boardwalk Empire é, sem dúvida, Chalky White (Michael Kenneth Williams), o elegante gangster negro que é, na verdade, a imagem no espelho de Nucky e, possivelmente, seu mais fiel aliado. Há um confronto na cadeia de Atlantic City, primeiro entre Nucky e Chalky e, logo a seguir, entre Chalky e um bandidinho rasteiro, que dá vontade de levantar e aplaudir: perfeição de roteiro, direção, interpretação.

Ser bandido, na América dos anos 1920, quando tudo é proibido e, portanto, as oportunidades são infinitas, não é para qualquer um: só para quem tem calma, inteligência e classe.


É o fim do mundo como o conhecemos: vamos filmar
Comentários Comente

Ana Maria Bahiana

Estamos todos com medo _ o presente é assustador, o futuro é incerto e instituições que tínhamos como excelentes, operantes e praticamente infalíveis estão desabando diante de nossos olhos, tais e quais aquelas duas torres altivas e belas, na Nova York de 2001.

Esta parece a soma de todos os medos como interpretada e recriada pelo cinema norte americano, nestes últimos anos. E pode muito bem ser um dos grandes temas desta recém- iniciada temporada-ouro que, suspeito, vai realmente pegar embalo com a estreia de J.Edgar no início de novembro, se Clint Eastwood e Dustin Lance Black cumprirem suas promessas de virar pelo avesso uma figura icônica e sua querida instituição intocável, o FBI.

Dois filmes em cartaz neste fim de semana nos EUA continuam essa narrativa de apreensões.

Dirigido por Steve Soderbergh – em seu modo não-autoral – a partir de um roteiro original (e muito bem pesquisado)  de Scott Z. Burns, Contágio (Contagion, 2011) é um competente exemplar do thriller-epidêmico, no qual cientistas substituem detetives e policiais em busca de um assassino em série poderoso, terrível e invisível a olho nu. É um sub-gênero que tem antecedentes tão distantes quanto o noir The Killer That Stalked New York, de 1950, ou O Enigma de Andrômeda (The Andromeda Strain), de 1971; e, mais recentemente, Epidemia (Outbreak, de 1995).

Como Soderbergh é Soderbergh, seu prestígio arregimentou um elenco de estrelas para compor o mandatório time de vítimas e  investigadores – Matt Damon, Gwyneth Paltrow, Kate Winslet, Jude Law, Laurence Fishburne, Marion Cotillard. E como os tempos são os atuais, voltou sua atenção menos ao vírus e a seus caçadores e mais ao gradual e violento desmantelar da sociedade, ao longo de um mês, enquanto a doença progride, muda, sobrecarrega hospitais, gera paranóia, greves, vandalismo.

Porque o vírus se propaga pelo toque – e porque vivemos numa era em que as pessoas mais e mais se isolam atrás de seus celulares, tabletes e computadores – Soderbergh volta seu olhar, insistentemente, para os pequenos gestos  que nossas mãos fazem o dia todo, sem que percebamos _ a ânsia ancestral por contato, atrofiada numa sociedade em crise.

São elementos assim, mais que qualquer outra coisa, que tornam Contágio interessante. Não é bem, como seus antecessores, uma luta-contra-o-tempo para salvar o mundo – tempo e vírus são inexoráveis, aqui, como seriam na vida real, é o que o roteiro de Burns nos diz- mas uma observação de nossa fragilidade como sociedade, confiantes em forças que, talvez, sejam mais vulneráveis do que pensamos.

E ainda não sei porque Contágio está sendo exibido, pelo menos aqui nos EUA, em IMAX. A não ser para quem queira muito ver uma autópsia de Gwyneth Paltrow numa tela de 22 metros de altura…

Contágio está em cartaz nos EUA e estreia no Brasil dia 28 de outubro.

Em Tudo pelo Poder (The Ides of March, 2011) são as instituições políticas que estão em risco, ameaçadas não por um micro-organismo daninho, mas por nossa próprias fraquezas.

Diretor , produtor e coadjuvante do seu projeto, George Clooney também é co-roteirista, adaptando com Grant Heslov (com quem ele já havia trabalhado em O Amor Não tem Regras) a peça Farragut North, de Beau Willimon, sobre o jovem e entusiasmado assessor  de um candidato a candidato a presidente dos EUA, e sua penosa curva de aprendizado.

Clooney pegou para si papel do candidato, Mike Morris, um governador estadual do partido Democrata, carismático, progressista e bonitão. Stephen Moyers, o  inocente em treinamento, é Ryan Gosling, mais uma vez dando um show de interpretação inteligente, bem pensada. Outros grandes atores completam o elenco: Philip Seyour Hoffman como o coordenador da campanha de Morris, Paul Giamatti como seu correspondente no campo do oponente, Jeffrey Wright como o senador republicano cujo apoio pode fazer a diferença na corrida para a Casa Branca, Marisa Tomei como a jornalista durona, incansável na busca de uma boa matéria, Evan Rachel Wood como a estagiária bonita e ambiciosa.

