É o fim do mundo como o conhecemos: vamos filmar
Ana Maria Bahiana
Estamos todos com medo _ o presente é assustador, o futuro é incerto e instituições que tínhamos como excelentes, operantes e praticamente infalíveis estão desabando diante de nossos olhos, tais e quais aquelas duas torres altivas e belas, na Nova York de 2001.
Esta parece a soma de todos os medos como interpretada e recriada pelo cinema norte americano, nestes últimos anos. E pode muito bem ser um dos grandes temas desta recém- iniciada temporada-ouro que, suspeito, vai realmente pegar embalo com a estreia de J.Edgar no início de novembro, se Clint Eastwood e Dustin Lance Black cumprirem suas promessas de virar pelo avesso uma figura icônica e sua querida instituição intocável, o FBI.
Dois filmes em cartaz neste fim de semana nos EUA continuam essa narrativa de apreensões.
Dirigido por Steve Soderbergh – em seu modo não-autoral – a partir de um roteiro original (e muito bem pesquisado) de Scott Z. Burns, Contágio (Contagion, 2011) é um competente exemplar do thriller-epidêmico, no qual cientistas substituem detetives e policiais em busca de um assassino em série poderoso, terrível e invisível a olho nu. É um sub-gênero que tem antecedentes tão distantes quanto o noir The Killer That Stalked New York, de 1950, ou O Enigma de Andrômeda (The Andromeda Strain), de 1971; e, mais recentemente, Epidemia (Outbreak, de 1995).
Como Soderbergh é Soderbergh, seu prestígio arregimentou um elenco de estrelas para compor o mandatório time de vítimas e investigadores – Matt Damon, Gwyneth Paltrow, Kate Winslet, Jude Law, Laurence Fishburne, Marion Cotillard. E como os tempos são os atuais, voltou sua atenção menos ao vírus e a seus caçadores e mais ao gradual e violento desmantelar da sociedade, ao longo de um mês, enquanto a doença progride, muda, sobrecarrega hospitais, gera paranóia, greves, vandalismo.
Porque o vírus se propaga pelo toque – e porque vivemos numa era em que as pessoas mais e mais se isolam atrás de seus celulares, tabletes e computadores – Soderbergh volta seu olhar, insistentemente, para os pequenos gestos que nossas mãos fazem o dia todo, sem que percebamos _ a ânsia ancestral por contato, atrofiada numa sociedade em crise.
São elementos assim, mais que qualquer outra coisa, que tornam Contágio interessante. Não é bem, como seus antecessores, uma luta-contra-o-tempo para salvar o mundo – tempo e vírus são inexoráveis, aqui, como seriam na vida real, é o que o roteiro de Burns nos diz- mas uma observação de nossa fragilidade como sociedade, confiantes em forças que, talvez, sejam mais vulneráveis do que pensamos.
E ainda não sei porque Contágio está sendo exibido, pelo menos aqui nos EUA, em IMAX. A não ser para quem queira muito ver uma autópsia de Gwyneth Paltrow numa tela de 22 metros de altura…
Contágio está em cartaz nos EUA e estreia no Brasil dia 28 de outubro.
Em Tudo pelo Poder (The Ides of March, 2011) são as instituições políticas que estão em risco, ameaçadas não por um micro-organismo daninho, mas por nossa próprias fraquezas.
Diretor , produtor e coadjuvante do seu projeto, George Clooney também é co-roteirista, adaptando com Grant Heslov (com quem ele já havia trabalhado em O Amor Não tem Regras) a peça Farragut North, de Beau Willimon, sobre o jovem e entusiasmado assessor de um candidato a candidato a presidente dos EUA, e sua penosa curva de aprendizado.
Clooney pegou para si papel do candidato, Mike Morris, um governador estadual do partido Democrata, carismático, progressista e bonitão. Stephen Moyers, o inocente em treinamento, é Ryan Gosling, mais uma vez dando um show de interpretação inteligente, bem pensada. Outros grandes atores completam o elenco: Philip Seyour Hoffman como o coordenador da campanha de Morris, Paul Giamatti como seu correspondente no campo do oponente, Jeffrey Wright como o senador republicano cujo apoio pode fazer a diferença na corrida para a Casa Branca, Marisa Tomei como a jornalista durona, incansável na busca de uma boa matéria, Evan Rachel Wood como a estagiária bonita e ambiciosa.
O genial de Tudo pelo Poder – além de como Clooney expandiu a peça a ponto de parecer impossível que a trama possa ser contada num palco – é que, politicamente, tanto Morris quanto Moyers, seu aprendiz de feiticeiro, são inatacáveis. Um candidato a candidato, dizendo o que Morris diz, com a convicção com que ele diz, seria a salvação para uma América em crise _ e a fé de seu pupilo é verdadeira e íntegra.
