Blog da Ana Maria Bahiana

Magic Mike: os garotos estão numa boa
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Ana Maria Bahiana

Se os irmãos Dardenne, por algum motivo bizarro, resolvessem fazer um filme sobre strippers masculinos, o resultado final provavelmente seria muito parecido com Magic Mike, o mais novo título da safra vou-fazer-um-monte-de-coisa-antes-de-me aposentar de Steve Soderbergh.

Baseado livremente nas experiências juvenis do astro e produtor Channing Tatum, Magic Mike tem aquela qualidade naturalista, calma, relax, do olhar dos Dardenne (e de boa parte do cinema norte-americano dos anos 1970). Até mesmo os shows dos rapazes – Tatum mais Joe Manganiello, Adam Hernandez, Alex Pettyfer, Matt Bomer, Kevin Nash e, num número especial, Matthew McConaughey, o dono do clube – são tratados como mais um elemento naquilo que é o foco do filme: as vidas dessas pessoas, com as simples e complicadas ramificações que as vidas de qualquer um de nós tem; só que, por acaso, eles rebolam e tiram a roupa, à noite, para ganhar uns trocados a mais.

É uma escolha interessante num projeto que poderia ter ido por muitos caminhos diferentes. Soderbergh acompanha sem assombros Magic Mike –  nome artístico do personagem de Tatum, que, fora do palco, é operário de construção, lavador de carros e artesão de móveis – e seus colegas enquanto eles raspam as pernas, estudam os movimentos mais eficientes de suas coreografias (os que geram mais gorjetas), preparam todos os elementos do seu arsenal corporal (absolutamente todos) para o espetáculo.

É uma qualidade que se revela super eficiente para pegar a plateia logo nos primeiros instantes do filme. O antepassado mais próximo de Magic Mike, o britânico Ou Tudo ou Nada (The Full Monty, dir. Peter Cattaneo, 1997), usava uma estratégia em muitos aspectos oposta: seus strippers começavam sua jornada como cidadãos de ocupações diversas, sem ambição alguma de provocar delirios femininos com seus rebolados. Soderbergh nos coloca desde o início, com extrema naturalidade e sem absolutamente nenhum julgamento, na dupla vida dos rapazes do Club Xquisite de Tampa, Florida. O melhor de Magic Mike está aí: na deliciosa reversão de papéis num medium  – o cinema- que nunca se cansa de objetificar as mulheres, executada com classe, sem alarde, sem problemas.

Magic Mike se torna menos interessante quando tenta espichar essa história e complica-la com um quase drama sobre os perigos da vida noturna : tráfico de drogas! Criminosos! Confusões amorosas! Dificuldade para conseguir crédito em banco! Nesse ponto Ou Tudo ou Nada era mais eficiente _ havia uma base dramática já estabelecida sobre a qual a novidade do tirar a roupa apenas adicionava mais uma camada de interesse.

Mas o filme de Soderbergh não deixa de ser tremendamente divertido _ a não ser que você seja como o rabugento rapaz ao meu lado na sessão para a imprensa, que resmungava alto e bom som ao primeiro sinal de nudez masculina, e saiu intempestivamente justo na hora em que os meninos do Club Xquisite começavam uma de suas coreografias mais artísticas.

 Magic Mike estreia amanhã, dia 29, nos EUA, e ainda não tem data no Brasil.


Adeus, Nora Ephron, cineasta, roteirista, realizadora, grande dama da comédia romântica
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Ana Maria Bahiana

NORA EPHRON, 19 de maio de 1941 – 26 de junho de 2012

 We see them both looking at the TV, Casablanca playing.

Harry

Ooo, Ingrid Bergman, now she's low maintenance.

Sally

Low maintenance?

Harry

There are two kinds of women. High maintenance and low maintenance.

Sally

And Ingrid Bergman is low maintenance?

Harry

In LM, definitely.

Sally

Which one am I?

Harry

You're the worst kind. You're high maintenance but you think you're low maintenance.

Sally:

I don't see that.

Harry

You don't see that? Waiter, I'll begin with a house salad, but I don't want the regular dressing. I'll have the Balsamic vinegar and oil, but on the side. And then the Salmon with the mustard sauce, but I want the mustard sauce, on the side. On the side is a very big thing for you.

