Blog da Ana Maria Bahiana

Arquivo : agosto 2012

A batalha pelas estatuetas de metal, parte 3: uma boa maré para os estrangeiros
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Ana Maria Bahiana

 

O Festival de Cinema de Telluride, que começa hoje na deliciosa cidadezinha das Montanhas Rochosas, no estado do Colorado, é um ótimo gancho para pendurar a terceira parte de nossa elucubração sobre o panorama geral do segundo semestre — que é focado, em sua parte mais importante, na batalha por indicações e, se tudo der certo, estatuetas de metal.

Uma pausa para explicar porque tanta gente graúda gasta tanto tempo e dinheiro para ser indicado ou receber uma láurea que, em si mesma, não traz nenhuma recompensa financeira:

  1. Prestígio. Ser indicado ou ganhador de um prêmio de primeira linha imediatamente atira uma carreira numa dimensão muito mais elevada de poder e cachê dentro da indústria. O que cada um faz com esse prestígio cabe à sabedoria (ou falta dela) individual.
  2. Acesso. Para um grande segmento de criadores e trabalhadores da indústria – documentaristas, realizadores  estreantes, independentes ou de países estrangeiros, atores, técnicos , roteiristas – uma indicação é a diferença entre ser um joão-ninguém hoje e alguém conhecido amanhã. Esta é uma indústria que só dá acesso a quem tem algum tipo de endosso e recomendação. Uma indicação é o endosso mais elevado possível.
  3. Munição de marketing. Num mercado dividido pelo consumo individual (TV, internet, tablets) de entretenimento e afogado em arrasa-quarteirões, uma indicação é o trunfo mais precioso do mundo para um filme desprovido do grande  suporte  de um estúdio. Dentro dos grandes estúdios, projetos que não tem perfil-pipoca são imediatamente analisados pelo seu potencial de emplacar na temporada-ouro – porque esse é seu principal trunfo para atrair público. Fora dos estúdios, essa munição é quase o santo Graal.

Tendo dito isso… Telluride é um pequeno festival – apenas três dias, rigoroso processo de admissão,  acesso restrito, curadoria cuidadosíssima – que, na verdade, é uma das melhores peneiras para determinar quem tem chance de passar para a segunda etapa da briga pelas indicações.

Matthias Schoenaerts e Marion Cotillard em Rust and Bone

 

A lista de filmes escalados para este ano revela alguns já mencionados aqui, como Hyde Park on the Hudson. Mais importante, contudo, são dois outros elementos: as exibições –supresa, que em geral emplacam firme nos prêmios (ano passado foi Os Descendentes), este ano foi Argo, de Ben Affleck, superbem recebido.; e a predominância dos filmes não-americanos na seleção.

Tenho dito e vou repetir – desde a floração dos anos 1970 nunca houve um momento melhor para cinematografias e realizadores fora dos Estados Unidos. Não digo apenas do ponto de vista de bilheteria – o icônico O Artista é uma exceção, mas também uma demonstração importante de que, as vezes, o improvável é possível – mas do ponto de vista de exposição, reconhecimento.

Dentro da lista de Telluride (eu, se fosse de alguma entidade selecionadora para os Oscars, imediatamente escolheria estes filmes para representar seus países para “melhor filme estrangeiro”), os destaques são Amour, de Michael Haneke, que já vem premiado de Cannes; Rust and Bone, de Jacques Un Prophete Audiard (que ainda por cima tem Marion Cotillard e Matthias Schoenaerts , de Bullhead); o australiano The Sapphires, que fez sucesso em Cannes; e o britânico Ginger and Rosa, de Sally Potter.

Não há Brasil em Telluride – mas há o chileno No, de Pablo Larraín – e ignoro o que pode estar se passando pelos bastidores das escolhas oficiais. Aqui, depois de um bom tempo sem grandes repercussões para filmes do Brasil (que, eu sei, estão fazendo grande sucesso no país, o que é ótimo. Mas atravessar fronteiras é um desafio diferente…), O Som ao Redor, do pernambucano Kleber Mendonça Filho, vem provocando muito zum-zum desde sua exibição no festival de Rotterdam, e ótimas críticas em sua estreia aqui em circuito limitado. Vamos ver…

No episódio final da saga, a questão da animação e porque a microscópica Gkids pode ser a mais poderosa pequena distribuidora da indústria.


