Na mão e contramão da história, entre humanos de todos os tipos
Ana Maria Bahiana
A primeira (descontado o prólogo) e a última imagens de O Planeta dos Macacos- O Confronto (Dawn of the Planet of the Apes, Matt Reeves, 2014) são a mesma: um super close de Caesar, o líder dos símios que, no filme anterior desta iteração da franquia, libertou um bando de seus companheiros de espécie do cativeiro dos humanos.
Abrir um filme assim é uma ousadia tremenda – a imagem nos pede para aceitar um rosto não-humano como nosso igual e, mais que isso, como o protagonista de uma narrativa cinematográfica que, fora da animação, é dominada por nós, homo sapiens.É um risco brutal que nos diz, de cara, que o diretor Matt Reeves está jogando com todas as suas cartas, e veio para nos provocar, nos instigar, nos propor a ver um filme-diversão, um filme fantástico, como algo além de desculpa para duas horas no ar condicionado, comendo pipoca.
Quando vemos Caesar em extremo close-up, no final do filme, não há mais risco – e esse é um dos grandes triunfos de O Confronto. Graças a uma exemplar combinação de arte e tecnologia, do talento imenso de Andy Serkis e da genialidade dos animadores da Weta (e de mais três estúdios auxiliares de VFX), das excelentes escolhas de Reeves e da bela articulação do roteiro, há muito abraçamos Caesar e seus companheiros de tribo como personagens completos e complexos. A possível estranheza de ver um filme protagonizado por não-humanos desde o começo – algo que nem Avatar, que primeiro propôs esse conceito, deve coragem de fazer – desfaz-se com tamanha rapidez que, não demora nada, são os atores humanos que parecem fora do lugar.
O que é exatamente a ideia central de O Confronto. Dez anos depois dos eventos do filme anterior, de 2011 (aconselho ver antes deste) o mesmo vírus que tornou os símios capazes de saltar algumas etapas na escala da evolução dizimou a população humana do planeta. Núcleos de refugiados vivem em condições precárias no que restou das grandes cidades, enquanto nas florestas do norte da Califórnia, Caesar (Serkis) comanda uma vasta população símia capaz de comunicação, artefatos, estratégia, cultura, política e organização social.
As necessidades dos refugiados de San Francisco – comandados por Dreyfus (Gary Oldman, competente como sempre) – colocarão os dois mundos em conflito, acelerando a narrativa que, em última instância, levará ao cenário desenhado no primeiro filme de todos, O Planeta dos Macacos, de 1968 (escrito por Rod “Além da Imaginação” Serling, dirigido por Franklin “Papillon” Schaffner e adaptado de um genial bestseller do mesmo nome, de Pierre Boulie, cujo universo continua alimentando a franquia.)
O Planeta dos Macacos-A Origem já tinha sido um filme da alegre categoria :''filme muito melhor do que precisava”, graças não apenas aos excelentes VFX mas também ao roteiro de Rick Jaffa e Amanda Silver (os mesmos de O Confronto) e à direção de Rupert Wyatt. Matt Reeves dirigiu um filme que me fez rir à revelia de suas intenções – Cloverfield – mas também assinou dois filmes que me disseram muito: The Pallbearer, de 1996, e Deixe-me Entrar, de 2010. Em todos eles (sim, inclusive Cloverfield) Reeves demonstrou seu talento em enquadrar e movimentar o olhar da câmera para contar muitas histórias ao mesmo tempo, coisa que faz aqui tantas vezes que é difícil até destacar uma – mas recomendo que prestem atenção numa cena de batalha que inclui o ponto de vista de um tanque, e que já seria extraordinária mesmo que todos os seus personagens fossem de carne e osso.
Parte do que faz O Confronto se destacar nas águas mornas desta temporada pipoca é a sensação extraordinária de estarmos vendo ao mesmo tempo a mão e a contramão da história humana: o nosso retrocesso paralelo à evolução dos novos humanóides que criamos à nossa semelhança, dando a eles um pedaço do que julgávamos, em nossa arrogância, ser nosso dom maior, a inteligência. “Eles não precisam de energia elétrica”, diz um personagem humano. Exatamente. No começo do filme Caesar nos olha na platéia como quem pergunta o que estamos fazendo ali. No final, ele nos olha para ver se ainda temos alguma dúvida.
Se você só tem tempo para ver um filme da temporada pipoca este ano, veja O Planeta dos Macacos- O Confronto.
E por favor – uma indicação para Andy Serkis, já!
O Planeta dos Macacos- O Confronto estréia aqui nesta sexta dia 11 e no Brasil dia 24 de julho.