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Guardiões da Galáxia: quando cinema é a melhor diversão
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Ana Maria Bahiana

Guardians abre

Confesso: estava com dois pés atrás com Guardiões da Galáxia (Guardians of the Galaxy, dir. James Gunn, 2014) e admiti isso francamente lá no meu ask.fm. E tinha bons motivos:

  1. Aquele trailer. Imagino, aliás sei, que o marketing da Disney é danado de bom e mirou exato no alvo do público essencial do filme. Que não sou eu. Isso talvez explique porque, depois de ver algumas iterações do trailer, minha vontade de ver Guardiões chegou abaixo de zero.
  2. A overdose de filmes de super-herói. Neste último sábado, numa workshop de marketing e branding, a Marvel foi usada como case de uma grande virada de reposicionamento. E é mesmo – justo quando o consumo de seus quadrinhos estava em estagnação indo para a decadência, ela se reinventou desencarnando conteúdo de plataforma e invadindo cinema, TV e games. Palmas pra ela. Agora, que já esgotou minha paciência, ah isso já.
  3. James Gunn. Me perdoe, Jim, mas conheci você quando você batia panela pela Croisette, em Cannes, atrás do Lloyd Kaufman , parte do comboio da Troma, a produtora divertida e absolutamente classe-Z de gemas como Toxic Avenger, Splatter University e, para citar uma obra sua, Tromeo and Juliet. Isso seria até uma coisa boa – aí está Roger Corman que não deixa niguém mentir – mas você deu sequência à sua carreira com algumas coisas mega fracas para TV, e um filme tão execrado _ Movie 43 _ que merecia uma Framboesa de Ouro especial, cravejada de paetês.

Tendo dito tudo isto, evitei como pude as cabines oficiais e fui ver Guardiões como se deve – num cinemão de bairro lotado, com um balde de pipoca no colo e cercada pelo público-alvo por todos os lados. E adorei.

Alguns colegas apontaram – com razão – que Guardiões é um filme transnarrativa, ou meta-meta (termo que soa absolutamente pornográfico em nosso idioma, mas vá lá…). Ou seja, é um filme que prescinde de história, que se segura num fiapo de trama sem nenhum compromisso com fazer sentido ou apresentar grandes contornos dos personagens e seus dilemas. É um filme sobre uma experiência audio-visual. Quase, desculpem a blasfêmia, um Terrence Malick trincado depois de uma overdose de Red Bull. GUardians 1 Certo, existe um elemento disparador – um globo misterioso perseguido por várias facções interplanetárias, cada qual com sua agenda – mas isso é o de menor importância. Estudiosos e fiéis do cânon Marvel – no qual a saga dos Guardiões é decididamente um evangelho menor- poderão discorrer longamente sobre Kree e Xandar, ou a diferença entre Ronan e Thanos (ou sobre a exatidão da peruca da Glenn Close como Nova Prime).

Para mim, e, pelo jeito, para quase todo mundo na sala de cinema superlotada, não fazia a menor diferença. O prazer do filme era seu ritmo exato, sua medida certa entre aventura e comédia, seu grupo de adoráveis anti-heróis no meio de tudo, a dinâmica de suas sequências de ação, a insistência em não se levar a sério, suas múltiplas referências pop, de Indiana Jones a Kevin Bacon, de Star Wars a O Segredo das Jóias, com pitadas de Flash Gordon, Jornada nas Estrelas e Os Eleitos. Tudo isso ao som da mais inesperada das trilhas – o mix tape de pop e rock dos anos 1970 e 1980 que nosso herói Peter Quill (Chris Pratt, perfeito) ouve insistentemente, referenciando um dos poucos pontos consistentes da história, sua ligação com a mãe, autora das fitas.

Quando, no tempo das canções dessas fitas, George Lucas e Steven Spielberg decidiram abraçar publicamente sua paixão pop, dando uma guinada numa geração criada à sombra da nouvelle vague e do neo-realismo, eles estavam pensando nos seriados de baixo orçamento que formaram o imaginário da geração de seus pais. Guardiões faz muito isso, pegando agora o fio de outras gerações – as criadas com os filmes de Spielberg e Lucas – e dando a ele o tratamento cinco-estrelas que os efeitos de hoje permitem. Guardians Gunn Não é a toa que o cinema estava cheio de famílias completas, mães e pais e avós e avôs levando seus filhos e netos e divertindo-se com eles, possivelmente por motivos diferentes, cada qual criando sua própria história e referências em cima da experiência de ver o filme. Meta-meta. A obra é a história.

Então, Jim, desculpe a desconfiança. Eu devia ter lembrado que você também escreveu o ótimo Madrugada dos Mortos (Dawn of the Dead, 2004) e dirigiu o estranho mas super interessante Seres Rastejantes (Slither, 2008). E qualquer filme que começa com “I’m Not In Love” já ganha meu coração logo na largada.


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