A batalha pelas estatuetas de metal, parte II: fantasia, cantoria e Tarantino
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Ana Maria Bahiana

E saga da Batalha pelas  Estatuetas continua…. Este ano os votantes vão se ver diante de muitos elementos fantásticos: além de O Cavaleiro das Trevas Ressurge – que, me contaram, vai mesmo fazer uma investida firme “para sua consideração” na temporada de prêmios – teremos O Hobbit-Uma Jornada Inesperada, de Peter Jackson, e As Aventuras de Pi, de Ang Lee.

São, obviamente, criaturas completamente diferentes. Com toda seriedade que Nolan imprimiu à sua trilogia, Cavaleiro das Trevas Ressurge ainda é um filme de super herói, para o qual muita gente entre os votantes torce o nariz. Neste momento, ainda vejo Ressurge como um fortíssimo candidato em todas as categorias técnicas. O que vai acontecer além disso vai depender muito da estratégia e perseverança da Warner.

A primeira exibição de cenas de O Hobbit, na CinemaExpo de Las Vegas, quatro meses atrás, não foi exatamente bem recebida. Uma das descrições menos agressivas que ouvi dizia que as imagens em ultra-alta-resolução pareciam “de cenas de uma novela muito ordinária” e que “tiravam o aura de mistério do cinema”. Pode-se argumentar que a plateia da CinemaExpo é predominantemente de proprietários de cinemas e executivos de distribuição. Mas também pode-se contra-argumentar que havia muita gente de outras áreas em Las Vegas, e que um bocado dessa plateia vota para algum prêmio importante – inclusive os Oscars. O enigma aqui é: poderão os votantes vencer a dupla antipatia por cinema de fantasia e visual em altíssima resolução?

As Aventuras de Pi tem elementos que com certeza remetem ao cinema de fantasia—é essencial para a história do náufrago que se vê no meio do oceano na companhia de um tigre e outros animais selvagens, e que conta sua história de vários modos diferentes, um deles claramente extraordinário. Trata-se de algo que votantes aceitam com maior facilidade, como aceitaram (com toda razão) O Tigre e o Dragão, mais de uma década atrás.

 

A estética de Quentin Tarantino é um grande ponto de interrogação em termos de prêmios. Pulp Fiction e Bastardos Inglórios emplacaram, todos os outros, não. Django Livre está na linha da reinvenção de gênero destes dois, e tem um elenco de peso – Jamie Foxx, Leonardo di Caprio, Samuel L. Jackson,  Christoph Waltz. Olho nele, pode ser a grande corrida por fora desta temporada.

 Les Miserables é outro com um pedigree que torna sua presença entre os indicados quase inevitável. O diretor de O Discurso do Rei dirigindo a adaptação de um mega-sucesso teatral que ainda por cima é de época e tem Anne Hathaway, Russell Crowe, Hugh Jackman, Helena Bonham Carter e Amanda Seyfried no elenco. Na eterna discussão “ o que aconteceu aos musicais?” há sempre uma vaga para um – e apenas um—representante do gênero entre os escolhidos do final de ano. E em 2012 não tenho a menor dúvida que será Les Miserables.

Restam, além dos meus muito queridos independentes Beasts of the Southern Wild e Moonrise Kingdom – e espero e torço para não serem esquecidos—filmes menores que podem render muita coisa especialmente para seus atores: Anna Karenina (Keira Knightley), The Sessions (John Hawkes, Helen Hunt), Silver Linings Playbook (Jennifer Lawrence, que já está fazendo campanha para isso em todo evento que comparece).

E, finalmente, The Master, de Paul Thomas Anderson. Mas desse só falo depois de ver, segunda feira agora. Se me deixarem…


A batalha pelas estatuetas de metal, parte I: presidentes, ayatolás e terroristas
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Ana Maria Bahiana

 

Vocês estão ouvindo esse silêncio? É o mes de agosto. Férias aí, férias aqui. Os estúdios descarregam seus abacaxis, e até os independentes dão um tempo. A Paramount está num descanso tão grande que deu férias coletivas a vários departamentos e há três meses não lança um filme.

