Blog da Ana Maria Bahiana

Categoria : TVland

Adrian Grenier explora o jogo de espelhos da celebridade em sua estréia como diretor
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Ana Maria Bahiana

Adrian Grenier e seu teenage paparazzo, Austin Visschedyk

O primeiro encontro com um paparazzo ninguém esquece. Para Adrian Grenier isso aconteceu em 1998, quando ele, ironicamente, fazia o papel de um amigo do personagem de Leonardo di Caprio em Celebridade, de Woody Allen, e uma nuvem destes mosquitos com câmeras cercou-o durante as filmagens de uma cena de rua. Seis anos depois, em outra  volta extremamente curiosa do destino, Grenier tornou-se ele mesmo a celebridade fictícia na série de TV Entourage, com sua própria corte de amigos e, em muito pouco tempo, o status de verdadeira celebridade, seguida por toda parte pelos flashes.

Quase quatro anos atrás, na saída de um evento, Grenier foi metralhado por uma das saraivadas de flash contínuo mais ferozes de sua vida. Sua surpresa só foi maior quando, ainda atônito, Grenier descobru que, atrás dos flashes havia uma garoto louro enfiado num casaco muito maior que ele, aparentando bem menos do que os já poucos 13 anos que dizia ter _ Austin Visschedyk, o mais jovem paparazzo do métier. “Fiquei imediatamente intrigado”, diz Grenier hoje, conversando num café de West Hollywood não muito longe de várias locações de Entourage (que acaba de concluir sua sétima temporada aqui nos EUA). “Não podia ser verdade que uma criança, um moleque, estivesse seriamente envolvido no business de caçar celebridades. Minha cabeça disparou em todas as direções. Eu não sabia o que fazer com aquela nova informação.”

Sua perplexidade resultou no excelente documentário Teenage Paparazzo, exibido em Sundance este ano e estreando na HBO dia 27. Grenier dirigiu, produziu e está diante das câmeras de Teenage Paparazzo, imerso numa jornada que começa em curiosidade, passa por pasmo, irritação , compaixão e desapontamento e termina numa conclusão simples- a cultura e a indústria da celebridade, no fim das contas, é apenas mais uma face de nossa eterna solidão como seres humanos, incessantemente buscando espelhos para nossas almas.

Grenier começa sua exploração gradual do mundo dos paps seguindo Austin, entrevistando sua família (os pais são separados: o pai tem reservas e impõe limites, a mãe considera o projeto uma aventura educativa) e observando seus dias e noites de trabalho. Em pouco tempo ele está comprando uma câmera nova para Austin, disfarçando-se de paparazzo e seguindo celebridades para conhecer “o outro lado da questão” e, aos poucos, transformando o jovem pap naquilo que, ele admite, sempre quis ser: uma celebridade.

É um quase interminável jogo de espelhos, que inclui Grenier testando  sua capacidade para criar uma notícia falsa alertando Austin que iria “dar um tempo” na casa de sua “boa amiga Paris Hilton”, e entrevistando editores de revistas de fofoca para compreender a hierarquia da fome por celebridades. “As revistas de fofocam não me afetam pessoalmente”, diz Grenier. “Não me tiram o sono, não me perturbam. Para mim elas são apenas entretenimento, e estou no business do entretenimento, não é?  Não posso começar a fazer campanhas contra eles  sem olhar para o que eu mesmo estou fazendo em Entourage. Seria hipócrita. Mas encontrar Austin me fez realmente encarar todas as questões que eu tinha não apenas com relação a paparazzi, mas sobre a cultura da celebridade em geral.”

Grenier diz que se sente “bem mais tranquilo” quando encontra os inevitáveis flashes, hoje – “eu agora compreendo o ponto de vista deles. E creio que mereço o respeito deles, porque os tratei com todo respeito. O que eu quis com o filme foi simplemente fazer todo mundo –eu, inclusive- refletir sobre a celebridade e sua relação com a mídia e com o público. Nossa necessidade, como seres humanos, de preencher nosso vazio com o que um professor que entrevistei chama de ‘relações para-sociais’ com pessoas que na verdade não conhecemos.”

Ou como o próprio Grenier diz na narração de um momento de Teenage Paparazzo: “Lá estávamos todos nós, uns filmando e fotografando os outros, e nada estava acontecendo.”


