Depp, Burton, perdidos nas Sombras da Noite
Ana Maria Bahiana
Existe um elemento que pode matar – ou pelo menos ferir gravemente- um filme antes mesmo que o diretor tenha dado a primeira ordem de “ação”: a necessidade da plateia saber alguma coisa para poder apreciá-lo. Não importa que o material de origem seja um livro, uma hq, uma peça de teatro ou série de TV: o filme precisa se sustentar por si mesmo, e ser capaz de dialogar com a plateia por seus próprios méritos.
Infelizmente para Tim Burton e seu habitual parceiro Johnny Depp, duas coisas são necessárias para que se chegue perto de apreciar Sombras da Noite (Dark Shadows, 2012): conhecer a temática e a estética da série Dark Shadows, exibida pela rede norte americana ABC entre junho de 1966 e abril de 1971; e saber, nem que seja de passagem, como era a cultura pop do ano da graça de 1972.
Sem saber uma coisa ou outra, Sombras da Noite é uma gloriosa aula de direção de arte, um estudo no uso da cor, figurinos e ambientes de cena, interrompido de vez em quando por uma piada, em geral nos lábios muito roxos de Johnny Depp na pele do vampiro Barnabas Collins, ejetado sem cerimônia do final do século 18 para a alvorada da década de 1970.
Não há uma narrativa consistente, que nos envolva e nos deixe comprometidos com a história _ nem a história da familia Collins (liderada pela matriarca Michelle Pfeiffer, linda) , descendente do vampiro mas ignorante de sua existência, nem a história de Barnabas, perdido num século que não compreende. O tom do filme oscila brutalmente: as vezes flerta com o gótico e o terror, às vezes cai na comédia, às vezes arrisca piscadelas irônicas que a plateia, frequentemente, não tem como entender (“mamãe, o que é um hippie?”, ouvi a menina ao meu lado sussurrar depois de uma sequencia que, com o devido conhecimento, deveria ser hilária.)
Dark Shadows começou como um sonho de seu criador, Dan Curtis, nos idos de 1965: uma noite sombria, uma moça misteriosa num trem. Com o roteirista Art Wallace, Curtis desenvolveu a estrutura do que viria a ser Dark Shadows, e a ABC comprou a ideia. Para a época, era um conceito ousado: usando as convenções do melodrama tela-pequena, mais próximos de uma novela do que o que hoje conhecemos como série dramática, Dark Shadows injetava elementos góticos, sobrenaturais e fantásticos, acompanhando os dramas e mais dramas da família Collins e seu súbito novo/antigo parente, o vampiro Barnabas.
Décadas seguintes nos trariam Buffy, Arquivo X, Angel, True Blood, Being Human, Vampire Diaries e tudo mais, mas Dark Shadows foi pioneira. O que não quer dizer que foi uma obra prima. Pelo contrário: seus fãs, em sua maior parte adolescentes chegando da escola e vendo a série depois do dever de casa (Burton e Depp entre eles) amavam principalmente seus exageros, o bizarro refogado de novelão e sobrenatural. Dark Shadows foi uma série cultuada, mas os dois primeiro filmes que tentaram revisitar seu universo – House of Dark Shadows em 1970 e Night of Dark Shadows em 1971 – não renderam grande coisa.
Depp trouxe o projeto para Burton, e os dois colaboraram intensamente para tentar fazer um completo reboot do conceito de Dark Shadows, com total veneração peor seus elementos _ começando pela escolha de 1972 para situar a história, assinalando a intenção de continuar do ponto onde a trama tinha deixado de existir, e optando por começar o filme exatamente como o primeiro episódio da série, com a moça misteriosa no trem (aqui, ao som de “Nights in White Satin”, dos Moody Blues, excelente escolha).
O problema, contudo, é aquele lá do princípio _ sem o mesmo devotado amor e conhecimento da série, Sombras da Noite se torna um híbrido desigual, com momentos lindos e/ou hilários seguidos por longos períodos muito menos interessantes.
Sombras da Noite estreia sexta dia 11 nos EUA e dia 22 de junho no Brasil.