Blog da Ana Maria Bahiana

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Peguem o gringo: el corrido de Mel Gibson
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Ana Maria Bahiana

Em sua longa carreira como ator e diretor, antes, durante e depois de se tornar um super-astro, Mel Gibson fez, basicamente, um mesmo personagem: o homem que, sozinho, contra tudo e contra todos, arrisca a própria vida em troca de seus ideais e metas.  Do icônico Mad Max ao exausto  detetive de O Fim da Escuridão, do jovem soldado de Gallipoli, de Peter Weir (um filmaço aliás) ao rebelde William Wallace de Coração Valente, do alucinado Martin Riggs da franquia Máquina Mortífera ao “patriota”  Benjamin Martin, todos os homens da vida fictícia de Mel Gibson são mal contidas metralhadoras giratórias de paixão,  balas presas num gatilho humano.

Mesmo em filmes  que dirigiu mas nos quais não atuou o herói é assim, não importa se na pele de Jesus de Nazaré ou do jovem guerreiro maia de Apokalypto.

Só Gibson sabe que dobras da sua alma e episódios de sua vida dão contornos tão bem definidos aos seus “eus” fictícios. Depois da via crucis em que se meteu nos últimos anos, podemos imaginar de onde vem os demônios que alimentam esses homens velozes e furiosos.

Pessoalmente, acho que nem todas as iterações desse personagem são bem sucedidas (pessoalmente também, gosto especialmente de Gallipoli, O Ano Em Que Vivemos em Perigo e O Fim da Escuridão. Além de Mad Max, que, pensando bem, não é um personagem, é um alter ego).

Também acho que Gibson já pagou mais do que o acham que ele devia, e que Plano de Fuga (Get the Gingo), o novo filme que ele escreveu, produziu e estrela, merecia um lançamento em cinemas aqui nos EUA. Até porque seria um bom negócio. Uma das maiores idiotices desta indústria é fazer essa mixórdia de impulsos pessoais e decisões de negócios. Quem não comprou Plano de Fuga para cinemas deve ter pensado que Mel, o maldito, não tinha mais cacife para atrair público; ou isso ou deveria ser punido um pouco mais (os paralelos com o personagem-mito de Mel estão aumentando…). Dois péssimos motivos para uma decisão como, espero, vão comprovar as bilheterias internacionais.

Porque  Plano de Fuga  é um filme muito bom. Não vai mudar o mundo ou o cinema, mas é um sólido e bem executado híbrido de ação tarantinesca, western peckinpesco e drama favelado latino-americano. Quem pagar ingresso para assistir os primeiros e sensacionais 15 minutos, com dois palhaços – um deles cuspindo sangue aos borbotões- em disparada pelo deserto do Texas num carro caindo aos pedaços, ao som de “50,000 Miles Beneath My Brain”, do Ten Years After já vai se sentir recompensado.

Mas aconselho que fique para o resto da breve, compacta, incessante hora e meia. Trancafiado em El Pueblito, uma bizaríssima prisão mexicana, o anônimo motorista do carro da sequência de abertura (Mel Gibson) descobre todo um novo mundo de terrores e possibilidades. E, inspirado pela amizade com um menino igualmente sem nome (o excelente Kevin Hernandez, que merece um filme só dele), planeja e executa um golpe tipicamente gibsonesco.

O universo que Adrian Grunberg (também diretor) e Gibson constróem no bem estruturado roteiro é, de muitos modos, o pano de fundo ideal para nosso velho conhecido, o herói hiper-individualista e suicida da carreira de Mel. Não há princípios, lei, ética, moral, certo e errado. No perversamente absurdo mundo de El Pueblito reina apenas a sobrevivência e o domínio do mais forte (ou mais esperto).É Alice do outro lado da toca do coelho, com muitas armas, lucha libre e narcocorrido _ um mundo em queda livre onde um homem só, anti social e possivelmente psicopata, pode, por um breve momento, ser herói por default.

Admiro muitíssimo, em Plano de Fuga,  o notável trabalho da direção de arte de Bernardo Trujillo, que criou toda a prisão em Veracruz, no México (próximo das locações de Apocalypto),  o excelente conjunto de atores latinos e a maravilhosa trilha incidental do brasileiro Antônio Pinto.

Mas admiro especialmente a segurança do diretor estreante Adrian Grunberg,  que foi assistente de direção em, entre outros, Apocalypto, Traffic e Amores Perros (cuja estética informa bastante suas escolhas).  É um projeto complexo em todos os aspectos, da logística à temática, e Grunberg se sai muito bem mostrando que tem um estilo próprio, além das suas influências.

Plano de Fuga estreou esta semana em video on demand nos EUA; no Brasil, a estreia é dia 18 de maio.


