Blog da Ana Maria Bahiana

Arquivo : Steven Spielberg

Minha conversa com Steven Spielberg: “Às vezes estou na platéia, às vezes atrás da câmera”
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Ana Maria Bahiana

Em 1993 Steven Spielberg pôde mostrar ao mundo os dois lados do seu trabalho: o de mestre do universo pipoca com O Parque dos Dinossauros, e, com A Lista de Schindler o de realizador preocupado com questões de importância em sua vida.

Este ano o fenômeno se repete _ em rápida sequência, as platéias verão o Spielberg pop de As Aventuras de Tintim: O Segredo do Licorne e o Spielberg “sério” de Cavalo de Guerra. “São dois pontos de vista”, Spielberg diz numa ensloarada manhã de outono em Paris, depois da dupla estréia internacional de Licorne, em Paris e em Bruxelas. ” No Parque, nos Indiana Jones e em Tintim eu estou sentado na plateia. Em filmes como Schindler, Amistad, Resgate do Soldado Ryan e, agora, Cavalo de Guerra eu estou atrás da câmera e nem estou pensando se alguém vai aparecer para ver o filme.”

Um ponto de vista não é mais importante que outro, Spielberg diz _ apenas diferentes e complementares.

Na primeira parte desta conversa – que se estendeu além dos 20 minutos regulamentares, a pedido do próprio Spielberg- ele fala sobre Hergé, a parceria com Peter Jackson e a importância de ser pai .

Dá para compreender por que você esperou tanto tempo para finalmente realizar Tintim – ainda não existia a tecnologia necessária. Mas por que você nunca desistiu?

_Porque comecei a ter filhos. E pude ver, um após outro, como as histórias de Hergé, que eu tinha começado a colecionar em 1983, tinham o mesmo apelo para eles que para mim. Isso manteve minha fé no trabalho de Hergé.

Mesmo levando em consideração que as crianças mudaram muito nestes  quase 30 anos?

_ Crianças estão sempre abertas para novas experiências. Eles gostam de videogames, certo, mas também gostam de ir ao cinema. E eu também! Aprendi com eles – adoro videogames e continuo apaixonado por cinema…. Acho que há espaço para tudo, hoje…

 

Hergé e Tintim, no Centro de Histórias em Quadrinhos de Bruxelas

Como foi seu primeiro contato com as histórias de Hergé?

_ Quando o primeiro Indiana Jones foi lançado eu não parava de ouvir  e levar comparações com um tal de Tintim, Tintim… Fui ver o que era, comprei meu primeiro livro – As 7 Bolas de Cristal– e me apaixonei instantaneamente. Nem tinha acabado de ler e já estava comprando todos os outros. Em 1983, Hergé e eu conversamos longamente ao telefone. Eu me lembro que fiquei impressionado com o vigor e o entusiasmo na voz dele, ele parecia alguem muito mais jovem…. Combinamos de nos ver em Bruxelas dentro de duas semanas… e jamais nos encontramos, porque ele faleceu antes do nosso encontro… E qual não foi minha supresa, quando estava em Londres filmando Indiana Jones e o Templo da Perdição, de receber uma ligação de Fanny, sua viúva, me convidando para ir a Bruxelas. Passei um fim de semana inesquecível, conhecendo o estúdio de Hergé, tocando os originais de Tintim… eu soube naquele momento que, de um modo ou de outro, um dia eu faria um filme com aquela inspiração…

Dupont e Dupond: no set, Spielberg e Jackson

E como você e Peter Jackson firmaram a parceria que ia tornar isso realidade?

_ Você viu quando eu e Peter nos encontramos pela primeira vez… você e mais um bilhão de pessoas! Foi quando eu entreguei o Oscar a ele por Senhor dos Anéis- O Retorno do Rei. Nossa amizade começou ali… e quando ele me disse que era fã de Tintim, vi logo que ali estava a parceria ideal _ eu tinha ficado impressionadíssimo com o que a WETA tinha feito no Senhor dos Anéis. O que eu não sabia é que, além de talentosíssimo, ele é a pessoa mais interessante que conheci na minha vida, ao mesmo tempo distraidíssimo e super concentrado, inteligente, culto e vivendo num mundo só dele, com um senso de humor super agudo. Em todo o tempo em que trabalhamos juntos, jamais discutimos, jamais divergimos. A maioria de nosso trabalho se dava numa janela de duas horas diárias em nos falávamos pela tela do computador. Eu ficava ansiosíssimo por aquelas duas horas, das três às cinco, horário de LA. Era a hora mais divertida e produtiva do meu dia: duas horas com algumas das mentes mais originais e criativas do mundo discutindo como criar algo novo. Desde ET – que foi minha produção favorita- eu não me divertia tanto.