O genial de Tudo pelo Poder – além de como Clooney expandiu  a peça a ponto de parecer impossível que a trama possa ser contada num palco – é que, politicamente, tanto Morris quanto Moyers, seu aprendiz de feiticeiro, são inatacáveis. Um candidato a candidato, dizendo o que Morris diz, com a convicção com que ele diz, seria a salvação para uma América em crise _ e a fé de seu pupilo é verdadeira e íntegra.

Não são os princípios ideológicos que abalam suas estruturas _ são fraquezas humanas tão antigas quanto o tempo, desejos inscritos em livros muito anteriores à Constituição dos Estados Unidos, único documento no qual Morris diz ter fé (na sensacional cena de abertura, Moyers repete este credo ; é esta cena, em super close, que serve de tema ao filme, repetida depois, muito, muito diferente, no final).

É um belo filme, especialmente alvissareiro  depois do decepcionante O Amor Não Tem Regras.

Tudo pelo Poder estreia nesta sexta feira nos EUA e estréia no Brasil dia 23 de dezembro.


Mad Men, quem diria, deu cria: a TV americana tem saudade dos anos 1960
Comentários Comente

Ana Maria Bahiana

Nove anos atrás, quando Matthew Weiner, então integrante da equipe de roteiristas de Família Soprano, começou a procurar um canal para seu projeto do coração, uma série sobre as vidas e as famílias de um grupo de publicitários na Nova York dos anos 1960, quase ninguém se interessou. As razões iam desde “os personagens são muito remotos” a “ninguém vai querer ver uma história que se passa nos anos 1960”.

Assim caminha a humanidade: como o executivo da Decca que disse aos Beatles que conjuntos de guitarra não fariam sucesso, ou o da Universal que comunicou a George Lucas que o gênero “ficção científica” estava morto, todas as cabeças coroadas da TV estão, neste momento, mordendo publicamente suas línguas.

Quatro temporadas e muitos Emmys depois, Mad Men é uma das séries mais importantes e premiadas dos EUA. Mesmo que os números de Mad Men sejam discretos – 2. 92 milhões de espectadores na temporada de 2010- eles cresceram espetacularmente de temporada para temporada. E, mais que isso, os temas e estilo da série se integraram completamente à cultura pop – se alguém, falando de uma pessoa, diz “ah, ele é um Don Draper”, todo mundo sabe exatamente do que se trata.

Não é por acaso, portanto, que esta nova temporada de TV venha não com uma mas duas séries tão diretamente inspiradas por Mad Men que chega até a pegar mal: The Playboy Club (Imagine/20th Century Fox, canal NBC) e PanAm (Sony Pictures Television, canal ABC). Ambas se passam na primeira metade dos anos 1960, ambas são focadas em ambientes em que mulheres tinham como mandato serem belas, disponíveis e submissas e ambas tiram o máximo possível de partido do clima da época_ moda, música, referências culturais, de cigarros onipresentes à familia Kennedy.

As semelhanças param aqui. Em primeiro lugar, porque Playboy Club e PanAm são séries de TV aberta e não de um canal pago. Para um canal como a AMC, fazem sentido o ritmo pensativo e o aprofundamento dos personagens que são a marca de Mad Men. Em canais abertos como a ABC e a NBC, o ritmo tem necessariamente que ser mais veloz, coisas tem que acontecer, a mera existencia e conflitos dos personagens não são o bastante. E, é claro, aquele interlúdio entre Betty e a lavadora, ao som de “Água de Beber”, é impossível.

E depois porque as duas séries são criaturas muito diferentes entre si, embora nascidas do mesmo desejo de ser uma espécie de “Mad Men para as massas”.

Produzida com as bençãos de Hugh Hefner (em troca do uso do nome e da logomarca) The Playboy Club é a mais fraquinha. Porque foi devidamente sancionada, ela é asséptica _ nada acontece no clube além de animados giros pela pista de dança, e a Mansão Playboy parece mais um pensionato para moças extremamente bonitas. Como exploração de personagens não é seu forte, a série já começa com um crime e um advogado – Eddie Cibrian, tentando com grande esforço encarnar Don Draper em Chicago. E em pouco tempo estamos com uma espécie de CSI-Chicago-nos anos 60, interrompido de tempos em tempos por moças vestidas de coelhinhas.

PanAm é produto de mais classe. Com Christina Ricci encabeçando o elenco e uma cuidadosa atenção aos detalhes da direção de arte, a série consegue de cara achar um foco e um clima precisos: o romance e o fascínio da viagem, numa época em que voar era algo glamouroso, elegante e sexy. Suspensos em verdadeiros navios com asas – o primeiro episódio gira em torno do  vôo inaugural do luxuoso Clipper 707 da PanAm, de Nova York a Londres – pilotos eram os galantes cavaleiros e comissárias, as gueixas da era moderna.

Ao dar a Ricci uma personagem que, quando se livra das cintas, luvas e chapeuzinho de seu uniforme de aeromoça, é uma beatnick do Village, flertando com o socialismo, a série abre uma possibilidade interessante de aterrar a fantasia do vôo com a realidade de uma década turbulenta.

Ainda é cedo para saber se as promessas de PanAm serão cumpridas – a série estreou neste domingo nos EUA. Mas, mesmo com as restrições de um produto feito para o consumo maciço de um canal aberto, PanAm parece destinada a um belo vôo.