Sally:

Well I just want it the way I want it.

Harry:

I know. High maintenance.

(Roteiro de Harry e Sally-Feitos Um Para o Outro/When Harry Met Sally, 1989)

Tags : Nora Ephron


Coração valente, coração selvagem
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Ana Maria Bahiana

Fiquei muito supresa com as primeiras resenhas de Valente (Brave), aqui nos EUA. Senti uma má vontade generalizada, vinda não sei de onde nem por que (desconfiança –para não usar outra palavra- do sucesso prolongado da Pixar?), expressa em geral no ruminar constante do mesmo conjunto de ideias que soam bem pré-fabricadas: que a heroína era mais uma iteração das princesas da Disney; que o longa de animação teria sido feito “calculadamente” para “não entediar os pais e acompanhantes das crianças”; e outras coisas nesse mesmo tom.

A uniformidade não me espanta: é um subproduto desta nossa era de produção  e consumo rápido rápido rápido de ideias, onde se tem cada vez menos tempo para refletir antes de emitir uma opinião, e onde é muito mais fácil repetir (ou copiar + colar) as ideias alheias. O que me espanta é que, tendo lido tudo isso depois  de ver (como é meu costume) o novo lançamento da Pixar eu fiquei pensando: será que esse povo viu o mesmo filme que eu vi? (E que estreou em primeiro lugar na bilheteria?)

Vamos de cara às duas questões chave que, parece, tem sido o centro das resenhas.

1. Merida, a protagonista de Valente, tem em comum com as heroinas da Disney o fato de ser uma menina e de seus pais serem a familia real de um fictício clã escocês em algum ponto da antiguidade das Terras Altas. As semelhanças param aí: não há namorado galante/trapalhão/aventureiro, bichinho engraçadinho pra fazer companhia/dizer piadas/fazer gracinhas, e certamente não há a subtrama de comédia romântica que marca os filmes da Disney, de A Pequena Sereia até A Princesa e o Sapo.

2. Todo filme destinado a crianças que pretende ter uma sobrevida no mercado precisa atender petizes e seus acompanhantes. O extremo desse princípio é o filme que, tecnicamente para crianças, é tão repleto de referências adultas, duplo sentido e piscadelas de olho que se torna praticamente irrelevante como produto infantil (como referência, quase tudo que a DreamWorks Animation tem produzido).

Tendo dito  isso, devo acrescentar que Valente teve uma trajetória longa – quatro anos em produção – e atribulada. Trocou de título – originalmente era The Bear and the Bow, O Urso e o Arco – e de diretor –  Mark Andrews, discípulo de Brad Bird, substituiu Brenda Chapman, originadora do projeto;ambos tem crédito no filme – no meio do caminho. E, como de costume, passou pelo mesmo tortuoso e colaborativo processo pelo qual passam todos os projetos da Pixar onde, em circunstâncias normais de temperatura e pressão, tudo acaba dando certo; mas, nestas condições, corria um tremendo risco.

Fiquei muito feliz ao ver que, apesar de tudo isso, Valente mantinha a integridade da visão inicial de Chapman: trazer para a galeria de personagens da Pixar não apenas uma heroína, mas, com ela, a complicada relação entre mãe e filha que é espetacularmente ausente do cinema comercial, especialmente o de animação. Será que isso escapou de  maneira tão gritante aos meus colegas resenhistas porque eles são, em 99% dos casos, homens?

Como fui  uma menina que preferia ler Julio Verne e Jack London em vez da Coleção das Moças, que vivia sempre com joelhos e braços esfolados, fugia para jogar futebol com os garotos e sonhava ser exploradora pelo mundo afora, Merida me pareceu extremamente familiar. E refrescantemente próxima da experiência real – e não imaginada, em geral por um homem – de crescer sendo menina, à sombra das expectativas da sociedade, em geral encarnadas na figura materna, mas animada pelo fogo interior que é prerrogativa de todo ser humano. É um tema poderosíssimo, que merece ser retomado muitas vezes de muitas formas, limpo, sem clichês, sem distorções.