Não são os princípios ideológicos que abalam suas estruturas _ são fraquezas humanas tão antigas quanto o tempo, desejos inscritos em livros muito anteriores à Constituição dos Estados Unidos, único documento no qual Morris diz ter fé (na sensacional cena de abertura, Moyers repete este credo ; é esta cena, em super close, que serve de tema ao filme, repetida depois, muito, muito diferente, no final).
É um belo filme, especialmente alvissareiro depois do decepcionante O Amor Não Tem Regras.
Tudo pelo Poder estreia nesta sexta feira nos EUA e estréia no Brasil dia 23 de dezembro.
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Ana Maria Bahiana
03/10/2011 15:07:27
Não tenho a menor intenção de me casar com ninguém, mas obrigada pela lembrança. E o panetone.
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Ene
03/10/2011 13:12:46
Bem atual seu post Ana. Estamos chegando nos tempos de que as máscaras "poderâo" cair e dou graças a Deus por isso. Lembro até de uma passagem bíblica que diz "Nada oculto que não venha a ser revelado..." Torço por isso. Ando pensando muito na hipocrisia que há no mundo, em nossas vidinhas e naquilo que queremos acreditar. O cinema contribui sempre tanto para o mal como para o bem. Hollywood fez o mundo inteiro tomar coca-cola e fumar (to exagerando?), agora está aparando as arestas pq estamos entrando nesses tempos, que deveríamos chamar de era da luz. Quem pensa um pouco acima do que seus olhos possam ver, irá me entender. To amando essa idéia, verdade. Qdo li sobre esse projeto de Clint sobre um dos mais famosos homens dos EUA, fiquei empolgado. Para mim o que mais revela é que somos todos humanos e o homem precisa se lembrar disso. E quando vi o trailer do filme, achei simplesmente fantástico. Será o trunfo do Oscar em 2012. Contágio não me enche tantos os olhos qto Tudo pelo Poder.
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Ene
03/10/2011 12:56:46
É fato. Acontece bastante para quem vê muitos filmes. Aplaudo sua sinceridade.
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RENATO LOUCO MESMO
03/10/2011 08:57:43
HUMMMMMMMMM ME CONVENCEU ANINHA>!!! POR ISSO QUERO CASAR COM VOCE ANO QUE VEM!!! viu? QUANDO VC ESCREVE BONITO EU GOSTO!!! :)e o panetone? nao quer nao? ja comi metade!! :)
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Sarah Ribeiro
03/10/2011 01:46:59
Bom dia, Ana!Quando comecei a ler notícias a respeito deste novo filme chamado CONTÁGIO me lembrei imediatamente de outro filme de mesma temática OUTBREAK, com Rene Russo & Dustin Hoffman; me pergunto se o tema não está batido, e se era realmente necessário fazer um filme caríssimo com este elenco estrelar, porém sem renovar nada...(na verdade, para mim é cognitivamente atrapalhado ver tantas estrelas num quadro só) rsrsrsMe pergunto se o que se renova apenas não são as técnicas e efeitos especiais...vazios. Adoro sua coluna, para mim uma referencia. Beijos!
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CELSO DANIEL SILVA
01/10/2011 20:23:37
Ana, IMAX com tela de 22 mts.de altura? E a largura? Qual a lotação? Por aqui, em São Paulo, mede 14 x 21 e já é grande.Abraço.
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Ana Maria Bahiana
01/10/2011 15:58:58
Mencionei sim... mas ninguém viu ainda, e ainda não há previsão de exibições para imprensa e votantes, então...
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Alfredo
30/09/2011 21:50:39
Ana, acho que nos seus posts sobre essa temporada de outono e inverno e as premiações do fim do ano você não citou o filme que a Angelina Jolie dirigiu, In the Land of Blood and Honey. Vi em algum lugar que a estreia será na semana anterior ao Natal ou na do Natal. Não é uma posição típica de filmes que vão disputar prêmios? Você já viu? Procurei o trailer mas não achei na internet.
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Ana Maria Bahiana
30/09/2011 15:49:12
Claro que tem. Pense Onze Homens e um Segredo e vc terá o não-autoral. Ele mesmo diz isso. E Wyler e Hawks eram autorais, embora talvez não falassem sobre isso...
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neder
30/09/2011 15:47:13
Kkkkk... Quer dizer que o Soderbergh tem um modo "não-autoral" e outro "autoral"..? Não havia pensado nisso. Mas pensei rapidamente na filmografia do diretor e parece que é isso mesmo. Boa observação. Me deu uma curiosidade de ouvir sua opinião sobre dois clássicos da história do cinema: você acha que William Wyler e Howard Hawks eram autorais, Ana..?
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Ana Maria Bahiana
30/09/2011 15:17:59
Obrigada pela lembrança. Não tendo visto nem o filme nem seus concorrentes, prefiro guardar minha opinião para quando estiver melhor informada.
