Blog da Ana Maria Bahiana

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Confissões de um homem muito estranho: uma conversa com Guillermo del Toro
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Ana Maria Bahiana

guillermo-del-toro_Fotor   Alguns dias atrás passei uma tarde excepcional com uma pessoa que admiro muito: Guillermo Del Toro. Desde Cronos, em 1993, Del Toro me impressionou como um olhar e uma voz originais e únicas, ao mesmo tempo extremamente culta e radicalmente pop, com uma pegada visual que estava fazendo falta no gênero fantástico. Tudo o que Del Toro fez depois confirmou minhas suspeitas. Ainda bem. Na véspera da estréia norte-americana de The Strain –a  adaptação épica dos três livros que Del Toro escreveu com Chuck Hogan – Del Toro me deu o prazer de uma longa conversa sobre terror, cinema, sua coleção de memorabilia e as três casas que mantém aqui em Los Angeles para abrigar toda a sua tralha, mais mulher e duas filhas.  (Devo acrescentar que Del Toro está, neste momento,  em adiantada pré-produção de Crimson Peak, thriller de terror  gótico sobre casas mal assombradas estrelado por Jessica Chastain, Charlie Hunman e Tom Hiddleston, e que estreia aqui em outubro de 2015….) Alguns momentos bacanas do papo: Você começou sua carreira  na TV, no México, e agora está aqui na TV dos Estados Unidos – como, aliás, vários de seus colegas diretores. A TV está mesmo passando por uma Era de Ouro? _ Eu acho a TV um dos lugares mais interessantes, criativamente, hoje, para se trabalhar. Uma coisa que amo na TV é a possibilidade de mudar o tom da história de temporada para temporada, de desenvolver profundamente os personagens, de criar e explorar quantos arcos narrativos quisermos. E não estou nem falando de algo experimental _ estou falando de um canal pago ou mesmo aberto. Você não precisa correr para desenvolver seu personagem – você não precisa nem mexer nele nas primeiras quatro horas de uma série! E num filme você tem duas horas para fazer tudo! Para quem escreve, como eu, é uma proposta irresistível – hoje podemos ser muito mais audazes, mais ousados, e ainda sim atingir uma grande plateia. Não me espanta que muitos de meus colegas, diretores como Alfonso Cuaron, David Fincher e Steve Soderbergh estejam trabalhando para TV. É onde as coisas interessantes estão acontecendo. Você se policiou ou se restringiu quando adaptou seus livros para a TV? _Eu não sou muito bom em termos de me policiar ou me restringir… Mas até eu achei que alguns trechos dos livros eram pesados demais para serem mostrados… perturbadores demais. Então deixei de fora. Se algo é extremo demais – mesmo numa série que é cheia de momentos extremos – isso pode interferir com a apreciação de toda a história. Ler é uma coisa, ver é outra. Algo excessivo pode passar a ser repugnante, visualmente. E isso sou eu falando – eu que nunca tive medo de coisas repugnantes!

Del Toro e uma parte muito pequena de seu "terrário".

Del Toro e uma parte muito pequena de seu “terrário”.

