Blog da Ana Maria Bahiana

Arquivo : Daniel Radcliffe

Lobos, anti-heróis e fantasmas ocupam o terreno baldio do começo do ano
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Ana Maria Bahiana

Começo de ano é uma época esquisita por aqui. Os “grandes” filmes foram todos descarregados em dezembro, para consideração dos votantes. Alguns começaram em janeiro uma expansão para mais telas além de Los Angeles e Nova York.  Mas, na maior parte dos casos, janeiro-fevereiro-março são meio os terrenos baldios do calendário de lançamentos, onde são descarregados títulos sem vaga nos outros meses mais concorridos.

A quantidade de ervas daninhas, como vocês podem imaginar, é enorme. Mas de vez em quando há lançamentos dignos de nota. Como estes:

Quase todo início de ano, desde 2009, estréia um mesmo filme com títulos, diretor, locação e elencos diferentes, todos estrelados por Liam Neeson. A história é essencialmente a mesma: ameçado por algo terrível, sozinho contra tudo e contra todos, Neeson abre caminho na porrada para resolver o problema.  A história já se chamou Busca Implacável e Desconhecido (Neeson fez uma pausa em 2010 por conta de Esquadrão Classe A) e, este ano, voltou com uma versão atualizada: A Perseguição (The Grey), dirigida pelo mesmo Joe Carnahan de Classe A.

Na lista dos pontos positivos, A Perseguição começa maravilhosamente, definindo de forma rápida e poderosa o perfil do personagem de Neeson, um atirador de mira perfeita, contratado para proteger uma equipe de trabalhadores numa base de prospecção de petróleo nos cafundós do Alasca. A fotografia de Masanobu Takayanagi (Babel, Warrior) é excelente, contribuindo para estabelecer o clima de isolamento gélido que é essencial para a história.

As coisas ficam bem menos interessantes depois que a trama se muda para uma região ainda mais remota e entram em cena os vilões da história: os lobos. Infelizmente os lobos que o orçamento podia custear se parecem muito com versões menores daqueles de Crepúsculo. Para complicar ainda mais, a história entra no velho esquema um-a-um-o-grupo-é-atacado, com uma adesão tão completa aos clichês que qualquer pessoa que já tenha visto filmes de sobrevivência na natureza selvagem (ai que saudade de O Sobrevivente, de Werner Herzog…) é capaz de antecipar cada passo do malsinado grupo liderado por Neeson.

A Perseguição foi a bilheteria número 1 nos EUA em sua estréia semana passada, e sai no Brasil dia 20 de abril.

Denzel Washington é outro que tem o hábito de fazer o mesmo filme _ só que ele se dá ao luxo de fazê-lo com o mesmo diretor, Tony Scott. “É, eu sei, mas a verdade é que gosto muito de trabalhar com ele, e ele vive me telefonando…”, Denzel me disse. “E eu acabo dizendo sim, automaticamente…”

Ainda bem que, desta vez, quem ligou não foi Tony Scott mas o interessantíssimo diretor sueco-de-origem-chilena Daniel Espinosa. Espinosa dirigiu o maior blockbuster da Suécia, o altamente recomendável Snabba Cash (que, entre outras coisas, lançou internacionalmente a carreira de Joel Kinnaman). E agora, em Protegendo o Inimigo (Safe House) trouxe um novo vigor a este bom roteiro de David Guggenheim sobre um ex-agente da CIA (Denzel Washington) em fuga porque sabe demais.

Washington e Ryan Reynolds (como seu relutante captor) fazem uma boa dupla, polos opostos de cinismo e convicção. E Espinosa mantem o ritmo em pulso perfeito, com algumas sequências de ação dignas dos melhores momentos da trilogia Bourne. Detalhe curioso: no roteiro original a ação se passava em Buenos Aires, mas nossos vizinhos portenhos não foram hospitaleiros o bastante para que valesse a pena transferir a produção para lá. A Cidade do Cabo, na África do Sul, correu para oferecer seus serviços _ e valeu a pena. Entre outras coisas, há uma perseguição no estádio da Copa, com vuvuzelas e tudo, que é sensacional, lembrando a caçada na estação do metrô londrino de Ultimato Bourne.

Protegendo o Inimigo estréia nos EUA dia 10 de fevereiro e no Brasil dia 9 de março.

Depois de tantos e tantos filmes de tortura e sadismo empurrados para dentro da denominação  “terror”, é uma delícia altamente inspiradora ver um clássico do gênero, fiel às suas regras e reverente ao seu mandato fundamental: apertar os botões do nosso inconsciente, possibilitado a terrível, maravilhosa catarse pelo pavor.

A Mulher de Preto (Woman in Black) é exatamente isso. Seu material de base é um livro britânico de 1982- que já  foi adaptado para TV, rádio e teatro – mas sua inspiração vem mais de longe, das histórias de fantasmas da época vitoriana, ao mesmo tempo arrepiantes e líricas.

Trabalhando sob a bandeira da Hammer – sinônimo de terror britânico super-clássico – o diretor James Watkins (Sem Saída/Eden Lake, thriller imperdível de  2008, com Michael Fassbender) manteve-se completamente fiel às regras do gênero, usando a tecnologia de hoje para criar o ambiente ideal da boa obra de terror: o lugar, físico e emocional, onde moram as sombras, as portas fechadas, os segredos, os pântanos. E lembrando sempre o essencial: toda boa história de fantasma é uma história de seres humanos, suas perdas, suas culpas, suas coisas não ditas e não resolvidas.

Quem gosta muito de sangue e tormentos físicos não precisa comprar ingresso. Quem se arrisca a ter muito medo da melhor maneira possível – sob controle, e com toda a repercussão humana desse tipo de história – venha correndo.

Ok, eu podia viver sem a trilha barulhenta – precisamos mesmo sublinhar tanto os momentos-chave? Mas não poderia ficar sem Daniel Radcliffe perfeito  como o jovem viúvo remoído de sombras interiores, que finalmente encontra o espelho de sua alma no isolado lugarejo da costa britânica  .

A Mulher de Preto estréia hoje, dia 3, nos EUA, e em fevereiro ainda sem data no Brasil.

 


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