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Ana Maria Bahiana
30/09/2011 15:15:28
Leia a resposta ao Diego Pessoto.
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Ana Maria Bahiana
30/09/2011 15:15:00
Exterminio e alias todos os filmes de mortos-vivos são uma outra vertente da caçada-ao-virus: sua preocupação é com o efeito da infecção, e seu tom é de terror. Os filmes que mencionei são "realistas". Seu tom é o drama, e sua escala de preocupações se atem ao possivel dentro da ciência conhecida. Há momentos em Contágio que ecoam filmes de mortos-vivos_ a devastação, a implosão social. É uma breve referencia interessante, que amplifica a ansiedade. Mas as duas vertentes do filme-de-epidemia são marcadamente diferentes.
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Ana Maria Bahiana
30/09/2011 15:11:44
Vi o filme duas vezes. Na primeira vez, talvez porque estivesse doente, não me impressionou. Deixou uma impressão confusa. Mas considerando que dois dias depois eu estava ardendo em febre (pensei nisso quando vi Contágio...) eu entendo. Por isso resolvi rever. E vi o quanto estava equivocada da primeira vez. Foi até melhor entrar no filme esperando para ser decepcionada e reverter minha opinião. É um raro prazer.
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Fernanda Carvalho
30/09/2011 14:53:55
Ana Maria, sou repórter da revista Vox Objetiva, de Belo Horizonte. Estamos fazendo um painel com a opinião dos críticos sobre a escolha do Tropa de Elite 2 para concorrer ao Oscar pelo Brasil. Gostaria de ter a sua opinião sobre o filme e a escolha no painel. É possível? Poderia ser uma resposta simples, por e-mail mesmo. Aguardo e agradeço a atenção, desde já.
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Diego Pessoto
30/09/2011 09:55:05
Ana Maria Bahiana, no texto “Telluride clareia as apostas para os prêmios. E tem gosto de Brasil”, publicado aqui no dia 1º de Setembro de 2011, você disse o seguinte: “O Clooney diretor de Tudo pelo Poder também não foi considerado pelo festival (e de fato o filme é fraco), mas o Clooney ator está na linha de frente, agora, com The Descendants, o independente-de-luxo que mais tem crescido em zum-zum de bastidor, nestas últimas semanas do verão”. E voltou a repetir nos comentários quando foi perguntada se realmente tinha visto o filme ou haviam sido os James Bonds a passar a informação (a pergunta foi feita por uma pessoa intitulada Brendam): “Eu vi, é fraco”. Agora eu pergunto: Mudança repentina de opinião sobre o filme? Ou realmente não tinha visto o filme há um mês e estava apenas passando uma opinião precipitada de terceiros?
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RENATO LOUCO MESMO
30/09/2011 09:20:49
Cara Ana...falar desse filme sem fazer referencia ao melhor filme de epidemia da historia do cinema chamado EXTERMINIO .( 28 days later ) é meio absurdo!!Adoro voce e sempre to acompanhando seus excelentes artigos.Entretanto,percebo que as vezes voce falha,claro..ninguem é perfeito.Eu acadei de ver o filme nos states e sinceramente....dei 4 pro filme.Muito CSI pro meu gosto.Quanto a analogia feita a respeito do TOQUE,vale o creditoFiz um panetone com amendoas? Quer um pedaço Ana?Take care
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douglas lula
30/09/2011 09:09:57
Ana,Se eu não me engano, você disse para uma pessoa que acompanha seu blog que o novo filme do Clooney era fraco.Agora eu fiquei confuso com seu último comentário dizendo que "Tudo pelo poder "É um belo filme".
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Téu Borella
30/09/2011 08:28:32
Hum... pelo jeito os filmes desse ano são totalmente superiores ao do estranhíssimo 2010. Que bom!
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Sorieldo
29/09/2011 23:37:52
Embora continue acompanhando o blog com a mesma assiduidade, já não comento com a mesma frequência. Más é impossível não dizer o quanto esse texto é revela o momento que vivemos. Fico com a impressão de que algum dos três (Contágio, Tudo Pelo Poder e J. Edgar) vai se encaixar naturalmente naquele perfil que me lembro muito bem de você ter traçado para Guerra ao Terror, quando cravou com alguma antecedência o favoritismo para o Oscar por ser o filme que falava com a sociedade americana aquilo que viviam naquele momento específico. Interpretei de forma equivocada ou foi isso mesmo Ana?
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jennifer
29/09/2011 22:14:55
Ai Ana, to muito curiosa pra ver J.Edgar, o trailer promete e eu sou muito fã do Leonardo. Espero que o filme seja ótimo e que o Oscar venha para o Leo merecidamente.
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joao gabriel de oliveira lins
29/09/2011 21:25:35
Ana, assisti Drive e Ryan Gosling realmente da um show.Mas voce nao acha que pelos filmes que ele tem feito, nao esta forçando demais indicaçoes ao oscar?
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