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Quando a força irresistível abraça o objeto imutável : a jornada do Cavaleiro das Trevas chega ao fim
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Ana Maria Bahiana

Atenção: todo cuidado foi tomado para evitar qualquer informação prejudicial à plena apreciação do filme. Mas se você é muito sensível a SPOILER, leia depois de ver.

 

“Coloque tudo o que você tem de melhor no terceiro ato. É isso que o público recorda mais.” – Billy Wilder

Para começar, pensem num Herói primordial. Hércules (ou Héracles, para os gregos), por exemplo. Nascido do mais poderoso dos deuses, Zeus, e uma bela humana, Alcmena, sua vida é, em essência, uma longa batalha contra as forças do caos, em defesa da frágil civilização dos humanos. Pensem em como ele, como todos os Heróis de nosso arsenal mitológico, funde o humano e o divino, ou seja, o  imortal, destinado ao Olimpo e a séculos e séculos em nossa memória, através de histórias, livros e, é claro, muitos filmes B italianos.

Não sei se Christopher e Jonathan Nolan releram seus livros de colégio sobre mitologia grega enquanto escreviam o ato final de sua trilogia Batman. Mas há uma distinta possibilidade de que isso tenha acontecido. Porque o que distingue a abordagem de Nolan da de seus colegas, em se tratando de super-heróis, é sua capacidade de ver, neles, o poder do mito _ a história básica, essencial, antiga como o cérebro humano, atrás da superfície pop da hq.

Seu desafio, em O Cavaleiro das Trevas Ressurge, era encontrar um ato final digno da origem e da jornada  do herói. Entre muitas possibilidades, Hércules era um bom template _ como ele, Bruce Wayne é um humano nascido em berço esplêndido, protegendo a frágil civilização de Gotham City contra os monstros do caos. O fogo divino que torna possível suas proezas é o legado supremo de Prometeu: a tecnologia. E há em ambos uma atração pelo perigo que se aproxima do suicida.

Digo logo porque sei que muita gente está aturando esta conversa de mitologia clássica só para saber se ela chega aqui: sim, vale super a pena ver O Cavaleiro das Trevas Ressurge; não, ele não decepciona em nada os fãs da trilogia. O que já é dizer muito considerando a fraqueza crônica dos terceiros filmes de franquias …(com a brilhante exceção de O Retorno do Rei, um filme que, Nolan disse, estava “na nossa – dele e do irmão Jonathan – mente o tempo todo enquanto pensávamos este filme”).

O principal reparo que eu faria  é que Ressurge sofre de um problema comum nos  filmes de Nolan: excesso de história. Há tanta coisa jogada na tela nos dois primeiros atos – a conspiração de Bane, as intrigas políticas de Gotham City oito anos depois da morte de Harvey Dent , da queda de Batman e da destruição do Bat-Sinal, o estado das coisas na mansão e na sede do conglomerado Wayne – que só resta a Nolan uma solução: resolver tudo a toda velocidade no terceiro ato, usando um monte de diálogo explicativo (o que no jargão do ofício se chama “exposição”).

É, infelizmente, a solução menos sutil a que um realizador pode recorrer.  Mas a ambição e competência de Nolan são tamanhas que perdôo tudo. Por que reclamar? Todas as atuações são igualmente excelentes, da linguagem corporal com que Tom Hardy – incapacitado de usar o rosto como instrumento dramático – desenha o poder, o carisma e a absoluta devoção ao caos de Bane (“eu sou o mal. O mal necessário.”) a um tipo de atuação mais introspectiva e variada do que já vi Anne Hathaway fazer até agora, numa Selina que é uma parte Modesty Blaise (googleiem, leitores), duas partes todas as heroínas sofisticadas do cinema dos anos 1940. E prestem atenção ao colar de pérolas (alô, Édipo?).

Nolan usou a pesadíssima e hiper-precisa câmera IMAX para captar as cenas de perseguição e conflito, e os resultados são espetaculares _ principalmente na sequencia de abertura, que, levando muito adiante um momento de O Cavaleiro das Trevas, já se torna um clássico instantâneo. A escala gigante do IMAX torna épicas as  manobras dos bat-veículos, os embates entre grandes multidões, os vôos e mergulhos nos canyons noturnos de Gotham.

Mas creio que, acima de tudo, admirei em Ressurge a elegância com que Nolan concluiu sua bat-trilogia, o modo como o terceiro filme retorna aos elementos do primeiro filme, incorporando todo o drama do segundo, e oferecendo a única solução possível para uma verdadeira resolução de tantos temas. Uma trilogia, encarada com a profundidade e fôlego que Nolan dedicou a Batman (e que muitos poderiam ter ignorado, já que, afinal, trata-se de um produto pop…) tem muito em comum com uma sinfonia _ um tema, diversas variações, evoluindo, encontrando-se, desencontrando-se, tornando-se mais complexas, retornando e afinal concluindo em um acorde que tudo resume e ilumina.

Batman Begins era essencialmente sobre medo _ a natureza do medo, como reconhecê-lo, como respeitá-lo, como dominá-lo, como usá-lo. O Cavaleiro das Trevas adicionava a esse tema as harmonias e contrapontos da identidade – o que é rosto, o que é máscara, o que é cara, o que é coroa, onde se esconde a verdadeira natureza do indivíduo –e, por consequencia, a discussão moral do que é heroísmo e o que é vilania. O (clássico e ainda excepcional) Coringa de Heath Ledger, escrito pelos irmãos Nolan, diz as frases definidoras desse segundo movimento: o Coringa é necessário, essencial ao Batman, como o caos é necessário à ordem, o paradoxo supremo, eterno, da força irresistível contra o objeto imutável (Bang! Bang! Bang!, acrescentaria Jane’s Addiction).

 

O Cavaleiro das Trevas Ressurge começa com o contraponto entre raiva e resignação. O jovem e inquieto policial John Blake de Joseph Gordon-Levitt – uma interessantíssima adição ao repertório- introduz o tema em uma das grandes cenas do filme, discutindo com Bruce Wayne o quanto a dor primordial do abandono, da orfandade, cria raízes profundas na alma e, imperceptívelmente, dá forma a toda uma vida, criando máscara após máscara. Wayne não nega o que ele sabe ser a mais completa verdade, mas oferece o tema complementar da aceitação _ aceitação da dor, aceitação da raiva, aceitação da passagem do tempo e da idade que, a esta altura da saga, consumiu uma boa parte do seu corpo e do seu ânimo. Aceitação, sobretudo, do fato de que uma de suas identidades – o Batman – possa não mais existir, por não ser mais possível ou necessário (um tema levantado no filme anterior, e continuado aqui com precisão). Embutida nesta aceitação está um conceito que vem do primeiro filme: Batman é mais que um ser humano; é uma ideia, uma lenda ( ou talvez, como um fã imaginou, O Grande Truque com mais máscaras.)

 

A resolução se dá num grande acorde onde se misturam novos personagens e identidades – além de Blake/Levitt, Selina/Anne Hathaway e Miranda/Marion Cotillard – provocado pela introdução de mais uma força irresistível do caos: Bane, o antagonista que, mais uma vez, utiliza os instrumentos do medo e da raiva e, como o Coringa, é essencial para a identidade do herói. Mas que talvez seja o que ele não tem como resolver ou seja, derrotar. Porque talvez, como Ressurge sugere, a solução do paradoxo seja a união, a fusão, o abraço final entre a força e o objeto, ordem e caos, Batman e Bane. Para isso, Ressurge volta elegantemente ao princípio de tudo, re-enuncia o tema e traz, com tímpanos e metais, a grande harmonia final.

Quantos filmes de super-heróis conseguem trazer tantos elementos e merecer tanta reflexão?

Pois é.

E sim, a tentação de comparar o Bane de Tom Hardy com o Coringa de Heath Ledger vai ser imensa, mas não encorajo. São duas criaturas completamente diversas (ou seriam duas manifestações da sombra, do lado oculto do herói?), executadas com absoluta perfeição por dois atores muito diferentes e igualmente brilhantes. E por favor uma salva de palmas para Christian Bale, que envergou a pesadíssima dupla máscara de Bruce Wayne/Batman durante toda a trilogia com impecável precisão e profundidade.

Simplesmente apertem os cintos e embarquem (em IMAX de preferência). É uma grande e imperdível jornada ao inevitável fim. Batman- O Cavaleiro das Trevas Ressurge estreia dia 20 nos EUA e dia 27 no Brasil.


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