Blog da Ana Maria Bahiana

A vida secreta dos espiões, parte 2: a claustrofobia da vida na casa de vidro

Ana Maria Bahiana

 

Há uma assinatura visual clara em O espião que sabia demais,  a adaptação do livro homônimo de John Le Carré (estréia dia 9 de dezembro nos EUA e  20 de janeiro no Brasil) pelo diretor sueco Tom Alfredson (Deixe ela entrar) : vidro. Janelas, divisórias e telhados de vidro enquadram o grupo de agentes de elite do serviço de inteligência britânico, o MI6, enquanto eles se debatem num jogo de intrigas e traições. Num lugar onde não há como se esconder, o único refúgio é dentro de si mesmo.

O fato do grupo estar sendo encarnado por uma outra elite, a dos atores britânicos, ajuda muito. John Hurt, Gary Oldman, Colin Firth, Ciaran Hinds, Toby Jones, Benedict Cumberbatch, Tom Hardy, Kathy Burke debatem-se nesta série de gaiolas de vidro com precisão, elegância e garra, cada um a sombra do outro, todos mantendo o oposto da transparência que o vidro sugere: um universo de segredos, cada um deles capaz de destruir o suposto companheiro de batalha.

Quem leu o livro ou viu a série da BBC onde Alec Guiness fazia o papel que Gary Oldman vive a tela – Smiley, o espião encarregado de espionar os espiões – estará preparado, mas os demais podem achar que próximo parágrafo é um SPOILER. Fica o aviso, portanto.

A ciranda perversa em que todos esses personagens rodam tem como pano de fundo o auge da guerra fria nos anos 1960. Lá fora é a Swingin’ London, a explosão de hedonismo, aventura e paixão. Dentro do “circo” – que é como os agentes chamam o MI6- o clima é de ansiedade e paranóia. Um deles pode ser um agente soviético. Ou tudo não passa de intriga na batalha por uma promoção. Ou vingança de marido traído. Ou… O circo tem telhado de vidro: não adianta tentar passar adiante a suspeita ou a acusação; de alguma forma ela volta, estilhaçando vidraças.

Alfredson dirige esta dança mortal com calma e rigor. Em suas próprias palavras, o objetivo era criar uma atmosfera tão palpável que fosse possível notar a cor da pele dos personagens – “palidez úmida de suor, de medo”, nas palavras do diretor – e o cheiro de suas roupas – “tweed molhado de chuva e pavor”. Trabalhando com o diretor de fotografia Hoyte van Hoytema (Deixe Ela Entrar, O Vencedor), Alfredson realiza plenamente sua visão, e somos inexoravelmente sugados para dentro desse redemoinho, passo a passo, sem as distrações comuns em filmões americanos – explosões, perseguições catastróficas- mas com a ainda mais aterrorizante lucidez de quem vê muito bem como tudo vai acabar.

Com um elenco dessa categoria é até injustiça destacar alguém, mas o Smiley de Gary Oldman merece um lugar à parte. Implacável mas frágil, cerebral mas completamente emotivo – cada gota de sentimento cuidadosamente trancada – seu Smiley é triunfo de interpretação, um momento que este grande ator merecia há muito tempo.

Não percam.