Confesso que, durante os primeiros 25 minutos de Valente, temi que a história fosse descambar exatamente pela rota do previsível. Mas aí algo absolutamente mágico acontece: Valente enverada resolutamente por um território que, como me lembrou o cinéfilo, teórico e programador da cinemateca do Los Angeles County Museum of Art Bernardo Bahiana Rondeau – que por acaso ou não é meu filho- é puro Hayao Miyazaki. Valente abraça sem restrições o coração selvagem de uma narrativa que leva a sério o poder da metáfora visual pura que a animação oferece, e ilumina a história da menina que seria ser livre com os recursos mágicos de uma forma de fazer cinema que não tem restrições, e onde “possível” e “real” são a mesma coisa.

Se eu contar aqui o quão maravilhosa e sensacionalmente bem executada é a metáfora visual que está no coração mesmo da trama de Valente, estarei cometendo um spoiler titânico. Mas podem ficar sossegados. Vão ver e depois me contem.

Como animação, Valente coloca ainda mais alto o padrão que a própria Pixar já tinha posto nas nuvens. A riqueza e, ao mesmo tempo, o absoluto controle do universo da menina Merida – uma Escócia inteiramente orgânica e, ao mesmo tempo, completamente mágica – ecoa, novamente,  Studio Ghibli e a Disney clássica de Branca de Neve, Bambi e Bela Adormecida. Mas vai além, tão mais além.

Valente está em cartaz nos EUA desde sexta feira e estreia dia 20 de julho no Brasil.


Os deuses estão loucos: a jornada olímpica de Prometheus
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Ana Maria Bahiana

Em primeiro lugar, desculpem a demora em postar sobre um dos filmes que eu, você, nós estávamos esperando ansiosamente este ano _ estava rodando o Brasil de Porto Alegre a Fortaleza… Em segundo lugar, aviso aos de sensibilidade delicada: é possível que algo neste texto possa ser considerado SPOILER; então (embora o filme esteja em cartaz no Brasil), prossiga com cautela.

Num futuro não muito distante, um grupo de cientistas ruma às fronteiras mais remotas do espaço na esperança de fazer contato com o ser ou seres que , segundo indícios recém-encontrados, podem ter dado origem à vida na Terra.

Você já viu esse filme. E, se não viu, devia ter visto: ele se chama 2001, uma Odisseia no Espaço, e foi realizado por Stanley Kubrick no remoto ano da graça de 1969.

Prometheus, o filme de Ridley Scott que, nas palavras do diretor, “compartilha DNA” com Alien, o Oitavo Passageiro, enrosca-se geneticamente, também, na obra prima de Stanley Kubrick. Mas, enquanto 2001 tinha o tempo, o espaço e a visão para ser uma meditação filosófica sobre quem somos e de onde viemos, Prometheus precisa seguir um mandato bem diferente: ele precisa assustar. E tem um problema a mais: não pode nem se dar à calma com que Scott explorou o clássico conceito monstro-em-espaço-restrito em seu filme de 1979. Tudo em Alien era timing, silêncio, escuridão, uma valsa lenta de horrores que subitamente se acelerava quando, por exemplo, John Hurt de repente começava a ter violenta falta de ar. O ritmo de Alien tinha mais em comum com outra obra esplêndida de Kubrick, O Iluminado, do que com o frenético festival de sustos que dominaria a linguagem do thriller nos anos seguintes.

Imagino que, para Scott – um realizador de ampla visão e preciso conhecimento do seu ofício – o grande desafio de Prometheus tenha sido manter-se fiel ao DNA de suas origens e, ao mesmo tempo, satisfazer novas plateias acostumadas a uma sacudidela por segundo. Achei interessante que, para explorar as origens, digamos assim, genéticas, do seu monstro dentuço e rabudo, Scott tenha se aliado a Damon Lindelof, um dos principais roteiristas da série Lost, ao mesmo tempo em que, na direção de arte, retornava aos revolucionários conceitos do artista plástico suíço H.R. Giger, cuja integração entre o orgânico e o mecânico é essencial para a mitologia de Alien. Uma indicação segura de que, para ele, mitologia vinha em primeiro lugar no desenvolvimento do projeto.