No próximo capítulo: aventuras em mocap e por que Andy Serkis dá medo.

 

 

 

 

 


Tintim e o Segredo do Licorne: em pleno milênio, a era da inocência
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Ana Maria Bahiana

No cinema Grand Rex, em Paris, transformado numa réplica do galeão Unicórnio (por fora) e um palácio marroquino (por dentro), a apresentadora chamou Milou de Snoopy enquanto VIPs de várias nacionalidades se engalfinhavam pelos melhores lugares e a premiére mundial de Tintim e o Segredo do Licorne, ontem à noite, começava meia hora atrasada.

Mas Steven Spielberg – liderando um time , recém chegado da outra premiere, em Bruxelas, terra natal do herói, que incluía o ator Jamie Bell e a produtora Kathleen Kennedy,  – foi aplaudido entusiasticamente quando subiu ao palco para apresentar o filme e, mais uma vez, quando O Segredo do Licorne terminou. E não foram essas as únicas ovações _ duas sensacionais sequencias de ação (uma envolvendo um avião monomotor e um navio, e outra, uma motocicleta com sidecar, um tanque e uma enchente) foram aplaudidíssimas com o filme ainda na tela.

Spielberg e Milou na estréia em Paris, ontem

Merecidamente: utilizando a motion capture de primeira linha praticada pela Weta do produtor Peter Jackson, Spielberg faz uma justa homenagem à iconografia, ao entusiasmo e ao espírito de aventura da série Tintim. As comparações com Indiana Jones são inevitáveis, e tem algo de verdade: quando Spielberg imaginou Indiana Jones ele estava inspirado em grande parte  por O Homem do Rio, de Philippe de Broca (1964).. que, por sua vez, era um fã apaixonado dos quadrinhos de Hergé. Foi de tanto ouvir as comparações entre os dois – Indy e Tintim- que Spielberg foi à fonte, descobrindo, em primeira mão, o mundo de aventuras internacionais, mensagens cifradas e personagens misteriosos imaginado por Hergé nos anos 1930, 1940 e 1950.

É um mundo perigoso mas inocente _ na tela como nos livros a violência é mais figurativa que explícita, ação e heroísmo são sempre recompensados e vilões, punidos. Em seu filme Spielberg manteve a trama nos anos 1930, simplificando a vida e as ambições de seus personagens; os roteiristas Edgar Wright, Steven Moffat e Joe Cornish  (adaptando três diferentes obras de Hergé) se preocuparam em dar mais dimensão emocional aos personagens que, nas histórias de Hergé, simplesmente impulsionavam a trama.

Desempenhos maravilhosos de todo o elenco – com destaque para a fisicalidade de Jamie Bell como o herói, e Andy Serkis mais uma vez extraordinário como o Capitão Hadoque –  uma apresentação que faz homenagem aos quadrinhos bi-dimensionais (e depois se abre para o 3D, magicamente) e uma aparição carinhosa de Hergé em pessoa completam o charme do filme.

Mas é sobretudo o visual, a transposição 3D do detalhado universo traçado pela ligne claire de Hergé – seu estilo característico, marcado pelo detalhe e pela simplicidade dos traços – que encanta em O Segredo do Licorne. Como numa boa HQ, a narrativa é intensamente plástica, e, curiosamente, intensamente fílmica, com cada plano cuidadosamente pensado, repleto de referências a clássicos da história do cinema (inclusive Tubarão…)

A saga de Tintim, Milou e do Capitão Hadoque em busca da nau perdida do título tem, muitas vezes, conotações de sonho, e as gags  são puramente visuais – a graça está no movimento, no que se vê. É, ao mesmo tempo, um filme pipoca à moda antiga, como nossos pais viam nas matinês do cinema do bairro e, ao mesmo tempo, uma obra milenar da mais alta tecnologia.

