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Os deuses estão loucos: a jornada olímpica de Prometheus
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Ana Maria Bahiana

Em primeiro lugar, desculpem a demora em postar sobre um dos filmes que eu, você, nós estávamos esperando ansiosamente este ano _ estava rodando o Brasil de Porto Alegre a Fortaleza… Em segundo lugar, aviso aos de sensibilidade delicada: é possível que algo neste texto possa ser considerado SPOILER; então (embora o filme esteja em cartaz no Brasil), prossiga com cautela.

Num futuro não muito distante, um grupo de cientistas ruma às fronteiras mais remotas do espaço na esperança de fazer contato com o ser ou seres que , segundo indícios recém-encontrados, podem ter dado origem à vida na Terra.

Você já viu esse filme. E, se não viu, devia ter visto: ele se chama 2001, uma Odisseia no Espaço, e foi realizado por Stanley Kubrick no remoto ano da graça de 1969.

Prometheus, o filme de Ridley Scott que, nas palavras do diretor, “compartilha DNA” com Alien, o Oitavo Passageiro, enrosca-se geneticamente, também, na obra prima de Stanley Kubrick. Mas, enquanto 2001 tinha o tempo, o espaço e a visão para ser uma meditação filosófica sobre quem somos e de onde viemos, Prometheus precisa seguir um mandato bem diferente: ele precisa assustar. E tem um problema a mais: não pode nem se dar à calma com que Scott explorou o clássico conceito monstro-em-espaço-restrito em seu filme de 1979. Tudo em Alien era timing, silêncio, escuridão, uma valsa lenta de horrores que subitamente se acelerava quando, por exemplo, John Hurt de repente começava a ter violenta falta de ar. O ritmo de Alien tinha mais em comum com outra obra esplêndida de Kubrick, O Iluminado, do que com o frenético festival de sustos que dominaria a linguagem do thriller nos anos seguintes.

Imagino que, para Scott – um realizador de ampla visão e preciso conhecimento do seu ofício – o grande desafio de Prometheus tenha sido manter-se fiel ao DNA de suas origens e, ao mesmo tempo, satisfazer novas plateias acostumadas a uma sacudidela por segundo. Achei interessante que, para explorar as origens, digamos assim, genéticas, do seu monstro dentuço e rabudo, Scott tenha se aliado a Damon Lindelof, um dos principais roteiristas da série Lost, ao mesmo tempo em que, na direção de arte, retornava aos revolucionários conceitos do artista plástico suíço H.R. Giger, cuja integração entre o orgânico e o mecânico é essencial para a mitologia de Alien. Uma indicação segura de que, para ele, mitologia vinha em primeiro lugar no desenvolvimento do projeto.

Tenho um forte palpite de que deve-se a Lindelof a conexão com 2001, Uma Odisseia no Espaço. E com Lawrence da Arábia, o super clássico e oscarizado filme de David Lean, de 1962, que dá uma grande chave para decodificar Prometheus:  “Grandes coisas tem começos pequenos”,  diz Peter O’Toole como T.E. Lawrence, o Lawrence da Arábia, segundo o roteiro de Robert Bolt , ecoado aqui por David, o androide (brilhantemente) interpretado por Michael Fassbender. Como o personagem de David Bowie em O Homem Que Caiu na Terra (Nicolas Roeg, 1976), David  é um estranho numa terra estranha, uma criatura na fronteira entre o humano e o não humano, infinitamente inteligente e portanto curioso sobre o processo que leva um ser a querer criar outro. Não é demais supor que seu nome venha tanto de Bowie quanto do Dr. Dave Bowman de Keir Dullea em 2001, murmurado em tons tão docemente sinistros pela aquela outra inteligencia artificial de idêntica curiosidade, Hal.

Também não é demais supor que Scott, enamorado com as múltiplas camadas de intriga do confronto criador/criatura, tenha se sentido impulsionado em duas direções, a jornada mitológica e a montanha russa do terror. Eu teria gostado mais de ver um filme que conseguisse ser as duas coisas ao mesmo tempo, mas aceito que, no mercado impiedoso de hoje, seria praticamente impossível realizar uma obra assim, com o orçamento necessário.

Então, em Prometheus, temos dois filmes dividindo o tempo da tela. No primeiro, a busca existencial dos astronautas de 2001 Uma Odisseia no Espaço se repete, sem a poesia do filme de Kubrick, mas com todo o entusiasmo voraz e a escala épica que são a assinatura de Ridley Scott. Prometeu, encarnado na Elizabeth Shaw da excelente Noomi Rapace, voa ao Olimpo em busca do fogo divino, a centelha da criação. No segundo, a necessidade de sustos contínuos é alimentada quando os deuses revelam  que o orgasmo do ato criativo traz em si a loucura despótica da destruição e Elizabeth/Prometeu paga seu preço, literalmente, na carne _e transforma-se na ancestral de outra heroína mitológica da mesma saga, a Ripley de Sigourney Weaver.

Não é a obra excepcional que poderia ter sido mas é, sem dúvida, um dos mais sensacionais, belos, perturbadores e inteligentes filmes da temporada pipoca – e só digo “um dos” porque ainda não vi Batman-O Cavaleiro da Trevas Ressurge.  Nos tempos magros que vivemos, toda ambição bem sonhada, mesmo com falhas, deve ser recompensada.


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