Tenho um forte palpite de que deve-se a Lindelof a conexão com 2001, Uma Odisseia no Espaço. E com Lawrence da Arábia, o super clássico e oscarizado filme de David Lean, de 1962, que dá uma grande chave para decodificar Prometheus:  “Grandes coisas tem começos pequenos”,  diz Peter O’Toole como T.E. Lawrence, o Lawrence da Arábia, segundo o roteiro de Robert Bolt , ecoado aqui por David, o androide (brilhantemente) interpretado por Michael Fassbender. Como o personagem de David Bowie em O Homem Que Caiu na Terra (Nicolas Roeg, 1976), David  é um estranho numa terra estranha, uma criatura na fronteira entre o humano e o não humano, infinitamente inteligente e portanto curioso sobre o processo que leva um ser a querer criar outro. Não é demais supor que seu nome venha tanto de Bowie quanto do Dr. Dave Bowman de Keir Dullea em 2001, murmurado em tons tão docemente sinistros pela aquela outra inteligencia artificial de idêntica curiosidade, Hal.

Também não é demais supor que Scott, enamorado com as múltiplas camadas de intriga do confronto criador/criatura, tenha se sentido impulsionado em duas direções, a jornada mitológica e a montanha russa do terror. Eu teria gostado mais de ver um filme que conseguisse ser as duas coisas ao mesmo tempo, mas aceito que, no mercado impiedoso de hoje, seria praticamente impossível realizar uma obra assim, com o orçamento necessário.

Então, em Prometheus, temos dois filmes dividindo o tempo da tela. No primeiro, a busca existencial dos astronautas de 2001 Uma Odisseia no Espaço se repete, sem a poesia do filme de Kubrick, mas com todo o entusiasmo voraz e a escala épica que são a assinatura de Ridley Scott. Prometeu, encarnado na Elizabeth Shaw da excelente Noomi Rapace, voa ao Olimpo em busca do fogo divino, a centelha da criação. No segundo, a necessidade de sustos contínuos é alimentada quando os deuses revelam  que o orgasmo do ato criativo traz em si a loucura despótica da destruição e Elizabeth/Prometeu paga seu preço, literalmente, na carne _e transforma-se na ancestral de outra heroína mitológica da mesma saga, a Ripley de Sigourney Weaver.

Não é a obra excepcional que poderia ter sido mas é, sem dúvida, um dos mais sensacionais, belos, perturbadores e inteligentes filmes da temporada pipoca – e só digo “um dos” porque ainda não vi Batman-O Cavaleiro da Trevas Ressurge.  Nos tempos magros que vivemos, toda ambição bem sonhada, mesmo com falhas, deve ser recompensada.


Adeus, Carlão, alma corsária, patrono do nosso cinema udigrudi
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Ana Maria Bahiana

Dirigindo Sede de Amar, 1993

Carlos Oscar Reichenbach Filho, 14 de junho de 1945 – 14 de junho de 2012

''No começo da minha carreira  a vida era mais importante que o cinema. O cinema era mais alguma coisa. Um pouco como o poder de apreensão do que a gente tava vivendo naquele momento. Não canso de dizer que fui de uma geração que viveu muita coisa em muito pouco tempo. '' (Parte de uma entrevista feita em 1999 por  Ruy Gardnier e Daniel Caetano no site Contracampo.)


Pé na estrada: Como Ver um Filme, de norte a sul
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Ana Maria Bahiana

Foram três anos escrevendo. Mas na verdade foi uma vida inteira de encontros com os sonhos alheios, da fatídica matinê de Bambi no Cine Pax de Ipanema, Rio de Janeiro (tive pesadelos durante várias semanas) ao mais recente BluRay que passou pela minha telinha (A Practical Guide to Belgrade With Singing and Crying, do sérvio Bojan Vuletic, meu voto no júri do recém-concluído SEEFest, festival do novo cinema do leste europeu).

