Blog da Ana Maria Bahiana

Como o realismo (e o baixo astral) acabaram com Luck

Ana Maria Bahiana

É extremamente raro eu comentar uma série e , no post seguinte, ter que tecer considerações sobre seu cancelamento.

Mas este é o destino da ironicamente intitulada Luck, que tanto me empolgou em sua primeira temporada. E que, por motivos que exploramos a seguir, foi suspensa no meio das filmagens do que seria a segunda temporada.

A morte de um terceiro cavalo foi o estopim do cancelamento, mas os problemas da série vem de antes, e nem todos envolvem quadrúpedes. Desde a filmagem do primeiro episódio – que foi ao ar nos EUA, como uma preview/ teste em dezembro – pessoas ligadas à produção me diziam que havia uma tensão palpável e muitas vezes explosiva entre o criador David Milch e o produtor Michael Mann. Milch tem a reputação de ser temperamental, teimoso e arrogante _ uma combinação que não é incomum na indústria, mas nem por isso torna as coisas mais fáceis.

David Milch, Dustin Hoffman e Michael Mann na estréia de Luck, em Los Angeles

Dustin Hoffman –que, além de protagonista, também é produtor de Luck – ficava de fiel da balança,  ponto de equilíbrio. Hoffman é queridíssimo por colegas atores e técnicos da equipe, que muitas vezes sofriam com o pavio curtíssimo de Milch. Antes da morte do terceiro cavalo, durante as filmagens desta semana, já havia um clima de quase guerra no set, entre Milch e  Mann, e entre Milch e a equipe. Parte do acordo do showrunner com a HBO incluia a previsão de que ele dirigisse episódios no caso de haver uma segunda temporada. Milch, me contam minhas fontes, não tem a paciência necessária para lidar com os imprevistos, prazos apertados e mudanças rápidas que são comuns numa produção. Muito antes do cavalo sofrer a bizarra queda que levou ao seu sacrifício, Milch já havia demitido pessoas chave da equipe, criado animosidades irrecuperáveis e, num incidente reportado pelo Los Angeles Times, ameaçado Michael Mann com um bastão de beisebol.

O baixo astral da morte dos dois primeiros animais em curto espaço de tempo já era uma nuvem desconfortável pesando sobre a produção. “Eu mesmo fiquei na dúvida se poderíamos ou mesmo deveríamos ir em frente”, Hoffman me disse numa entrevista quando a segunda temporada começava a ser filmada. “A morte dos dois cavalos foi muito triste. Ninguém gosta de sacrificar um animal, ainda mais esses que considerávamos como colegas de elenco.”

Os dois acidentes, ocorridos durante a filmagem de cenas de corrida, fizeram com que a Humane Society, que monitora o tratamento de animais no cinema e TV, retirasse seu endosso a Luck durante vários episódios. A PETA, mais vocal ativista dos direitos dos animais, vinha liderando protestos contra a série desde então, alegando que os cavalos usados não tinham mais idade ou condições físicas de participar das árduas cenas de páreos, principalmente porque, como em todo projeto, as tomadas precisavam ser repetidas várias vezes.

Tanto a Humane Society quanto a PETA haviam sugerido à produção que usasse material documental, filmado durante verdadeiras corridas de cavalos e /ou efeitos digitais. Milch, contudo, insistia no realismo das tomadas, feitas exclusivamente com cavalos recrutados nos serviços que alugam animais para cinema e TV.

Some-se tudo isso a críticas divididas e audiência baixa, e temos  a sentença de morte de Luck.

Ainda bem que Mad Men não tem cavalos. Ou David Milch.