Minha conversa com Steven Spielberg, parte 2: “Andy Serkis é um gênio.”
Ana Maria Bahiana
No capítulo anterior de As Aventuras de Steven Spielberg: O Segredo do Segredo do Licorne, aprendemos como Indiana Jones levou nosso herói até Hergé, e como um bilhão de pessoas viram o nascimento da parceria com Peter Jackson.
Na segunda parte desta conversa – realizada no Hotel George V de Paris, no dia seguinte à estréia mundial de As Aventuras de Tintim : O Segredo do Licorne, no fim de semana passado – Spielberg fala do processo criativo atrás do filme e conta qual seu tipo favorito de cachorro.
Uma vez que você e Peter acertaram a parceria, qual foi o elemento mais complicado de resolver no projeto Tintim?
_Fora a parte financeira? Porque a parte financeira foi muito, muito difícil, principalmente porque queriamos um comprometimento para uma série de no mínimo três filmes, e queríamos roda-los um depois do outro, como Peter tinha feito em Senhor dos Anéis. Isso não foi possível mas, dividindo custos e riscos entre Paramount e Sony nós conseguimos finalmente um compromisso para três filmes, de forma que, enquanto rodávamos o primeiro, já podíamos estar desenvolvendo e fazendo story boards do segundo.
Criativamente, precisamos inventar nosso próprio sistema de trabalho. Com tudo o que o próprio Peter já tinha feito e tudo o que eu mesmo tinha feito como produtor de animação na Amblin e na DreamWorks, ninguém tinha feito algo assim. Fomos aprendemos com 60 animadores incríveis, mais 300 ilustradores e artistas visuais e os três roteiristas, durante dois anos de preparação e três de produção.
Você definiria Tintim como animação?
_ Sim. Ele é 85% animação e 25 % de alguma outra coisa meio mágica que começa com a captura de performance. É animação, mas é uma outra categoria de animação. O estilo, o traço, a visão de Hergé foi nossa inspiração básica e predominante. Tínhamos grandes ampliações de alguns dos quadrinhos dele – aqueles grandes ambientes que ele desenhava como ninguém – e aquilo nos guiava tanto no planejamento das sequências quando no próprio roteiro.
Você acha que é preciso mais reconhecimento para o trabalho dos atores em filmes de captura de performance?
_Com toda certeza. Para os diretores é uma tecnologia que liberta a imaginação. E para os atores é, com certeza, uma experiência ainda mais libertadora : eles podem ser qualquer coisa, e a tecnologia está inteiramente a serviço do seu talento, do desempenho pessoal, único, de cada um. Não é possível que esta tecnologia substitua os atores _ o que torna esses personagens interessantes é que eles SÃO os atores. Tintim É Jamie Bell. O Capitão Hadoque É Andy Serkis. Aliás: Andy Serkis é um gênio. Não há outra palavra para descrever o controle que ele tem sobre cada nuance de sua performance, e como ele sabe atuar em sintonia com a tecnologia. Ele se transforma. Ele é uma pessoa tranquila, doce, simpática. Mas quando ele se transformava em Hadoque… dava medo! Eu não queria ter que ficar na frente dele num daqueles acessos de fúria…
E evita problemas como, por exemplo, ter que dirigir um cachorrinho…
_ Milu foi o melhor cachorro com quem já trabalhei. Uma maravilha! Fazia tudo o que pedíamos, nunca tinha crises e saía correndo para seu canil, não pedia biscoitos, não fazia xixi no equipamento… Ele foi inteiramente animado, é claro. Em pequenas coisas assim você pode ver porque estou sorrindo tanto com esta experiência _ porque esta tecnologia é a grande aliada do diretor, o modo mais exato de dar controle completo ao diretor.
Qual seu livro favorito da série Tintim?
_Humm…. Não vou dizer não. Porque quero que seja o terceiro da trilogia e prometi a Peter que não falaríamos publicamente sobre ele. Nem sobre o segundo, aliás. Me pergunte daqui a dois anos.
E quanto à reputação de Hergé como racista e anti-semita?
_Eu não faria este filme se comprovasse que ele foi anti-semita. Pesquisei muito e hoje tenho certeza de que não, ele nunca foi anti-semita. É claro que há um de seus livros- Tintin no Congo– que ele mais tarde repudiou, pediu desculpas e que nem eu nem Peter temos a menor intenção de chegar perto. Ele era um ser humano e, como qualquer ser humano, fez erros. Mas nem por isso deixa de ser genial.