Entre um e outro, tantos, tantos….. 2001 Uma Odisseia no Espaço no Roxy de Copacabana (fiquei tão desnorteada que tomei um tombo na saída); várias sessões enlouquecidas de Os Reis do Iê Iê Iê; Hatari!, de Howard Hawks (que me fez sonhar com a África…); uma cópia pirata (e preto e branco) de Blow Up, de Antonioni (proibido pela censura); hipnotizada por Dersu Uzala, de Kurosawa, no bom e velho Paissandu; Paris Texas, de Wim Wenders, sentada no chão do falecido Cine Ópera, onde certa noite também tentei, em vão, ver o documentário Gimme Shelter, dos irmãos Maysles (mas consegui apenas fugir da polícia).

E aqui, na usina do cinema e da TV, desde 1987, vendo em média dois filmes por semana – ou dois por dia, se estamos entre novembro e janeiro…- e perguntando a quem se dispõe a ouvir: Como é? Como se faz? Como é possível? Como se resolve? Como se realiza? Como se sonha?

Uma parte de tudo o que vi e aprendi está em Como Ver um Filme (Editora Nova Fronteira, 2012), neste momento nas boas casas do ramo e também em versão digital. Tenho um enorme débito de gratidão a um monte de gente: minha editora do coração, Cristiane Costa, de cuja inspiração saiu o conceito do livro; às Casas do Saber do Rio de Janeiro e de São Paulo, que acolheram a ideia quando ela ainda era um esboço; e a todos e cada um dos meus alunos e alunas, cujas ideias, perguntas, questionamentos e irresistível curiosidade e alegria contribuiram enormemente para o formato final de Como Ver um Filme.

A partir desta semana estarei no Brasil lançando Como Ver um Filme e ministrando o módulo Os Gêneros. Assim:

  •  26 e 27 de maio, 9h30: Porto Alegre. Como Ver um Filme: Os Gêneros no CineBancários. Informações e inscrições, CenaUm.
  • 27 de maio, 17h: Porto Alegre. Bate papo e autógrafos, Livraria Cultura, Shopping Bourbon. Informações, CenaUm
  • 28 de maio, 18 30h: São Paulo. Bate papo e autógrafos na Casa do Saber, Jardins. Informações e reservas (para o bate papo) na Casa.
  • 30 de maio, 20h: Rio de Janeiro. Bate papo moderado por Artur Dapieve, e autógrafos na Casa do Saber, Lagoa.  Informações e reservas (para o bate papo) na Casa.
  • 31 de maio, 19h: Fortaleza. Lançamento e autógrafos na Cecomil MegaStore, Av Dom Luís 920, Aldeota.
  • 2 e 3 e junho, das 14 as 18h, no mesmo endereço, curso Como Ver um Filme: Os Gêneros. Vagas limitadas. Informações e inscrições (85) 4012-5287 , (85) 4012-5295, (85) 9685 2225

De 1 a 8 de junho terei a honra de servir como jurada do 22 ° CineCeará _ se vocês estiverem por lá, dêem um alô!

E peço desculpas antecipadas por não ter ido à sua cidade. O Brasil é grande, Los Angeles é longe  e meu tempo, muito limitado. Mas você pode entrar em contato com a Shahid Produções.

Vejo vocês no cinema!


Cannes 2012: quem será O Artista deste ano?
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Ana Maria Bahiana

Começa hoje o festival (e mercado) de Cannes. E este ano ele vem acompanhado de uma tremenda expectativa: quantos títulos o festival vai catapultar para os prêmios de fim de ano?

Nem sempre foi assim. Muito pelo contrário. Cansei de ver sensacionais filmes premiados (e até vencedores, como o genial Underground, de Emir Kusturica, em 1995) demorar uma eternidade para conseguir –  ou não conseguir de jeito nenhum –  distribuição em mercados além dos seus países de origem, especialmente o cobiçado mercadão norte americano.

Muita coisa mudou desde então:

  •  Os mercados internacionais, fora de EUA/Canadá, tornaram-se muito mais importantes tanto como fonte de receita quanto como geradores de produção com possibilidades além de suas fronteiras.
  •  A recessão levou os grandes estúdios a abandonar a produção do que não fosse estritamente comercial, com retorno o mais garantido possível dentro da indústria louca do cinema, criando uma lacuna importante.
  •  Os prêmios de fim de ano assumiram uma importância além da vaidade dos concorrentes e interesse dos fãs: são cada vez mais as principais ferramentas de marketing para qualquer filme que não seja um arrasa-quarteirão apoiado por um milionária campanha de divulgação.