De certa forma é a calmaria antes da tempestade. Assim que as temperaturas baixarem (o que aqui na California demora um pouco) e as crianças voltarem às aulas vai começar uma batalha pior que a disputa pelo Trono de Ferro _ a briga pelas Estatuetas de Metal.

Até agora o ano nos deu três filmes com grande potencial para chegarem até a batalha final: os independentes Moonrise Kingdom e Beasts of the Southern Wild e, é claro, O Cavaleiro das Trevas Ressurge. Falo deles num próximo post. Vamos dar uma olhada primeiro no que nos aguarda nos próximos meses.

Posso falar primeiro do que NÃO nos aguarda? A Warner decidiu relocar O Grande Gatsby para meados do ano que vem. Há quem diga que isto faz parte de uma estratégia maior para não dividir as atenções e recursos do estúdio em sua quixotesca missão de emplacar O Cavaleiro das Trevas ressurge pelo menos entre os indicados – e além das categorias técnicas, onde o filme de Christopher Nolan já é o favorito. Mas também pode ser porque Baz Luhrmann é famoso por se atrasar em pós-produção… A Fox até agora não esqueceu dos custos e demoras de Australia, que estourou todos os prazos e obrigou o estúdio a contratar um pequeno exército de montadores para que o filme conseguisse chegar às telas.

Descontado Gatsby—que tem pelo menos pedigree para entrar nas listas de candidatos a candidatos de 2013—o que temos?

Para começar, dois presidentes norte-americanos: o Lincoln de Steven Spielberg e o Roosevelt de Hyde Park on Hudson, de Roger Michell. Ambos  tem todo o pedigree de “isca de prêmio”. Daniel Day Lewis em mais uma transmutação paranormal para encarnar um dos presidentes mais adorados e carismáticos dos Estados Unidos, com Spielberg na direção. (Eco do passado: Amistad.) Bill Murray arriscando-se em mais uma nova direção, interpretando  Franklin Roosevelt, outro presidente querido, carismático e – votantes adoram isso!—deficiente físico, dirigido por Roger “Um Lugar Chamado Notting Hill” Michell. (Eco do passado: O Discurso do Rei.) O que esperar: indicações a melhor ator para os dois, no mínimo.

Continuando no tema azul-vermelho-e-branco, temos duas incursões pelas intervenções no Oriente Médio, ambas baseadas em casos reais: Argo, de Ben Affleck e Zero Dark Thirty, de Kathryn Bigelow.

Argo, de Ben Affleck

Affleck, vocês se lembram, teve aquela estreia bombástica com Gênio Indomável em 1997, emplacando supreendentes prêmios pelo roteiro. Ele vem se revelando um diretor seguro, que compreende o trabalho dos atores e tem uma visão propria. Argo tem produção de outro que votantes de prêmios amam, George Clooney, e se baseia numa dessas histórias tão incriveis que só podem ser verdadeiras – o plano mirabolante inventado por um agente da CIA (o próprio Affleck) para resgatar seis americanos refugiados na residencia do embaixador canadense, em plena revolução islâmica no Irã, em 1979. Bryan Cranston também está no elenco. Repetição do melhor coadjuvante Jeremy Renner de Atração Perigosa?

Zero Dark Thirty, de Kathryn Bigelow

Atravessando território muito parecido Bigelow tirou os Oscars de debaixo do nariz de James Cameron, três anos atrás. Zero Dark Thirty é, de muitos modos, Guerra ao Terror 2.0: a narrativa de como a tropa de elite Navy Seal Team 6 localizou e assassinou Osama Bin Laden em maio de 2011. É o tipo de filme arrancado das manchetes de jornais que se encontra mais facilmente nas TVs do que nos cinemas, e isso pode funcionar contra e a favor de Zero Dark Thirty, que por enquanto ninguém viu mas que já está criando zum zum.

Existe uma outra questão, também: filmes com essa temática não vão muito adiante no interesse das plateias – nem mesmo o ótimo Zona Verde, nem mesmo o premiado Guerra ao Terror quebraram essa barreira. Estou muito curiosa para saber o que vai acontecer com esses dois, tanto entre as elites que premiam quanto entre as massas que compram ingresso.

E isto é apenas o começo. Na segunda parte de nossa trilogia (é a moda, não é?), cantorias, fantasia e um mestre. Fiquem ligadas e ligados.

