Na semana do terror, a TV sai na frente _ de novo
Ana Maria Bahiana
Última semana de outubro: época tradicional para os lançamentos de terror e suspense. E, no entanto, não estou nem um pouco animada com as opções deste ano. Atividade Paranormal 2? Ai. (Se bem que admiro o esforço de fazer um filme com micro-orçamento que triunfa na bilheteria…)
Como já está se tornando padrão, vamos para a TV, onde coisas muito mais interessantes e emocionantes nos esperam:
Sherlock, co-produção em três episódios da BBC Wales e da rede pública norte-americana PBS é a mais deliciosa adaptação da obra de Conan Doyle que já vi desde Young Sherlock Holmes, de Barry Levinson, em 1985 (não, o de Guy Ritchie não me convenceu…). Crédito em primeiro lugar à dupla Steven Moffat e Mark Gatiss, que já havia trazido nova vida ao mega-cult Dr. Who (Moffat também é o autor do roteiro de Tintin e o Segredo do Unicórnio, aquele de Steven Spielberg e Peter Jackson, e Gatiss tem uma ponta na micro-série como Mycroft, o irmão de Sherlock).
Moffat e Gatiss, roteiristas e produtores, dão uma verdadeira aula de adaptação: em vez de manter a trama no século 19 e tentar modernizá-la no estilo narrativo (como Guy Rtchie) eles desmontam o cânon sherlockiano e o transportam, peça por peça, para a Londres do século 21. Sherlock (Benedict Cumberbatch, de Atonement, Creation) é um super-nerd com o racionício mais veloz do planeta e nenhum trato social, que pilota smartphones (dos outros, em geral) à velocidade da luz, ou quase. Não fuma cachimbo, pelo contrário: está tentando parar de fumar com muitos adesivos de nicotina pregados ao mesmo tempo. E certamente consome drogas ilegais, embora não goste de falar sobre o assunto. O Dr. Watson (Martin Freeman, o futuro Bilbo de O Hobbit) é um ex-médico militar, veterano do Afganistão, que se torna roomate de Holmes no apartamento de Baker Street, 221B e acaba descrevendo as aventuras dos dois num blog. Uma piada recorrente da micro-série é a suspeita de quase todo mundo quanto a uma ligação romântica entre os dois – que, sendo Londres em 2010, não tem nada demais, mas enfurece Watson.
Poderia ser apenas engraçadinho, mas não é _ é empolgante como devem ter sido as primeiras histórias publicadas em série na Londres vitoriana. Holmes e Watson tornam-se verdadeiros personagens, multifacetados e complexos, inteiramente plausíveis na vida do século 21. Moffat e Gatiss inspiram-se nos textos de Conan Doyle – especialmente A Study in Scarlet e The Five Orange Pips– para criar novas tramas, fiéis em espírito aos princípios sherlockianos. É uma delícia – principalmente o primeiro da trilogia, A Study in Pink, e o terceiro, The Great Game, que apresenta genialmente o arqui-inimigo Moriarty.
Sherlock já foi exibido na Grã Bretanha em julho e estréia hoje nos EUA. Está disponível também em DVD/Blu Ray.
The Walking Dead, produção da cada vez mais ambiciosa AMC, é outro triunfo de adaptação. Os produtores Frank Darabont (diretor de Shawshank Redemption, Green Mile e do primeiro episódio da série) e Gale Ann Hurd (sem a qual O Exterminador do Futuro não existiria) abordam a série de premiadas graphic novels de Robert Kirkman (com os desenhistas Tony Moore e Charlie Adlard) com uma preocupação maior com conteúdo do que com forma.
É comum – e fácil- traduzir para o audiovisual o estilo de comix e graphic novels: são formas de narrativa muito próximas uma da outra. Mais complicado, e muito mais interessante, é ir além do estilo, descobrir as qualidades e possibilidades dos personagens, quem eles são e por que agem, e como os elementos da trama têm impacto sobre êles. Esse é o grande trunfo de The Walking Dead : usar a poderosa metáfora dos mortos –vivos (que afinal somos nós, humanos, supensos além de vida e morte) para explorar nossos medos, nossas dores, nossa humanidade.
O bom terror é o que responde à altura à pergunta-chave: o que nós não admitimos perder de jeito nenhum? The Walking Dead responde de forma completa: é menos sobre os zumbis e mais sobre quem êles deixaram para trás, e as complicadas relações entre êles. Afinal, como o clássico de George Romero antecipa em seus minutos finais, a fronteira entre um ser amado e um monstro é muito tênue no mito dos mortos-vivos.
O elenco- liderado por Andrew Lincoln como o xerife Rick Grimes- é sólido, os efeitos visuais são excelentes, as locações em torno de Atlanta, perfeitas e os zumbis, porque não dizer, são super cool. Uma certa semelhança com Extermínio, de Danny Boyle (hospital, epidemia, etc) paira sobre os primeiros minutos do episódio de abertura, mas vai embora rapidamente. Daí em diante The Walking Dead é original, assustador e, muitas vezes, emocionalmente devastador.
The Walking Dead estréia no domingo dia 31, aqui nos EUA e no Brasil dia 2 de novembro, no canal Fox.