Como você se define? _ Sou um cara muito estranho. Eu fui um menino muito estranho, e agora sou um homem muito estranho. Adoro minha coleção de monstros, meus kaiju, meus anime, meus posters. Moro numa casa normal com a minha familia mas trabalho nas minhas duas casas anormais onde tudo isso está reunido. E me sinto feliz como um lagarto num terrário. Eu sempre me achei um lagarto. Se você põe um lagarto num shopping, ele vai ficar apavorado, perdido. Mas num terrário ele está bem feliz e contente. Esse sou eu. Você diz isso porque gosta do terror e do fantástico? _Não… é porque eu sou estranho mesmo, e sei disso. Sou obcecado pelo terror e pelo fantástico desde garoto, mas sempre busquei algo diferente nele. Sempre procurei ler tudo sobre o assunto, ver todos os filmes possíveis. Mas quando eu crio, eu sei que estou pegando uma tangente. Estou indo por um outro caminho. Sou igual a um taco com caviar e um pouco de ketchup e mostarda por cima. Nem todo mundo vai gostar de mim, mas é como eu sou. Qual o diretor de cinema fantástico que você mais admira? _Tem muitos… Terror é uma coisa tão pessoal… é tão pessoal quanto comédia… o que faz uma pessoa rir pode dar nojo em outra pessoa… Terror é assim também.  O que eu acho apavorante e genial e sublime outra pessoa pode achar medíocre, e não se impressionar nem um pouco. Admiro muitíssimo John Carpenter. Acho um diretor ousado e maluco que nunca foi devidamente apreciado. Ele é fantástico, inteiramente avant-garde. O Enigma de Outro Mundo (The Thing, 1982) é absolutamente incrível! É fantástico! E no entanto foi massacrado quando estreou… Por isso eu digo que sou estranho mesmo… Se você quiser ler sobre o lado literário da minha conversa com Guillermo del Toro, ela está aqui.


O vampiro mora ao lado: por que o novo Hora do Espanto é melhor que o original
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Ana Maria Bahiana

Colin Farrell e Imogen Poots no novo Hora do Espanto...

Chris Sarandon e Amanda Bearse, no Hora do Espanto de 1985

Quando A Hora do Espanto passou pelos cinemas nos idos tempos de 1985 confesso que não me impressionou muito. Não era – sem trocadilho – de se espantar: os primeiros anos 1980 foram uma era de fartura de excelentes filmes de terror, começando pelo impossivelmente profundo e apavorante O Iluminado, de Stanley Kubrick e incluindo várias outras adaptações de Stephen King – Cujo, Christine, Colheita Maldita; o lançamento de franquias como A Hora do Pesadelo, Sexta Feira 13 e Halloween; George Romero continuando sua saga zumbi com O Dia dos Mortos, Sam Raimi dando o seu troco com Evil Dead. Steven Spielberg escrevia e produzia Poltergeist para Tobe “Massacre da Serra Elétrica” Hooper dirigir, e a fronteira entre riso e grito era amplamente explorada por filmes como Um Lobisomem Americano em Londres, No Limite da Realidade (ambos de John Landis, que também dirigiria o histórico curta/clip Thriller, de Michael Jackson) e Gremlins, de Joe Dante.

Era uma safra e tanto e, olhando em perspectiva, ali estavam os fundamentos do slasher e do terror modernos, empurrando tanto os limites do que era permissível mostrar quanto a profundidade do mergulho psicológico. Efeitos digitais ainda eram um sonho distante, mas os efeitos físicos, principalmente próteses, robótica e animatronics davam um salto quântico nas mãos de uma geração de jovens técnicos criados pelos filmes B dos anos 60: Rick Baker, Chris Walas, Richard Edlund, Greg Nicotero, Stan Winston.  Parceirados com uma nova geração de realizadores com as mesmas influências – Landis, Hooper, Dante, Raimi, mais Wes Craven, John Carpenter – eles realizavam a proposta de, ao mesmo tempo, mais realismo e mais fantasia, o impossível tornado mais aceitável e, por isso, mais assustador.

Com tanta fartura não é de estranhar que A Hora do Espanto tenha passado batido pela minha memória. Vampiros não eram muito comuns nessa safra, e os sofisticados, sexy habitantes de Fome de Viver, de Tony Scott (Catherine Deneuve, Susan Sarandon e David Bowie!!!!) eram muito mais memoráveis. A encruzilhada comédia/terror também não era novidade, assim como não era a inclusão do extraordinário (e extraordinariamente terrível) no cotidiano mais banal (Stephen King era e ainda é mestre nesse setor).