Ano passado, o poder combinado da Croisette e dos irmãos Weinstein  conseguiu um fato inédito: tornou um filme francês, mudo, preto e branco e com atores desconhecidos o grande vencedor do Oscar e um sucesso de bilheteria pelo mundo afora. Além de O Artista, outros filmes premiados/destacados em Cannes foram para os prêmios de fim de ano e conseguiram uma visibilidade muito maior do que poderiam esperar: Meia Noite em Paris (a maior bilheteria da carreira de Woody Allen), Árvore da Vida, Drive.

O que pode acontecer este ano? Algumas apostas:

The Paperboy: o novo filme do diretor de Preciosa tem Mathew McConaughey e Zac Ephron como dois irmãos que tentam provar que John Cusack é inocente de um crime pelo qual foi condenado. Nicole Kidman é a apetitosa namorada do bandido.

Mud: Matthew McConaughey de novo (este pode ser seu ano, afinal…) neste drama com elementos fantásticos assinado por Jeff Nichols, diretor de uma sensação de Sundance, o ótimo Take Shelter.

 On the road: Tudo no projeto – a expectativa, o material de origem, a assinatura de Walter Salles, o elenco – promete. A IFC/Sundance Selects  pegou o filme para os cinemas nos EUA (HBO na TV) _ ano passado eles emplacaram Pina

Rust and Bone: Jacques Audiard em seu primeiro filme desde Un Prophete : um drama inspirado em fatos reais, sobre uma treinadora de baleias (Marion Cotilliard) envolvida num acidente medonho.

 

Beasts of the Southern Wild: a grande sensação de Sundance deste ano foi esta fábula mágica e quase abstrata sobre uma família numa comunidade isolada numa ilha da costa sudeste dos Estados Unidos. Ecos de Terrence Malick e muita promessa para o diretor estreante Behn Zeitlin

Killing them Softly: Brad Pitt volta a trabalhar com o diretor de O Assassinato de Jesse James pelo Covarde Robert Ford, Andrew Dominick, num policial sobre um caçador de recompensas com a máfia em seu encalço. Elenco da pesada: Ray Liotta, James Gandolfini, Richard Jenkins. Os Weinstein já puseram a mão e… já ouvi tanto zum zum sobre este filme que, espero, as expectativas não estejam altas demais…

 

Lawless: Outro que já está na mão dos Weinstein _ John Hillcoat (A Estrada) dirige Tom Hardy, Shia LeBeouf , Guy Pearce, Gary Oldman e Jessica Chastain num drama da época da Lei Seca nos EUA. Mais um que já tem zum-zum por aqui…

 Post Tenebras Lux : O novo cinema mexicano a todo vapor na mais recente obra de Carlos Reygadas (Luz Silenciosa, Batalla en el Cielo), um drama fantástico sobre universos paralelos.

 Cosmopolis: David Cronenberg adapta o livro de Don DeLillo sobre um  dia na vida de um jovem executivo (Robert Pattinson) enquanto ele atravessa Manhattan. Paul Giamatti e Juliette Binoche no elenco.

 

Antiviral: Brandon Cronenberg (sim, filho de David) estreia na direção voltando às raízes da familia com um thriller de terror sobre um  super vírus assassino.

Amour : Michael Haneke explora o que acontece numa familia sob o peso da idade avançada e da doença. Com Jean Louis Trintignant e Isabelle Hupert.

 

Agora é ver como esses (e outros..o melhor de Cannes são as supresas) títulos vão se comportar na Croisette e além dela…


Depp, Burton, perdidos nas Sombras da Noite
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Ana Maria Bahiana

Existe um elemento que pode matar – ou pelo menos ferir gravemente- um filme antes mesmo que o diretor tenha dado a primeira ordem de “ação”: a necessidade da plateia saber alguma coisa para poder apreciá-lo. Não importa que o material de origem seja um livro, uma hq, uma peça de teatro ou série de TV: o filme precisa se sustentar por si mesmo, e ser capaz de dialogar com a plateia por seus próprios méritos.

