Sorte, história, memória: as boas ofertas da nova temporada da TV
Ana Maria Bahiana
As ofertas desta época do ano, no cinema, são anoréxicas. Vê-se por honra do ofício, mas, sinceramente, é melhor passar batido. Já na TV… cada vez melhor, e a segunda de Game of Thrones e a quinta de Mad Men ainda nem começaram.
Há alguma coisa no arco longo da narrativa televisiva que oxigena a história, dá espaço para conhecermos os personagens sem a pressa e a enxurrada de clichês que o cinema (principalmente o cinema estritamente de mercado), comprimido em suas duas horas de tela, joga em cima da gente.
É um formato que cada vez mais atrai vida inteligente – em grande parte, ainda, por conta do verdadeiro big bang que foi Familia Soprano, que criou e depois espalhou pelo mercado uma nova geração de roteiristas, diretores e show runners.
Duas estréias me chamaram especialmente a atenção:
Magic City (Starz, estréia 6 de abril) é a resposta do canal Starz à febre-saudade deflagrada por Mad Men. A Starz tem um perfil interessante _ começou como canal pago só de filmes e hoje abriga, entre outras, a bem sucedida Spartacus (a fraca e cara Camelot não teve tanta sorte…) Seu atual diretor é o mesmo Chris Albrecht que deu o ok para Sopranos na HBO ; e , pelo que me contam as cabeças coroadas da cidade, voltou, com a Starz, a ser um dos mais ativos armadores meio de campo do jogo de conetúdo de qualidade para telas menores (e portáteis).
O criador e show runner Mitch Glazer, que nasceu e cresceu em Miami, criou um universo que é metade história, metade memória _ e quando Magic City funciona, ela está exatamente no perfeito ponto de equilíbrio entre as duas coisas. A história, condensada no universo do fictício hotel Miramar Playa, é a soma das forças que definiram o perfil da cidade de Miami: glamour tropical, hedonismo, crime organizado, imigração. A época é cuidadosamente escolhida: Magic City começa na noite de ano novo de 1958 para 1959, com um show de Frank Sinatra, a revolução cubana reportada na TV, piquetes de greve nas ruas, e os tentáculos da Mafia misturando-se com a expansão da indústria do turismo. Há também muita praia, charutos, cha cha cha, twist e um concurso de miss, completando o clima.
No papel de Ike Evans, o dono do Miramar, Jeffrey Dean Morgan (mais conhecido como o Comedian de Watchmen ou o namorado eternamente moribundo de Izzie em Grey’s Anatomy) ancora um elenco repleto de gente bonita espetacularmente bonita . Uma grande parte desse povo não tem muito que fazer além de caras, bocas e muito sexo (mas esse é o clima da série, de todo modo). Felizmente o filé da narrativa é o tango entre Ike e Ben Diamond (Danny Huston, ótimo), o cappo mafioso que é ao mesmo tempo seu aliado e seu inimigo.
É no ambiente – que, como Glazer explica, é tanto um trabalho de reconstrução quanto de memória afetiva – que Magic City triunfa mais rapidamente, transportando o espectador/espectadora imediatamente para um mundo muito além da Miami nova-rica de hoje. É um dos grande trunfos de sua competição mais clara, Mad Men. Mas,ao contrário de Mad Men, Magic City ainda não encontrou a segurança de ritmo e a profundidade psicológica que pode leva-la além de uma deliciosa excursão turística aos trópicos made in USA. Mas promete _ vale dar tempo ao tempo.
Confesso que fiquei passada quando as primeiras críticas de Luck (HBO, no ar desde 29 de janeiro) foram mornas ou negativas. Eu me apaixonei de cara pela série criada e escrita por David Milch (NYPD Blue, Deadwood e outra que acho que só eu gostei, John From Cincinnati) e produzida por Michael Mann e Dustin Hoffman. E não é só porque pega completamente o jeito, o gosto e a aura de Los Angeles e explora com precisão a subcultura das corridas de cavalos e seus habitantes: amei porque imediatamente fiquei intrigada por todos os personagens, curiosa para saber mais sobre eles, de onde eles tinham vindo, como tinham chegado aquela encruzilhada da vida, para onde iriam.
Como a agência de Mad Men ou o hotel de Magic City, Luck tem um universo preciso: Santa Anita Park, em Arcadia, a leste de Los Angeles, que existe mesmo e é considerado (com justiça) um dos mais belos hipódromos do mundo. Com as vidas entrelaçadas às de seus habitantes mais importantes, os puro-sangues (e dois deles são, de direito e de fato, personagens principais da série),um universo de jóqueis, apostadores, treinadores, agentes, funcionários e proprietários oscila na maré entre sorte, escolha e destino, onde cada pequeno passo pode mudar tudo.
Nenhum personagem é pequeno demais. O arrogante treinador Escalante (John Ortiz, excelente), os jovens jóqueis ambiciosos (Kerry Gordon e Tom Payne), o quarteto de apostadores tão viciados que mora num motel ao lado do hipódromo (Kevin Dunn, Jason Gedrick, Ritchie Coster, Ian Hart) são todos igualmente importantes e fascinantes.
Mas estou particularmente impressionada por um quarteto de homens de meia idade interpretados por mestres, cada sutileza de suas interpretações um testemunho do poder da maturidade: o agente de jóqueis Joey Rathbun (Richard Kind), uma bomba existencial prestes a explodir; o treinador Walter Smith (Nick Nolte), curvado sob o peso de uma culpa imensa, capaz de criar laços de verdade apenas com seu cavalo; e a sensacional dupla de amigos e confidentes Chester Bernstein (Dustin Hoffman) e Gus Dimitrou (Dennis Farina), cujos planos e estratégias são o motor da trama (embora só eles mesmos saibam como).
Espero que Luck dure muito. A cada novo episódio ela me vicia mais…