Uma conversa com Mel Gibson: “Dor é pré-requisito para o crescimento”
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Ana Maria Bahiana

Uma coisa eu sei sobre Mel Gibson: ele é extremamente volátil, uma personalidade complicada que pode estar sorrindo e brincando numa hora e explodindo minutos depois. Entrevistei Mel exatamente 18 vezes, começando com  Conspiração Tequila em 1989. Algumas vezes ele era um bom papo, brincalhão, amável. Outras vezes era um grosso, agressivo, especialmente se o entrevistador era mulher ou tinha um sotaque que revelava que o inglês não era sua primeira língua. Numa entrevista ele quase chorou contando seu velho problema com a bebida (na época ele estava sóbrio, e agradecia à paciência da então esposa, Robyn Moore). Em outra, pediu um prato de comida e respondeu todas as perguntas mastigando, a boca semi-aberta, comida caindo pelos cantos.

Colegas australianos que o conhecem de mais longa data dizem que ele sempre foi um homem com problemas – bebida, uma relação complicada com o pai – mas  que essas variações de humor se agravaram na mesma medida de sua fama e poder.

Nesta tarde de primavera em Los Angeles, Mel Gibson está em sua melhor forma como um cavalheiro, bem humorado e até contido. Ele entra na sala privada do hotel de luxo cercado por pelo menos uma dúzia de assistentes e divulgadores. Apesar da cordial jovialidade, há uma tensão palpável no ar: esta é a primeira entrevista de Gibson desde a tempestade que cercou sua separação da segunda mulher, Oksana Grigorieva e abalou, talvez para sempre, sua reputação na industria.

Com três décadas de tração no cinema, da Austrália a Hollywood, Gibson sabe perfeitamente o que está em jogo com Um Novo Despertar. Além de sucesso ou fracasso (o filme não foi bem de bilheteria nos EUA, e recebeu críticas mistas), o filme representa um pequeno passo na direção de… bem.. um novo despertar.

As sincronicidades entre filme e vida não param aqui.  Vigiado de perto pela tal entourage, Gibson usa seu personagem no filme do mesmo como como o personagem usa o fantoche: para falar, na terceira pessoa, daquilo que é complicado demais para ser dito.

Com um personagem intenso como Walter Black, onde você foi buscar referências para interpretá-lo?

_Imediatamente ele me pareceu um depressivo grave.  O que não acho que eu sou mas…. Todos nós temos altos e baixos. Todos nós somos afetados pelos mesmos elementos de estresse que este planeta oferece e, principalmente, que outras pessoas nos causam. Então pensei que era pegar isso…e… colocar numa escala maior. Conheço pessoas que, de tão deprimidas, não conseguem sair da cama. Letargia é um modo de expressar o desespero em que elas se encontram. É como elas expressam seu sofrimento interior.

Você utilizou algum incidente ou incidentes em sua própria vida como base?

_Alguns… e também coisas das vidas de outras pessoas… amigos… inimigos… É tudo uma vasta experiencia humana, não é mesmo? Tantas pessoas passam por isso… acho que é um tema adequado para um filme, explorar soluções…

No set de "Um Novo Despertar", com Jodie Foster e o castor

O que você faz quando passa por um estresse dessa ordem?

_ Hummm… massagem… massagem nos pés… acupuntura…. Não acredito em medicamentos. Acho que não são a solução. Para mim a solução é sempre espiritual.

Numa entrevista recente você disse que não se importa se jamais tiver que trabalhar como ator. Por que?

_ Eu gosto do trabalho de ator. Sou grato a ele. Mas a verdade é que já gostei muito mais. É uma relação diferente que tenho com o trabalho, hoje. Vendo jovens atores como Anton (Yelchin, que faz o filho de Walter Black no filme) eu me lembro de como eu era nessa idade, com 20, 21 anos. A atenção aos detalhes, o entusiasmo pelas menores coisas…. 35 anos depois você tem uma relação diferente com o ofício. É mais sobre a história que você está contando. Você se despe da auto-indulgencia. Seu foco passa a ser fazer as coisas com competencia, do modo mais verdadeiro possivel. Mesmo quando você está fingindo.

Por isso você se dedica tanto ao seu trabalho como diretor?

_ Em grande parte, sim. É o que mais me empolga, hoje. Eu sou uma pessoa séria. Eu adoro esta industria. Adoro estar envolvido na arte colaborativa que é o cinema. Hoje eu sinto uma satisfação muito maior quando estou do outro lado da câmera, participando da mesma experiência. De certa forma estou mais envolvido pessoalmente com histórias que são importantes para mim quando eu trabalho como diretor.

Por que as pessoas sofrem tanto, apanham tanto, são tão torturadas nos seus filmes?

