Blog da Ana Maria Bahiana

A batalha pelas estatuetas de metal, parte 3: uma boa maré para os estrangeiros

Ana Maria Bahiana

 

O Festival de Cinema de Telluride, que começa hoje na deliciosa cidadezinha das Montanhas Rochosas, no estado do Colorado, é um ótimo gancho para pendurar a terceira parte de nossa elucubração sobre o panorama geral do segundo semestre — que é focado, em sua parte mais importante, na batalha por indicações e, se tudo der certo, estatuetas de metal.

Uma pausa para explicar porque tanta gente graúda gasta tanto tempo e dinheiro para ser indicado ou receber uma láurea que, em si mesma, não traz nenhuma recompensa financeira:

  1. Prestígio. Ser indicado ou ganhador de um prêmio de primeira linha imediatamente atira uma carreira numa dimensão muito mais elevada de poder e cachê dentro da indústria. O que cada um faz com esse prestígio cabe à sabedoria (ou falta dela) individual.
  2. Acesso. Para um grande segmento de criadores e trabalhadores da indústria – documentaristas, realizadores  estreantes, independentes ou de países estrangeiros, atores, técnicos , roteiristas – uma indicação é a diferença entre ser um joão-ninguém hoje e alguém conhecido amanhã. Esta é uma indústria que só dá acesso a quem tem algum tipo de endosso e recomendação. Uma indicação é o endosso mais elevado possível.
  3. Munição de marketing. Num mercado dividido pelo consumo individual (TV, internet, tablets) de entretenimento e afogado em arrasa-quarteirões, uma indicação é o trunfo mais precioso do mundo para um filme desprovido do grande  suporte  de um estúdio. Dentro dos grandes estúdios, projetos que não tem perfil-pipoca são imediatamente analisados pelo seu potencial de emplacar na temporada-ouro – porque esse é seu principal trunfo para atrair público. Fora dos estúdios, essa munição é quase o santo Graal.

Tendo dito isso… Telluride é um pequeno festival – apenas três dias, rigoroso processo de admissão,  acesso restrito, curadoria cuidadosíssima – que, na verdade, é uma das melhores peneiras para determinar quem tem chance de passar para a segunda etapa da briga pelas indicações.

Matthias Schoenaerts e Marion Cotillard em Rust and Bone

 

A lista de filmes escalados para este ano revela alguns já mencionados aqui, como Hyde Park on the Hudson. Mais importante, contudo, são dois outros elementos: as exibições –supresa, que em geral emplacam firme nos prêmios (ano passado foi Os Descendentes), este ano foi Argo, de Ben Affleck, superbem recebido.; e a predominância dos filmes não-americanos na seleção.

Tenho dito e vou repetir – desde a floração dos anos 1970 nunca houve um momento melhor para cinematografias e realizadores fora dos Estados Unidos. Não digo apenas do ponto de vista de bilheteria – o icônico O Artista é uma exceção, mas também uma demonstração importante de que, as vezes, o improvável é possível – mas do ponto de vista de exposição, reconhecimento.

Dentro da lista de Telluride (eu, se fosse de alguma entidade selecionadora para os Oscars, imediatamente escolheria estes filmes para representar seus países para “melhor filme estrangeiro”), os destaques são Amour, de Michael Haneke, que já vem premiado de Cannes; Rust and Bone, de Jacques Un Prophete Audiard (que ainda por cima tem Marion Cotillard e Matthias Schoenaerts , de Bullhead); o australiano The Sapphires, que fez sucesso em Cannes; e o britânico Ginger and Rosa, de Sally Potter.

Não há Brasil em Telluride – mas há o chileno No, de Pablo Larraín – e ignoro o que pode estar se passando pelos bastidores das escolhas oficiais. Aqui, depois de um bom tempo sem grandes repercussões para filmes do Brasil (que, eu sei, estão fazendo grande sucesso no país, o que é ótimo. Mas atravessar fronteiras é um desafio diferente…), O Som ao Redor, do pernambucano Kleber Mendonça Filho, vem provocando muito zum-zum desde sua exibição no festival de Rotterdam, e ótimas críticas em sua estreia aqui em circuito limitado. Vamos ver…

No episódio final da saga, a questão da animação e porque a microscópica Gkids pode ser a mais poderosa pequena distribuidora da indústria.