Era uma vez na América: em Boardwalk Empire, o crime compensa
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Ana Maria Bahiana

A Las Vegas do Atlântico em seu apogeu em 1920 é o cenário da nova série produzida por Martin Scorsese

Estréia daqui a pouco na HBO neste domingo, aqui nos EUA, Boardwalk Empire, a nova série criada por Terence Winter (o homem que nos deu Família Soprano), produzida por Martin Scorsese, Mark Wahlberg e  Stephen Levinson (Entourage, In Treatment). É o marco zero da temporada de outono na TV norte americana que, pelo que já pude ver, tem petiscos de alto nível: The Walking Dead, de Frank Darabont, Lone Star,  The Event, a nova temporada de Fringe, o Hawaii 5-0 reinventado e divertido. (E ano que vem ainda teremos a minissérie Mildred  Pierce, com Kate Winslet, Todd Haynes na direção; e Camelot, a saga arturiana por Ridley Scott.)

Boardwalk Empire está num outro plano. Vi seis dos 13 episódios da série e posso dizer, com segurança, que é, como Sopranos, um trabalho que vai estabelecer um novo padrão para a produção em TV. Ouso dizer que vai perturbar quem, na indústria da tela grande, ainda pensa em cinema também como projeto artístico – é mais uma cutucada que a liberdade criativa da TV, ancorada na certeza da distribuição e da presença do público, aplica no cinemão tão ansioso com a crise.

Para mim, três coisas imediatamente chamaram a atenção: a maturidade da linguagem narrativa, muito mais próxima do  bom cinema do que da TV; os valores de produção, que também são de filme de grande porte; e a uniforme e alta qualidade do desempenho de todo o elenco, com destaque para Steve Buscemi, que carrega toda a série num tipo de papel que ainda não o vimos fazer.

O rei de Atlantic City: Buscemi como Nucky Thompson

Teve gente na crítica norte-americana que cismou com Buscemi, achou-o deslocado no papel, reclamaram de sua “voz metálica”. Discordo completamente: Buscemi constrói seu Nucky Thompson, o imperador de Atlantic City, com todas as nuances de alguém capaz de ternura e corrupção ao mesmo tempo,  violento com toda a frieza e a calma dos verdadeiros gângsters, charmoso como todo bom político, irônico, tristíssimo, complicado. Sem ele, Boardwalk Empire não seria talvez tão hipnótico, tão irresistível de ver.

Nucky, escrito magistralmente por Winter e sua equipe, é cem por cento imprevisível, e seu universo inclui um andar inteiro do hotel Ritz Carlton (com um mordomo alemão), várias amantes, amigos em quase todas as máfias, inclusive o senado, e uma devoção por ternos italianos e bebês prematuros.

Boardwalk Empire nasceu do livro  “Boardwalk Empire: The Birth, High Times, and Corruption of Atlantic City” de Nelson Johnson, um ex-funcionário da secretaria de planejamento da cidade que, de tanto cavucar os detalhes do passado da “Las Vegas do Atlântico” tornou-se um de seus maiores historiadores. Johnson estava particularmente interessado na figura de Enoch “Nucky” Johnson (nenhum parentesco), tesoureiro da cidade na década de 1920, responsável tanto pelo boom de turismo que enriqueceu Atlantic City quanto pela criação de uma rede de corrupção e crime de dar inveja a Chicago.

Transformado no Nucky Thompson de Steve Buscemi, ele é o centro da série da HBO, um rei-sol do período da lei seca nos EUA, mantendo em sua órbita gângsters como Lucky Luciano (Vincet Piazza), Armold Rothstein (Michael Stuhlbarg, sensacional) e um jovem Al Capone (Stephen Graham, espetacular) ao mesmo tempo em que seduz as senhoras da Liga Contra o Álcool com passionais discursos, cem por cento mentirosos (a ótima Kelly McDonald, de Onde os Fracos Não Tem Vez, é uma delas) e educa um jovem veterano da Primeira Guerra, Jimmy (Michael Pitt, excelente) nos caminhos do sucesso a qualquer preço.

Young guns: Michael Pitt é Jimmy, braço direito de Nucky, e Stephen Graham encarna o jovem Al Capone

“Eu não podia resistir a uma série sobre as origens do crime organizado nos Estados Unidos”, disse Martin Scorsese para explicar seu papel como produtor da série  e diretor do primeiro episódio de Boardwalk Empire. E o que torna ainda mais interessante essa documentação de um outro tempo, quase 100 anos atrás, é o paralelo com uma outra América em apuros, fracionada por outros tipos de quadrilhas, outros tipos de corrupção, outros fanáticos conservadores – a América de hoje, na ressaca dos tempos em que a ganância era uma virtude.