Adeus, Marvin Hamlisch, que encheu o cinema de canções
Ana Maria Bahiana
Ana Maria Bahiana
Tags : cinema compositor Marvin Hamlisch música
Ana Maria Bahiana
Tags : Gore Vidal
Ana Maria Bahiana
Ah! O romance do jornalismo na tela! Toda vez que este tema ressurge eu sinto extrema solidariedade com advogados, médicos, policiais e cientistas de toda especialidade — sim, é enorme o abismo entre a realidade de nossa profissão e a fantasia da tela de qualquer tamanho.
Duas séries –uma nova, a outra, de 2011, estreando agora sua segunda temporada – me fizeram retornar ao assunto.Série de TV sobre telejornalismo é um jogo de espelhos curioso. Intrigada no por que deste renovado fascínio com uma profissão em risco de extinção, fui rever a grande trilogia de filmes sobre jornalistas de TV, a sub-espécie que parece estar na moda, agora: Boa Noite e Boa Sorte, de George Clooney, 2005; Nos Bastidores da Notícia, de James L. Brooks, 1987; e a obra prima Rede de Intrigas, de Sydney Lumet, 1976.
Embora sejam muito diferentes entre si (e todos uniformemente ótimos) esses três filmes falam da mesma coisa: do poder e da fragilidade do telejornalismo, duas faces profundamente interligadas da mesma moeda. O poder gera a paranóia, o antagonismo, a arrogância e a possibilidade de corrupção em doses proporcionais à sua extensão. Quanto mais poderoso e influente um telejornal, mais ele atrai todas essas forças contrárias, mais expõe sua fragilidade.
Essa é a constante nos três filmes, o elemento que gera o drama ou, no caso de Bastidores da Noticia, a comédia. Nos anos 1950 de Boa Noite e Boa Sorte, o oponente é a intolerância política, deixando ao telejornalista (o verdadeiro Edward Murrow, vivido por David Strathairn) o papel de herói. Nos anos 1970 as coisas já não são tão claras. A vice presidente de programação interpretada por Faye Dunaway em Rede de Intrigas antecipa claramente o que estamos vendo agora, 30 anos depois — que o telejornalismo estava destinado a acabar nos braços do entretenimento, devorado pela natureza dispersiva da TV. No final dos 1980, o personagem de William Hurt em Nos Bastidores da Notícia representa a nova geração de âncoras que não tem o menor problema com o jornalismo-entretenimento: ele é jovem, louro, bonitão, brilhante e bem escovado como uma moeda nova, um contraste com o veterano vivido por Albert Brooks, sisudo, vagamente soturno, de aparência pedestre. “Você tem sempre que vender alguma coisa”, Hurt diz para Brooks, que , grande ator que é, tem um segundo de náusea quase física na tela.
São simplificações, é claro– senão não seriam filmes de ficção, seriam documentários.
O que nos leva de volta às nossas queridas séries. Começo pela que está dando mais o que falar: a nova, The Newsroom, de Aaron Sorkin para a HBO. Eu comecei a ficar preocupada com a série quando Sorkin me disse, numa entrevista antes do lançamento, que, até uma estada em Londres para promoção de A Rede Social, ele jamais tinha visto um noticiário da BBC. Como assim, meu caro? Não falo nem de internet mas… você não tem um pífio cabo ou receptor de satélite em casa? Ou isso seria (como temi) o irredutível egocentrismo norte-americano, capaz de estar presente até nas pessoas mais inteligentes e bem informadas, que garante que o mundo termina ali logo depois da estátua da Liberdade ou do pier de Santa Monica.
Sorkin escreve como poucos. Isso eu não discuto. Ouvindo o diálogo fulminante e passional do mestre roteirista Paddy Chayefevsky em Rede de Intrigas eu me lembrei de onde Sorkin tira a matriz do seu trabalho. Eu só esperava que ele pusesse seu talento a serviço de algo um pouco mais bem pensado, menos óbvio do que está se vendo em The Network.
O ponto de partida é bom: a degradação da notícia relatada, por exemplo, na trajetória dos três filmes que mencionei, chegou ao fundo do poço. Notícia é entretenimento. Equilibrio, imparcialidade e boa informação foram para o espaço. O programa que a personagem de Faye Dunaway inventa em Rede de Intrigas, uma mistureba de manipulação ideológica, números de variedades e casos escabrosos – e que Chayefsky/Lumet usam como sátira- seria, hoje, real e líder de audiência (na verdade, em muitos aspectos, ele já existe.). Quem se levantará contra isso, retomando o manto heróico de Edward Murrow e seus contemporâneos?
Sorkin nos oferece, como resposta, seres tão fantásticos que poderiam ser anjos em vez de jornalistas. Em meus longos anos neste ofício eu trabalhei sob a direção de grandes editores e diretores de redação, em TV, jornais e revistas, inclusive verdadeiros heróis na época da ditadura. Mas jamais encontrei um líder tão abnegado como o Charlie vivido por Sam Waterston, cuja mantra é “não quero saber de índices de audiência! façam o que vocês acharem melhor!”.
Seu espírito imaculado deve ter contaminado a ainda menos plausível produtora Mackenzie de Emily Mortimer. Emily é uma bela atriz, mas não sei se tem a dureza e a garra necessárias para encarnar uma produtora feroz de um telejornal em horário nobre, ainda mais um sob a bandeira quixotesca ( a metáfora é batida e rebatida e repetida várias vezes ao longo da série, caso o público não tenha percebido) de Charlie. Emily/Mackenzie arregala muito os olhos, abana as mãos e, no final, fica com quase chora o jornal vai ao ar com as notícias implausívelmente obtidas em dois telefonemas e cinco minutos de correria por sua ainda mais abnegada equipe de repórteres e produtores.
Sobre tudo isso paira o verdadeiro Cavaleiro da Triste Figura de Newsroom, o âncora Will McAvoy de Jeff Daniels. Sorkin diz que Will é o anti-Howard Beale, o profeta louco de Rede de Intrigas. Beale tem um surto psicótico diante das câmeras e passa a ser um mega-crítico de tudo, uma metralhadora giratória de bile e caos. Will tem um surto de mau humor em frente das câmeras (de um debate universitário) e passa ser o Anjo Exterminador de todas as banalidades e meias-verdades da mídia americana, castigando a tudo e a todos com sua vasta erudição, um chicote de egocentrismo e arrogância.
O pano de fundo é muito interessante, a série usa bem os fatos do passado recente, e há momentos de brilho. Gosto particularmente do sexto episódio, exatamente porque é quando os personagens mais se aproximam de algo real, acreditável, revelando suas sombras, suas verrugas. Mas tem muito chão pela frente até a série realmente se encontrar.
A britânica The Hour (da BBC2) felizmente, não sofre de nenhum desses problemas. Trabalhando numa escala menor (e certamente com um orçamento mais discreto), a série acompanha a criação de um novo (e fictício) telejornal da BBC em 1956, no auge da Guerra Fria. Dois elementos tornam The Hour, para mim, especialmente interessante: o conjunto de desafios da trama é mais complicado, já que a BBC é uma emissora controlada pelo governo britânico; e nenhum de seus personagens é perfeito, principalmente não seu protagonista Hector Madden (Dominic West, ótimo), o fanfarrão, mulherengo, preguiçoso novo âncora contratado para o projeto.
A série trabalha fechada no microcosmo da equipe do programa, e sai muito pouco da redação e do estúdio. E no entanto ela é tudo menos claustrofóbica — cada um de seus personagens é um pedaço do universo social e cultural da Londres do pós-guerra, pré-Beatles, trazendo consigo os preconceitos, manias e hábitos do seu mundo particular, e jogando-os contra um mundo cada vez mais complicado. É um exercício fascinante de contraponto entre plano aberto e plano fechado, mundão e mundinho, história e estórias, realizado espetacularmente pela roteirista Abu Morgan (Shame, A Dama de Ferro). E, é claro, interpretado com aquela categoria que nos acostumamos a esperar de atores britânicos. Recomendo com grande entusiasmo. E me pergunto se, por acaso, Aaron Sorkin não teria visto esta série em sua passagem pelas ilhas britânicas… Se viu, deveria ter estudado melhor.
Ana Maria Bahiana
SONNY
Mom. Mom. There are some things a
mother shouldn't say in front of
her son.
VI
If she comes down here, so help me
I'm gonna mash her brains in.
Everything in your life was sunlight
and roses until you met her.
Since then, forget it.
SONNY
She doesn't have anything to do with it!
You understand that? Mother? This is me!
VI
I know you wouldn't need Leon if
Heidi was treating you right. The
thing I don't understand is why you
come out and sleep with Heidi
anyway? You got two kids on
welfare now. What're you goin' to
bed with her, you don't have enough
with one wife and two kids on
welfare, you want a wife and three kids on welfare?
SONNY
(this is old stuff)
Not now, Mom, please.
VI
What'll you do? Come out.
SONNY
(patiently – I told you
a hundred times)
I can't, Mom. If I come out Sal
will kill them.
VI
Oh.
(she thinks for a moment)
Run.
SONNY
What the hell for? Twenty-five
years in the pen?
VI
Maybe…
SONNY
Maybe! Aw Christ, what dreams you
live on! Maybe what?
She stares at him.He talks slowly and carefully to her.
SONNY
I'm a fuckup and an outcast. There
isn't one single person in my life
I haven't hurt through my love.
You understand that? I'm the most
dangerous person in the world,
because if I love you, watch out,
you're gonna get fucked, fucked
over and fucked out!
(Roteiro de Um Dia de Cão/Dog Day Afternoon, 1975)
Tags : Frank Pierson roteirista
Ana Maria Bahiana
Ir ao cinema não deveria ser assim. Pensando com carinho e compaixão nas vítimas de Aurora, Colorado, e suas familias.
''O cinema é minha casa. Violar um lugar tão inocente e cheio de esperança de um modo tão insuportávelmente selvagem é devastador para mim''. Christopher Nolan
Ana Maria Bahiana
“Coloque tudo o que você tem de melhor no terceiro ato. É isso que o público recorda mais.” – Billy Wilder
Para começar, pensem num Herói primordial. Hércules (ou Héracles, para os gregos), por exemplo. Nascido do mais poderoso dos deuses, Zeus, e uma bela humana, Alcmena, sua vida é, em essência, uma longa batalha contra as forças do caos, em defesa da frágil civilização dos humanos. Pensem em como ele, como todos os Heróis de nosso arsenal mitológico, funde o humano e o divino, ou seja, o imortal, destinado ao Olimpo e a séculos e séculos em nossa memória, através de histórias, livros e, é claro, muitos filmes B italianos.
Não sei se Christopher e Jonathan Nolan releram seus livros de colégio sobre mitologia grega enquanto escreviam o ato final de sua trilogia Batman. Mas há uma distinta possibilidade de que isso tenha acontecido. Porque o que distingue a abordagem de Nolan da de seus colegas, em se tratando de super-heróis, é sua capacidade de ver, neles, o poder do mito _ a história básica, essencial, antiga como o cérebro humano, atrás da superfície pop da hq.
Seu desafio, em O Cavaleiro das Trevas Ressurge, era encontrar um ato final digno da origem e da jornada do herói. Entre muitas possibilidades, Hércules era um bom template _ como ele, Bruce Wayne é um humano nascido em berço esplêndido, protegendo a frágil civilização de Gotham City contra os monstros do caos. O fogo divino que torna possível suas proezas é o legado supremo de Prometeu: a tecnologia. E há em ambos uma atração pelo perigo que se aproxima do suicida.
Digo logo porque sei que muita gente está aturando esta conversa de mitologia clássica só para saber se ela chega aqui: sim, vale super a pena ver O Cavaleiro das Trevas Ressurge; não, ele não decepciona em nada os fãs da trilogia. O que já é dizer muito considerando a fraqueza crônica dos terceiros filmes de franquias …(com a brilhante exceção de O Retorno do Rei, um filme que, Nolan disse, estava “na nossa – dele e do irmão Jonathan – mente o tempo todo enquanto pensávamos este filme”).
O principal reparo que eu faria é que Ressurge sofre de um problema comum nos filmes de Nolan: excesso de história. Há tanta coisa jogada na tela nos dois primeiros atos – a conspiração de Bane, as intrigas políticas de Gotham City oito anos depois da morte de Harvey Dent , da queda de Batman e da destruição do Bat-Sinal, o estado das coisas na mansão e na sede do conglomerado Wayne – que só resta a Nolan uma solução: resolver tudo a toda velocidade no terceiro ato, usando um monte de diálogo explicativo (o que no jargão do ofício se chama “exposição”).
É, infelizmente, a solução menos sutil a que um realizador pode recorrer. Mas a ambição e competência de Nolan são tamanhas que perdôo tudo. Por que reclamar? Todas as atuações são igualmente excelentes, da linguagem corporal com que Tom Hardy – incapacitado de usar o rosto como instrumento dramático – desenha o poder, o carisma e a absoluta devoção ao caos de Bane (“eu sou o mal. O mal necessário.”) a um tipo de atuação mais introspectiva e variada do que já vi Anne Hathaway fazer até agora, numa Selina que é uma parte Modesty Blaise (googleiem, leitores), duas partes todas as heroínas sofisticadas do cinema dos anos 1940. E prestem atenção ao colar de pérolas (alô, Édipo?).
Nolan usou a pesadíssima e hiper-precisa câmera IMAX para captar as cenas de perseguição e conflito, e os resultados são espetaculares _ principalmente na sequencia de abertura, que, levando muito adiante um momento de O Cavaleiro das Trevas, já se torna um clássico instantâneo. A escala gigante do IMAX torna épicas as manobras dos bat-veículos, os embates entre grandes multidões, os vôos e mergulhos nos canyons noturnos de Gotham.
Mas creio que, acima de tudo, admirei em Ressurge a elegância com que Nolan concluiu sua bat-trilogia, o modo como o terceiro filme retorna aos elementos do primeiro filme, incorporando todo o drama do segundo, e oferecendo a única solução possível para uma verdadeira resolução de tantos temas. Uma trilogia, encarada com a profundidade e fôlego que Nolan dedicou a Batman (e que muitos poderiam ter ignorado, já que, afinal, trata-se de um produto pop…) tem muito em comum com uma sinfonia _ um tema, diversas variações, evoluindo, encontrando-se, desencontrando-se, tornando-se mais complexas, retornando e afinal concluindo em um acorde que tudo resume e ilumina.
Batman Begins era essencialmente sobre medo _ a natureza do medo, como reconhecê-lo, como respeitá-lo, como dominá-lo, como usá-lo. O Cavaleiro das Trevas adicionava a esse tema as harmonias e contrapontos da identidade – o que é rosto, o que é máscara, o que é cara, o que é coroa, onde se esconde a verdadeira natureza do indivíduo –e, por consequencia, a discussão moral do que é heroísmo e o que é vilania. O (clássico e ainda excepcional) Coringa de Heath Ledger, escrito pelos irmãos Nolan, diz as frases definidoras desse segundo movimento: o Coringa é necessário, essencial ao Batman, como o caos é necessário à ordem, o paradoxo supremo, eterno, da força irresistível contra o objeto imutável (Bang! Bang! Bang!, acrescentaria Jane’s Addiction).
O Cavaleiro das Trevas Ressurge começa com o contraponto entre raiva e resignação. O jovem e inquieto policial John Blake de Joseph Gordon-Levitt – uma interessantíssima adição ao repertório- introduz o tema em uma das grandes cenas do filme, discutindo com Bruce Wayne o quanto a dor primordial do abandono, da orfandade, cria raízes profundas na alma e, imperceptívelmente, dá forma a toda uma vida, criando máscara após máscara. Wayne não nega o que ele sabe ser a mais completa verdade, mas oferece o tema complementar da aceitação _ aceitação da dor, aceitação da raiva, aceitação da passagem do tempo e da idade que, a esta altura da saga, consumiu uma boa parte do seu corpo e do seu ânimo. Aceitação, sobretudo, do fato de que uma de suas identidades – o Batman – possa não mais existir, por não ser mais possível ou necessário (um tema levantado no filme anterior, e continuado aqui com precisão). Embutida nesta aceitação está um conceito que vem do primeiro filme: Batman é mais que um ser humano; é uma ideia, uma lenda ( ou talvez, como um fã imaginou, O Grande Truque com mais máscaras.)
A resolução se dá num grande acorde onde se misturam novos personagens e identidades – além de Blake/Levitt, Selina/Anne Hathaway e Miranda/Marion Cotillard – provocado pela introdução de mais uma força irresistível do caos: Bane, o antagonista que, mais uma vez, utiliza os instrumentos do medo e da raiva e, como o Coringa, é essencial para a identidade do herói. Mas que talvez seja o que ele não tem como resolver ou seja, derrotar. Porque talvez, como Ressurge sugere, a solução do paradoxo seja a união, a fusão, o abraço final entre a força e o objeto, ordem e caos, Batman e Bane. Para isso, Ressurge volta elegantemente ao princípio de tudo, re-enuncia o tema e traz, com tímpanos e metais, a grande harmonia final.
Quantos filmes de super-heróis conseguem trazer tantos elementos e merecer tanta reflexão?
Pois é.
E sim, a tentação de comparar o Bane de Tom Hardy com o Coringa de Heath Ledger vai ser imensa, mas não encorajo. São duas criaturas completamente diversas (ou seriam duas manifestações da sombra, do lado oculto do herói?), executadas com absoluta perfeição por dois atores muito diferentes e igualmente brilhantes. E por favor uma salva de palmas para Christian Bale, que envergou a pesadíssima dupla máscara de Bruce Wayne/Batman durante toda a trilogia com impecável precisão e profundidade.
Simplesmente apertem os cintos e embarquem (em IMAX de preferência). É uma grande e imperdível jornada ao inevitável fim. Batman- O Cavaleiro das Trevas Ressurge estreia dia 20 nos EUA e dia 27 no Brasil.
Ana Maria Bahiana
Tags : Richard Zanuck
Ana Maria Bahiana
Peter O’Toole escolheu um momento interessante para se aposentar. Lawrence da Arábia, de David Lean, o filme que o tornou conhecido mundialmente, completa 50 anos e está sendo homenageado pela Academia de Artes e Ciências Cinematográficas, como peça central de seu sensacional ciclo de exibições em 70 mm. Na cultura pop, sua interpretação do controvertido T. E. Lawrence, o oficial do exército britânico que se tornou líder da tribos beduínas durante a Primeira Grande Guerra, é parte essencial de Prometheus, de Ridley Scott. E durante o fim de semana dois de seus companheiros de geração, Michael Caine, 79 anos, e Morgan Freeman, 75 anos, debateram comigo o dilema da aposentadoria na trajetória do ator.
“Eu tentei me aposentar uma vez”, Caine confessou. “Eu achava que nunca mais seria protagonista. Tinha acabado de receber um roteiro em que estavam me pedindo para ler o papel do pai, e não do namorado. Achava que era o fim. E aí… aí meu amigo Jack Nicholson me mandou o roteiro de um filme chamado Sangue e Vinho, onde, ele dizia, tinha um papel perfeito para mim…. Aí eu desisti de me aposentar…”
Quando Christopher Nolan perguntou a ele, em 2004, se ele gostaria de ser “o mordomo do Batman”, Caine já tinha quase uma década de não-aposentadoria, um Oscar (coadjuvante em Regras da Vida) e uma indicação por um papel principal, O Americano Tranquilo. “E agora acabei de filmar um projeto (Mr Morgan’s Last Love, de Sandra Nettleback) onde o protagonista foi escrito para mim”, ele diz, rindo. “Imagine! Aos 79 anos! Eu teria perdido essa oportunidade se tivesse insistido na aposentadoria…”
Morgan Freeman, seu companheiro de elenco na trilogia Batman de Nolan, diz que nunca sequer pensou em se aposentar. “Sabe o que vem depois da aposentadoria? A morte”, ele diz, rindo. “Sei que não podemos lutar contra ela, mas posso pelo menos adiar o inevitável ao máximo. Atuar é a minha vida. Não imagino minha vida sem o trabalho de ator.”
São decisões extremamente pessoais, é claro. O corpo e a vida do ator são as matérias primas de seu trabalho e O'Toole disse que ele não mais tinha ''a disposição para continuar''. Uma coisa é certa: ele vai fazer muita falta…
Ana Maria Bahiana
Tags : Ernest Borgnine
Ana Maria Bahiana
“Eu sei qual é o seu nome. A questão é: será que você sabe?”, diz Gwen Stacy (Emma Stone) para um titubeante Peter Parker (Andrew Garfield), nos corredores da Midtown High School, logo nos primeiros momentos de O Espetacular Homem-Aranha. Pouco tempo depois, uma recepcionista vai mais além: “Você está tendo dificuldade em se encontrar?”, ela pergunta a um ainda mais confuso Peter Parker (a conversa é a respeito de um crachá, mas serve maravilhosamente aos propósitos da trama). E depois que tudo aconteceu, com aranhas, lagartos e tudo mais, uma professora explica, nos derradeiros minutos de imagem: “Um professor certa vez me disse que há apenas dez histórias no mundo. Mas para mim existe apenas uma única história: quem sou eu ?”
Identidade, acima de tudo, é o grande tema e o grande problema de O Espetacular Homem-Aranha. O diretor Marc Webb, que vem do cinema indie e ganhou notoriedade com o delicado (500) Dias Com Ela, tem o olhar perfeito para compreender o que muitas vezes escapa aos realizadores de filmes baseados em hq e que é, na verdade, a substancia sobre a qual se assenta todo o sucesso dos quadrinhos: o lado humano dos personagens. Quadrinhos funcionam através das décadas porque tem o poder das sagas mitólogicas: colocam em escala ampliada os obstáculos, frustrações e sofrimentos muito humanos de todos nós. E todos eles, em algum momento, tem a ver com a pergunta fatal: quem sou eu?
Trabalhando com um roteiro a seis mãos (embora todos escolados veteranos, inclusive um residente de Hogwarts, Steve Kloves) e, com certeza, o estúdio olhando por cima do seu ombro, Webb conseguiu o prodígio de, pelo menos na primeira parte de O Espetacular Homem-Aranha, manter uma visão coesa do drama da identidade – ou, como o próprio diretor disse, do “vácuo” – presente na vida de um adolescente inteligente e sensível demais para sua própria felicidade.
Onde seu filme é melhor e mais forte, reluzente com uma vivacidade que já começa a escapar do sub-gênero, é no estabelecer as origens do herói, a paixão por ciência que o conecta com o pai , preenche seu vazio e, inesperadamente, cria uma nova camada de identidade. De todas as lutas essenciais num bom filme de super-herói, a minha preferida é justamente a primeira, dentro de um vagão do metrô de Nova York, sem máscara e sem uniforme, uma parte da identidade se estabelecendo, a outra hesitando, pedindo desculpas. A opção de colocar Garfield, em muitas sequencias importantes, com o traje do Homem Aranha, mas sem a máscara, reforça a questão da identidade _ gradualmente, Peter é o Aranha, e o Aranha é Peter.
Webb tem em Andrew Garfield e Emma Stone seus parceiros ideais. Que me perdoem os fãs de Tobey Maguire, mas Garfield dá uma dimensão de complexidade e credibilidade a Peter Parker que eu ainda não tinha visto. A conexão com Emma Stone faz parte disso e a escolha de Gwen como a parceira/cúmplice do herói nascente funciona muito bem na exposição de sua questão essencial _ você sabe quem você é, Peter Parker?
Saber quem ele é também é uma questão para o próprio filme. Quando o Lagarto passa a dominar a narrativa, e até o Capitão Stacy, pai de Gwen (Denis Leary, muito bem escalado) passa a leva-lo a sério, tudo fica menos interessante, em grande parte porque o que havia mantido a história num plano mais vital e mais emocional vai embora. Claro, como é mandatório no gênero, temos muitas lutas, efeitos digitais (nem todos me convenceram) e coisas atiradas na direção da plateia para justificar o 3D. Uma sequencia importante envolvendo uma sucessão de guindastes de obra é a mais poderosa de todas, e, possivelmente, a que mais reflete a sensibilidade de Webb na abordagem do material.
Eis o x da questão: até quanto tempo é possível fazer filmes de super herói sem repensar , mais uma vez, tudo a seu respeito? O Espetacular Homem-Aranha é um reboot razoavelmente precoce, motivado pelas duas grandes pressões da indústria : gastar menos e vender mais ingressos para novas plateias. Mas também pode ser uma oportunidade para rever o gênero. Sam Raimi concluiu sua jornada com o Homem Aranha em 2007. Christopher Nolan encerra este ano sua repensagem do Batman. X Men voltou ao passado do mito.Vem aí um reboot do Super Homem. Quem somos nós, na plateia, agora? E de que heróis precisamos?
O Espetacular Homem Aranha estreia nos EUA dia 3 de julho, e no Brasil dia 6 de julho.