As Aventuras de Tintim: O Segredo do Licorne está em cartaz na Europa desde 22 de outubro , estréia nos EUA dia 23 de dezembro e, no Brasil, dia 20 de janeiro.


Super 8: brincando nos campos do Senhor Spielberg
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Ana Maria Bahiana

A primeira coisa que você precisa saber sobre Super 8, de J.J. Abrams, é que é necessário suspender MUITO a descrença. Cartesianos super racionais talvez prefiram poupar o dinheiro do ingresso, o que seria uma pena, porque o filme é uma delicia. Se resolverem correr o risco, lembrem-se do meu aviso: não comecem a se perguntar “mas como?”, “como é que é?”, “como é possível?” e coisas do tipo.

A segunda coisa é que, como bem disse este crítico, Super 8 é “pornô Spielberg”: uma citação explícita, reverente, salivante, hard core de temas, imagens e signos spielberguianos.

Tem gente torcendo o nariz para isso, mas não me incluo nesse bloco. Tenho outros problemas com Super 8 _ a gigantesca quantidade de fé na premissa que nem sempre é recompensada nem com a lógica interna do roteiro; o final meio apoteose em fúria, jogando no liquidificador todos os possíveis e imagináveis elementos fantásticos de uma história que já estava implorando por um pouquinho mais de lógica.

Mas cultuar o (aliás produtor) Spielberg não é um desses problemas. Gosto sempre de lembrar que os humanos das cavernas foram  provavelmente os únicos com direitos exclusivos à originalidade absoluta. Nas artes populares contemporâneas saber escolher as referências é uma parte importante da qualidade final. Afinal, a geração de Spielberg (e Lucas, e Coppola, e Scorsese, e Friedkin) achava que estava fazendo seu próprio culto a Truffaut, Godard, Clouzot, Antonioni e Kurosawa ( e os Beatles e Rolling Stones tinham certeza de que sua música era i-gual-zinha a dos grandes mestres do blues dos anos 1940 e 50…)

Muito natural, portanto, que Abrams vá direto à veia da Geração 70, pegando como inspiração uma frase de uma entrevista de Coppola dos anos 1980 sobre o futuro do cinema – “algum dia alguma garotinha gorducha do Ohio vai ser o próximo Mozart e fazer um filme lindo com a camcorder de seu pai”-  e saturando sua premissa com o cânon spielberguiano.

Em Super 8 um garoto gorducho do Ohio faz um filme, não necessáriamente lindo,  com a super 8 do pai dele. E esta é, na verdade, a melhor parte da película de Abrams. O garoto  Charles (Riley Griffiths) é.. bem… o DW Griffith de uma turminha de moleques (Joel Courtney, Zach Mills, Ryan Lee, Andrew e Jakob Miller e a cada vez mais excepcional Elle Fanning) que, claramente inspirada por George Romero (conte as referências…) está fazendo um filme de zumbis em uma pacata cidade do interior.

Como todo bom realizador, Charles está interessado em “grandes valores de produção”, de preferência a custo zero, o que leva sua brava equipe a uma estação de trem no meio da noite. Algo acontece, a camereta continua rodando e a história se torna mais spielberguiana e mais fantástica a partir daí. As referencias  – a ET, Parque dos Dinossauros, Contatos Imediatos do Terceiro Grau, Guerra dos Mundos– se empilham, assim como o glossário de imagens spielberguianas: espelhos, automóveis, flashlights, rápidas aproximações da câmera.

A delícia não está aí: está no coração da trama, em sua inocência fundamental, no grupo de crianças, no limite da adolescência, buscando sua voz e sua visão, aprendendo a se relacionar entre si e com o mundo adulto, através da poderosa metáfora da fantasia, da imagem em movimento. O que acontece a partir da brusca interrupção de suas filmagens é divertido e segue em bom ritmo – exigindo cada vez mais a suspensão de descrença que mencionei lá em cima – até a mega apoteose final, absurdista ao ponto do bizarro (me lembrou a fruteira emergente do final de Segredo do Abismo. Não foi uma boa lembrança…)  Mas o que nos prende ao filme não é o fantástico: é o profunda e cândidamente humano.

Super 8 estreia dia 10 nos EUA e dia 12 de agosto no Brasil.E… fique até o final dos créditos…