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A jornada do super-herói: por que tão sério?
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Ana Maria Bahiana

Aviso prévio: se você entra em choque alérgico com SPOILERS, não leia.

É muito difícil fazer filme de super-herói. Para começar eles são super, existindo numa espécie de hiperrealidade na qual várias gerações depositaram suas aspirações, desejos, frustrações, ambições. Para piorar, suas biografias e perfis são constantemente re-escritos, na medida em que as décadas rolam, e a sociedade, os leitores e leitoras, os desejos e frustrações mudam. E para tornar tudo ainda mais complicado, muitos de nós, leitoras e leitores , colocamos neles – nos super-heróis e suas mutáveis biografias – o tipo de religiosidade e fé que, em outras arenas, são reservadas a textos sagrados.

Super-Homem é um super-herói ainda mais difícil. Ele não é humano, pra começar. E, com uma única exceção, é invencível. Pergunte a qualquer pessoa que escreve em qualquer meio o que é ter um herói sem fraquezas. Não é brincadeira não.  Até mesmo os gregos da era clássica, pioneiros na concepção do super-herói, deram um calcanhar para Aquiles e um veneno poderoso para Hércules. Porque o poder ser derrotado é o que mais nos aproxima da vontade de gostar profundamente dos nossos super-heróis, e achar algo de nosso neles.

Num filme as coisas se complicam tremendamente, porque tem-se duas horas e trocados para tecer uma trama que prenda, encante e, de preferência, extasie a plateia. