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Os filmes da temporada ouro: Blue Jasmine
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Ana Maria Bahiana

A temporada-ouro começou. Mesmo sabendo que uma grande parte destes filmes só estrearão no Brasil em 2014, vou procurar manter vocês atualizados com resenhas dos títulos mais importantes da temporada.

 

 

Eis o que admiro em Woody Allen: que em sua maturidade ele continue  correndo riscos. Sua fase aventuras-em-belas-cidades-ao-redor-do-mundo tem os altos e baixos que se esperaria de um jovem realizador cheio de ideias e indiferente à possibilidade de dar com os burros n’água.

E quando eu começo a suspeitar que parte dessa oscilação talvez tenha a ver mais com preguiça do que com inspiração, eis que vem um filme como Blue Jasmine e responde, alto e bom som: não. Aqui está o que Allen faz de melhor: compreender plenamente a complicada condição humana e encapsulá-la em duas horas de precisa dramaturgia.

Mais jovem, Allen comentava nossas falhas e fraquezas com o riso, seu humor neurótico afagando o neurótico em cada um de nós. Com a perspectiva do tempo, ele ficou mais comedido, mais exato, deixando o ridículo da divina comédia se expressar sem a necessidade de sublinhar.

Blue Jasmine é um riff woodiano em cima de Um Bonde Chamado Desejo, de Tennessee Williams. O bonde agora não se chama Desejo, estamos  não na Louisianna barroca mas entre duas costas, entre a dolce vita dos novos milionários de Nova York e o bravo mundo novo de San Francisco. Como Blanche Dubois, Jasmine (Cate Blanchett) inventou seu nome, perdeu uma vida de luxo por motivos que nem ela consegue articular bem e precisa viver “dependendo da gentileza de estranhos” – a começar por sua irmã  Ginger (Sally Hawkins), que mora num apartamento modesto , dá duro para criar dois filhos e agora abriga a fugitiva “em busca de uma nova vida”, mas sem a menor noção de como vivê-la.

Como em Bonde, há um homem bruto, dominador e sensual – aqui, o namorado de Ginger, Chili (Bobby Cannavale), vagamente ecoando o Kowalski de Marlon Brando na montagem original da peça, em 1948, e na sua adaptação  cinematográfica, em 1951. Ao contrário da obra de Williams, contudo, não é ele o catalisador do drama:  disso Jasmine em pessoa se incumbe, com seus modelitos Chanel e seus copos de uísque mal servindo de defesa contra uma realidade que nega enquanto pode _ até que ela, inevitavelmente, acerta o passo.

Nos seus anos dourados Woody Allen se tornou cada vez mais um dramaturgo, e a precisão do texto e a construção dos personagens são sua principal preocupação. Ainda bem que ele tem a colaboração de Javier Aguirresarobe na fotografia, captando as diferentes intensidades de luz de Nova York e San Francisco, Atlântico e  Pacífico, e esgueirando-se em torno de Jasmine/Cate, da poltrona de classe executiva no vôo que abre o filme ao banco de praça onde ela aterrissa, na última cena.

Sally Hawkins desincumbe-se brilhantemente de sua Ginger, e Alec Baldwin está perfeito num papel que é sua especialidade – o tubarão falso e insensível. O restante do elenco é repleto de nomes bons , alguns surpreendentes – Louis C. K.,  Andrew Dice Clay, Peter Sarsgaard. Mas a verdade é que o filme é Cate. Sem ela, seria um bom filme. Com ela, com sua profunda compreensão de quem Jasmine é,com  sua capacidade de traduzir ideias, memórias, dores e esperanças pela pele, pelos olhos, por um tremor de lábios, Blue Jasmine é um mergulho gradual , brilhante, sem amarras, no poço sem fundo das ilusões humanas.

Blue Jasmine está em cartaz nos Estados Unidos e estreia no Brasil dia 11 de outubro.

 

 


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