Infelizmente para Tim Burton e seu habitual parceiro Johnny Depp, duas coisas são necessárias para que se chegue perto de apreciar Sombras da Noite (Dark Shadows, 2012): conhecer a temática e a estética da série Dark Shadows, exibida pela rede norte americana ABC entre junho de 1966 e abril de 1971; e saber, nem que seja de passagem, como era a cultura pop do ano da graça de 1972.

Sem saber uma coisa ou outra, Sombras da Noite é uma gloriosa aula de direção de arte, um estudo no uso da cor, figurinos e ambientes de cena, interrompido de vez em quando por uma piada, em geral nos lábios muito roxos de Johnny Depp na pele do vampiro Barnabas Collins, ejetado sem cerimônia do final do século 18 para a alvorada da década de 1970.

Não há uma narrativa consistente,  que nos envolva e nos deixe comprometidos com a história _ nem a história da familia Collins (liderada pela matriarca Michelle Pfeiffer, linda) , descendente do vampiro mas ignorante de sua existência, nem a história de Barnabas, perdido num século que não compreende. O tom do filme oscila brutalmente: as vezes flerta com o gótico e o terror, às vezes cai na comédia, às vezes arrisca piscadelas irônicas que a plateia, frequentemente, não tem como entender (“mamãe, o que é um hippie?”, ouvi a menina ao meu lado sussurrar depois de uma sequencia que, com o devido conhecimento, deveria ser hilária.)

Dark Shadows começou como um sonho de seu criador, Dan Curtis, nos idos de 1965: uma noite sombria, uma moça misteriosa num trem. Com o roteirista Art Wallace, Curtis desenvolveu a estrutura do que viria a ser Dark Shadows, e a ABC comprou a ideia. Para a época, era um conceito ousado: usando as convenções do melodrama tela-pequena, mais próximos de uma novela do que o que hoje conhecemos como série dramática, Dark Shadows injetava elementos góticos, sobrenaturais e fantásticos, acompanhando os dramas e mais dramas da família Collins e seu súbito novo/antigo parente, o vampiro Barnabas.

Décadas seguintes nos trariam Buffy, Arquivo X, Angel, True Blood, Being Human, Vampire Diaries e tudo mais, mas Dark Shadows foi pioneira. O que não quer dizer que foi uma obra prima. Pelo contrário: seus fãs, em sua maior parte adolescentes chegando da escola e vendo a série depois do dever de casa (Burton e Depp entre eles) amavam principalmente seus exageros, o bizarro refogado de novelão e sobrenatural. Dark Shadows foi uma série cultuada, mas os dois primeiro filmes que tentaram revisitar seu universo – House of Dark Shadows em 1970 e Night of Dark Shadows em 1971 – não renderam grande coisa.

Depp trouxe o projeto para Burton, e os dois colaboraram intensamente para tentar fazer um completo reboot do conceito de Dark Shadows, com total veneração peor seus elementos _ começando pela escolha de 1972 para situar a história, assinalando a intenção de continuar do ponto onde a trama tinha deixado de existir, e optando por começar o filme exatamente como o primeiro episódio da série, com a moça misteriosa no trem (aqui, ao som de “Nights in White Satin”, dos Moody Blues, excelente escolha).

O problema, contudo, é aquele lá do princípio _ sem o mesmo devotado amor e conhecimento da série, Sombras da Noite se torna um híbrido desigual, com momentos lindos e/ou hilários seguidos por longos períodos muito menos interessantes.

 Sombras da Noite estreia sexta dia 11 nos EUA e dia 22 de junho no Brasil.

 


Peguem o gringo: el corrido de Mel Gibson
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Ana Maria Bahiana

Em sua longa carreira como ator e diretor, antes, durante e depois de se tornar um super-astro, Mel Gibson fez, basicamente, um mesmo personagem: o homem que, sozinho, contra tudo e contra todos, arrisca a própria vida em troca de seus ideais e metas.  Do icônico Mad Max ao exausto  detetive de O Fim da Escuridão, do jovem soldado de Gallipoli, de Peter Weir (um filmaço aliás) ao rebelde William Wallace de Coração Valente, do alucinado Martin Riggs da franquia Máquina Mortífera ao “patriota”  Benjamin Martin, todos os homens da vida fictícia de Mel Gibson são mal contidas metralhadoras giratórias de paixão,  balas presas num gatilho humano.