 


A esperança brota, eterna, no novo filme de Meryl Streep
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Ana Maria Bahiana

Numa temporada em que tudo tem uma dimensão gigantesca, e cada lançamento parece querer derrubar o outro numa espécie de olimpíada do ruído, movimento, número de personagens, tiros e explosões, é um prazer estranho e delicioso ver um filme pequeno em todos os sentidos. Deliberadamente pequeno, como um concerto de música de câmara diante de uma sinfonia para coral e orquestra, um solo de violão versus um duelo de guitarras heavy metal.

Foi assim que me senti quando acabei de ver Um Divã Para Dois (Hope Springs, estreando hoje nos EUA e dia 17 no Brasil), uma iluminura de filme em tom menor, um concerto a oito mãos para três atores excelentes – Mery Streep, Tommy Lee Jones, Steve Carell- e o diretor David Frankel, trabalhando com uma partitura simples e perfeita de Vanessa Taylor, estreando no cinema depois de uma bela carreira na TV (Game of Thrones, Alias).

Fellini, Coppola e Chris Nolan sempre disseram que metade  -ou mais que isso- do trabalho de criação de um filme está na escolha do elenco. Este filme é uma prova eloquente disso : uma derrapagem na escolha desse trio e talvez o delicado roteiro de Taylor se transformaria em algo possivelmente sem graça. Porque toda a ação desse Divã se resume basicamente a quatro locações: a casa do casal Kay e Arnold (Streep e Jones), equipada com todos os confortos modernos mas vazia de filhos e emoções mais fortes que uma partida de golfe na TV gigantesca; o consultório do terapeuta Dr. Feld (Carell), ensolarado e, significativamente, caseiro; a boutique “para senhoras” onde Kay trabalha como vendedora; e o quarto de hotel, asséptico e indiferente, onde o casal se hospeda enquanto tenta, com a ajuda do psicólogo, reacender a chama do seu casamento de mais de três décadas.

E a história também se resume ao que se passa nesses poucos ambientes: um casal assentado confortavelmente em sua rotina de cuidadosa indiferença é acordado por uma incontrolável onda de desejo da mulher, Kay. Porque quem vive Kay é Meryl Streep, aprendemos logo , sem que ela diga coisa alguma, que esse mar de paixão não é um fenômeno recente mas vem, subterrâneo, há meses, anos, batendo contra os rochedos de um marido que fez da rotina sua defesa e seu castelo. Dois minutos de Meryl/Kay diante do espelho, logo na abertura no filme, nos contam mais sobre o mundo interior da personagem e as batalhas emocionais que teve que enfrentar, perder e negociar do que muitas linhas de diálogo interpretadas por atrizes de outro escalão. Essa onda do desejo e da esperança sacode a relação até as fundações _  cabe ao paciente e legitimamente interessado Dr. Feld propor  as saídas para o impasse – que, assustadoramente, incluem derrubar as estudadas defesas de Arnold.

Frankel é um diretor de rara sensibilidade, que fez de O Diabo Veste Prada um filme muito mais inteligente do que era preciso. Com este material mais sutil ele mostra o quanto compreende o ritmo da dramaturgia cinematográfica, o vai e vem das interações entre os atores, as pausas e os momentos mudos mas intensos de que grandes intérpretes são capazes. E, devo acrescentar, Jones e Carell estão absolutamente perfeitos em seus papéis, Jones olhando o mundo pelo visor estreito da armadura que construiu com tanto cuidado, Carell com uma mistura bem equilibrada de compaixão, rigor e entusiasmo. Há coisas hilariantes, há coisas comoventes, mas sobretudo há uma humanidade triunfante e sincera neste pequeno, delicioso filme.

E embora eu compreenda a necessidade da tradução brasileira, eu queria compartilhar com vocês o poema de Alexander Pope que inspirou o nome da cidadezinha fictícia – Hope Springs- que dá o título original do filme: “A esperança brota, eterna, no animal humano/ o homem nunca é mas sempre será abençoado/a alma, inquieta e confinada em sua casa/ repousa e se expatria numa vida que ainda virá.”

E este, amigas e amigos, é o tema desta obra-contraponto ao ruído dos acordes finais da temporada-pipoca.

 

 


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