Uma conversa com Darren Aronofsky: “Balé é um esporte olímpico”
Ana Maria Bahiana
Quando Darren Aronofsky ainda era, nas suas próprias palavras, “o aluno mais jovem” do curso de direção do American Film Institute ele e seu melhor amigo era Matthew Libatique, o aluno mais jovem do curso de direção de fotografia no mesmo AFI, fizeram a si mesmos uma promessa: algum dia iam realizar juntos um filme sobre luta livre e um filme sobre balé. “Eu não notei que, de um modo bizarro, os dois temas tinham uma relação entre si”, Aronofsky diz, numa manhã gloriosa de outono em Los Angeles.”Eram atividades expressivas, intensas, coreografadas, que exigem preparo físico e capacidade de suportar a dor. Para nós, eram dois excelentes temas para serem expressados visualmente.”
Aronofsky está resfriado, uma caixa de lenços de papel ao seu lado, uma xícara de chá com limão à sua frente na suite do hotel de Beverly Hills que se transformou no quartel general da campanha de lançamento de Cisne Negro, a segunda parte de sua promessa (a primeira, The Wrestler, já lhe angariou várias indicações e prêmios). Mas, mesmo mal disposto, Aronofsky não pretende diminuir seu ritmo de trabalho. “O preço por fazer algo pelo qual temos grande paixão é trabalhar em dobro”,ele diz. “Mas não é um sacrifício, é um prazer.”
Aqui, em duas partes, minha conversa com Aronofsky sobre balé, cinema, doença mental e crise econômica. Nesta primeira parte Aronofsky conta o processo de criação de Cisne Negro _ que, depois de uma estreia limitada superbem sucedida, começa neste fim de semana sua expansão em mais telas.
Como foi a evolução deste projeto? Ele sempre teve esta história, com estas características?
_ Veio de duas vertentes, duas vontades. Eu sempre quis explorar o mundo do ballet. Minha irmã é bailarina, então sempre pude observar esse mundo de perto. Por outro lado, a ideia da personalidade fracionada, a possibilidade do outro, do duplo, sempre me fascinou. Creio que a raiz mais profunda deste projeto está O Duplo, de Dostoivesky, que sempre amei. Eu me perguntava, onde eu posso colocar os elementos dessa história. Pensei na ópera, no teatro _ a primeira versão, escrita por Andres Heinz, chamava-se The Understudy e se passava durante a montagem de uma peça. E aí um dia, conversando sobre balé com minha irmã, ela mencionou, de passagem_ ‘Você sabe que no Lago do Cisnes a mesma bailarina dança a Rainha dos Cisnes e o Cisne Negro?’ Aquilo foi um achado para mim, deu uma outra direção para a história.
E você foi assistir Lago dos Cisnes para conferir?
(ri e assoa o nariz) _ Eu já tinha visto algumas vezes… com uma irmã bailarina, é natural. Mas comecei a ver com outra intenção, e vários elementos se encaixaram. Na verdade o filme poderia se chamar Lago dos Cisnes _ todo o filme é uma tradução do balé, todos os personagens são metáforas dos personagens do balé. Logo numa das primeiras vezes em que vi como pesquisa para o filme eu fui conversar com uma famosa primeira bailarina do American Ballet Theater, Julie Kent, que foi Rainha dos Cisnes muitas vezes. Eu queria saber o que acontecia com ela depois que Rothbart lança o feitiço, ela foi encantada, entendo, mas o que realmente acontece com ela? E Julie me disse: “ela é meio humana, meio cisne. É uma criatura estranha…” Imediatamente na minha cabeça eu vi algo como um lobisomem, mas com cisnes. Uma mulher-cisne… Eu poderia fazer a atualização absoluta do filme de lobisomem, sem lobos e sem homens, mas com uma mulher-cisne.
Fiquei impressionada como você pegou os menores detalhes dos rituais do balé. Você passou muito tempo nesse universo?
_ Era absolutamente necessário. E como mostrei que minhas intenções eram sérias e claras, tive um acesso sem precedentes. Minha memória mais fortes foi estar nas coxias do Lincoln Center vendo o Bolshoi dançar _ aquelas mulheres lindas, altissimas, verdadeiras super modelos, mas com a capacidade atlética de uma campeã olímpica! Na plateia não se tem a menor ideia de nada disso. Na verdade, muito cedo eu tive essa revelação _ balé é um esporte olímpico, exige o mesmo preparo físico, a mesma tenacidade, habilidade, resistência. Só que todo esforço dos bailarinos é não demonstrar nada disso, é fazer tudo parecer lindo, fácil, sem esforço. E eu via como eles saíam do palco resfolegando, sem ar, banhados em suor, muitas vezes com hematomas, sangue…
Como você conseguiu incluir essas observações no filme?
_ Colocando a câmera o mais próximo possível dos meus atores, especialmente Natalie. A personagem foi criada para ela, aliás. Então a câmera tinha que dançar, tinha que estar no palco, nos ensaios. Matt (o DP Matthew Libatique) e eu trabalhamos muito em conjunto, e selecionamos a câmera mais leve possível para Cisne Negro, de forma a estar com Natalie o tempo todo, mover-se quando e como ela se move. Há uma estética natural que se percebe através do viewfinder assim que se pensa o enquadramento desta forma. Os desafios eram como coreografar atriz e câmera, como antecipar onde a bailarina vai estar, onde a câmera vai estar, quão rápido o operador da câmera pode se mover sem lançar sombra… é um quebra cabeças, mas vale a pena.