Mesmo em filmes  que dirigiu mas nos quais não atuou o herói é assim, não importa se na pele de Jesus de Nazaré ou do jovem guerreiro maia de Apokalypto.

Só Gibson sabe que dobras da sua alma e episódios de sua vida dão contornos tão bem definidos aos seus “eus” fictícios. Depois da via crucis em que se meteu nos últimos anos, podemos imaginar de onde vem os demônios que alimentam esses homens velozes e furiosos.

Pessoalmente, acho que nem todas as iterações desse personagem são bem sucedidas (pessoalmente também, gosto especialmente de Gallipoli, O Ano Em Que Vivemos em Perigo e O Fim da Escuridão. Além de Mad Max, que, pensando bem, não é um personagem, é um alter ego).

Também acho que Gibson já pagou mais do que o acham que ele devia, e que Plano de Fuga (Get the Gingo), o novo filme que ele escreveu, produziu e estrela, merecia um lançamento em cinemas aqui nos EUA. Até porque seria um bom negócio. Uma das maiores idiotices desta indústria é fazer essa mixórdia de impulsos pessoais e decisões de negócios. Quem não comprou Plano de Fuga para cinemas deve ter pensado que Mel, o maldito, não tinha mais cacife para atrair público; ou isso ou deveria ser punido um pouco mais (os paralelos com o personagem-mito de Mel estão aumentando…). Dois péssimos motivos para uma decisão como, espero, vão comprovar as bilheterias internacionais.

Porque  Plano de Fuga  é um filme muito bom. Não vai mudar o mundo ou o cinema, mas é um sólido e bem executado híbrido de ação tarantinesca, western peckinpesco e drama favelado latino-americano. Quem pagar ingresso para assistir os primeiros e sensacionais 15 minutos, com dois palhaços – um deles cuspindo sangue aos borbotões- em disparada pelo deserto do Texas num carro caindo aos pedaços, ao som de “50,000 Miles Beneath My Brain”, do Ten Years After já vai se sentir recompensado.

Mas aconselho que fique para o resto da breve, compacta, incessante hora e meia. Trancafiado em El Pueblito, uma bizaríssima prisão mexicana, o anônimo motorista do carro da sequência de abertura (Mel Gibson) descobre todo um novo mundo de terrores e possibilidades. E, inspirado pela amizade com um menino igualmente sem nome (o excelente Kevin Hernandez, que merece um filme só dele), planeja e executa um golpe tipicamente gibsonesco.

O universo que Adrian Grunberg (também diretor) e Gibson constróem no bem estruturado roteiro é, de muitos modos, o pano de fundo ideal para nosso velho conhecido, o herói hiper-individualista e suicida da carreira de Mel. Não há princípios, lei, ética, moral, certo e errado. No perversamente absurdo mundo de El Pueblito reina apenas a sobrevivência e o domínio do mais forte (ou mais esperto).É Alice do outro lado da toca do coelho, com muitas armas, lucha libre e narcocorrido _ um mundo em queda livre onde um homem só, anti social e possivelmente psicopata, pode, por um breve momento, ser herói por default.

Admiro muitíssimo, em Plano de Fuga,  o notável trabalho da direção de arte de Bernardo Trujillo, que criou toda a prisão em Veracruz, no México (próximo das locações de Apocalypto),  o excelente conjunto de atores latinos e a maravilhosa trilha incidental do brasileiro Antônio Pinto.

Mas admiro especialmente a segurança do diretor estreante Adrian Grunberg,  que foi assistente de direção em, entre outros, Apocalypto, Traffic e Amores Perros (cuja estética informa bastante suas escolhas).  É um projeto complexo em todos os aspectos, da logística à temática, e Grunberg se sai muito bem mostrando que tem um estilo próprio, além das suas influências.

Plano de Fuga estreou esta semana em video on demand nos EUA; no Brasil, a estreia é dia 18 de maio.