_ A dor é um pre-requisito para o crescimento. É isso, só isso. Veja qualquer filme que você gosta: é alguem passando por um tormento, alguma luta. Há sempre algo perturbador acontecendo. É isso que faz uma boa história. Não sou só eu… bom… é… talvez eu coloque esses elementos de um modo diferente…

Se você não fosse ator, o que você seria?

_Um chef. Estou falando sério. Super sério. Sei cozinhar qualquer coisa. Às vezes tenho 50, 60 pessoas lá em casa e cozinho verdadeiros banquetes para todas elas.

 

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No novo filme de Mel Gibson, a vida imita a arte que imita a vida
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Ana Maria Bahiana

Um Novo Despertar (The Beaver, Jodie Foster, 2010) é, em muitos aspectos, como um acidente de carro: você sabe que nada bom vai sair dali, mas não pode parar de olhar quando cruza com ele na rua ou na estrada.

Durante uns quatro anos este roteiro de Kyle Killen circulou pelos corredores do poder em Hollywood, incluido na elogiosa mas complicada lista de “os melhores roteiros não-produzidos”.  Killen _ nascido no Texas, formado pela prestigiosa escola de cinema da University of Southern California_ acabou estreando profissionalmente com Lone Star, uma série de TV  promissora (eu era fã) mas cancelada depois de dois episódios por falta de audiência. Ele está na fila de novo este ano, com a série Awake, interessantíssima, mas de cujo poder de fogo nas pesquisas de audiencia os analistas já estão duvidando.

Com essa perspectiva _ que Jodie Foster não tinha na época em que aceitou dirigir o projeto _ fico pensando em que tipo de perfil Killen tem. Possivelmente alguém que tem excelentes ideias mas se confunde com o próprio brilho de suas invenções e perde o caminho lá pelo meio da longa, trabalhosa jornada que é estruturar uma narrativa.

A premissa é fascinante (como era a de Lone Star e como é a de Awake): no meio de uma tenebrosa crise de depressão (cujas origens  nunca são explicadas, embora haja uma alusão à genética ) Walter Black, homem de meia idade , pai de familia e dono de uma fábrica de brinquedos, encontra a salvação através de um fantoche em forma de castor (o “beaver” do título). Com o fantoche em sua mão direita, Black cria um alter ego instantâneo, uma espécie de terapia ambulante através da qual se torna capaz de, finalmente, assumir  o controle de sua vida.

Numa dessas sincronicidades absurdas, Gibson, que se envolveu no projeto em 2009, a convite de Foster, sua amiga desde que os dois trabalharam juntos em Maverick, começou a filmar Despertar no meio da série de crises que abalaram sua vida em  2009-2010, quando sua ex-mulher Oksana Grigorieva divulgou as gravações das furiosas brigas do casal. Em outras palavras: enquanto Mel Gibson interpretava Walter Black, homem de meia idade, rico, pai de familia, caindo furiosamente por um poço sem fundo de angustia, fúria e depressão, ele era um homem de meia idade, rico, pai de familia, caindo furiosamente por um poço sem fundo de angustia, fúria e depressão.

Talvez este elemento explique a melhor coisa de Despertar: o próprio Gibson, numa interpretação tão visceral e poderosa que é impossível não pensar na correlação entre drama e vida. (Eu estou entre os que acham Gibson um bom ator que se tornou melhor com o passar dos anos e o áspero polimento dado pela vida).

O resto é complicado. Despertar começa como um estudo de personagem que se torna pouco a pouco absurdo, no bom sentido. Sua primeira meia hora é brilhante, e Foster parece ter a mão firme nas decisões de como significar, visualmente, a fratura da alma de Walter Black.

No exato momento em que as coisas se tornam realmente complicadas e interessantes, o roteiro dá uma guinada primeiro para a comédia – aquela historinha tão comum no cinemão americano, onde uma grande crise de repente se resolve de um modo bem engraçadinho – e depois, sem aviso prévio, para o filme de terror. Para terminar com tudo certinho, resolvido e explicado.

Há muitas boas ideias e pelo menos dois desempenhos fantásticos – Mel Gibson e Anton Yelchin, como o filho mais velho que teme estar seguindo os passos do pai. Mas a impressão que fica, no final das contas, é a de uma espécie de salada com melão, anchova e chocolate. Ou, talvez, o acidente de carro que você fica querendo olhar por todos os motivos errados.

Um Novo Despertar está em cartaz nos EUA (onde não foi bem nem de bilheteria nem de crítica) desde o dia 20 e estreia dia 27 no Brasil.

No próximo post, uma interessante conversa com Mel Gibson, aqui em Los Angeles.

 

 


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