Revisto hoje, A Hora do Espanto de 1985 aparece mais como uma ideia – adolescente tem certeza de que seu vizinho é um vampiro, contra a descrença de todo mundo- não inteiramente resolvida, com um elenco  em grande parte fraco, mais aqueles cabelos e ombreiras absurdas dos anos 80. O que fica são exatamente os efeitos de Richard Edlund, impressionantes até mesmo 26 anos depois, e a presença calmamente aterrorizante de Chris Sarandon como o vampiro que mora ao lado (apesar das lapelas e echarpes…)

Refeito agora em (desnecessário) 3D por um jovem diretor – Craig Gillespie- muito bem escolado na TV (United States of Tara) e cinema independente (A Garota Ideal), o novo A Hora do Espanto é um desses raros casos em que a segunda tentativa ficou melhor que a primeira. Um espertíssimo roteiro de Marti Noxon ( bem treinada na TV: Buffy, A Caça Vampiros, Grey’s Anatomy, Mad Men) enfatiza o principal charme do original, a incrivel banalidade da situação em volta dos inesperados vizinhos. E resolve vários problemas do primeiro filme, principalmente os três personagens secundários (mas importantes): a namorada, a mãe e o melhor amigo. Uma boa escolha de elenco, a excelente fotografia de Javier Aguirresobe (Vicky Cristina Barcelona, A Estrada, A Better Life) e uma combinação impecável de efeitos físicos e digitais se incumbem do resto.

O assustadiço adolescente agora é o ótimo Anton Yelchin, que mora com a mãe (Toni Collette) nos subúrbios que mais crescem nos Estados Unidos: os de Las Vegas, surreais em si mesmos como comprova a sensacional imagem de abertura , um retângulo de luz perdido numa vastidão de nada, com a silhueta psicodélica da Strip de Las Vegas à distância. Para a casa ao lado, tão genérica quanto qualquer outra do condomínio, muda-se  o misterioso Colin Farrell, sedutoramente arrogante como pede o papel  ; a namorada é a inglesinha Imogen Poots (V de Vingança, Extermínio II), autoconfiante e despachada; e o melhor amigo, especialmente mal resolvido no filme original, agora é Christopher Mintz Plasse como mais um nerd oprimido pela espetacular mediocridade das turminhas de ginásio. (Numa alteração substancial e eficiente, neste Espanto é o amigo quem primeiro desconfia do vizinho _ porque,como bom nerd, ele possui vasto conhecimento da mitologia vampiral, e nutre especial repulsa pelos vampiros bonzinhos da série Crepúsculo).

Outra transposição muito bem feita foi a do “caçador de vampiros” Peter Vincent (o nome uma homenagem a dois grandes do horror clássico- Peter Cushing e Vincent Price).  Em ambos os Espantos seu papel na trama é representar  o passado do mito do vampiro na nossa cultura pop e a possibilidade de verdade atrás das histórias que contamos para nós mesmos. No primeiro filme ele era um apresentador de TV (Roddy McDowall) relegado ao horário da madrugada, apresentando filmes B, C e Z para impressionar adolescentes insones. Como a TV hoje não tem mais esse poder, o novo Peter Vincent (o inglês David Tennant) é um astro de Las Vegas na linha Criss Angel, rock n roll, gótico, cheio de atitude. Seu posto na narrativa continua o mesmo: seus truques recriam cenas clássicas dos filmes de terror, relembram as regras do mundo vampiresco, reancendem seu poder em nossa mente… e na dos impressionáveis adolescentes lidando, possivelmente, com um vizinho sinistro.

Se você não viu o filme de 1985, mais não contarei (a não ser alertar para a presença de Chris Sarandon numa ponta saborosa…) . Digo apenas que a mesma mistura de riso e susto está presente aqui, muito melhor expressada e resolvida, com um  aceno de respeito à trajetória da mitologia. E, muito importante, com vampiros como os dos bons tempos, famintos, cheios de dentes, sem dar a mínima para nós, pobres mortais. Se você quer um passatempo bem feito para uma noite de sábado, não há como errar.

A Hora do Espanto está em cartaz nos EUA e tem estreia prevista no Brasil para dia 7 de outubro.

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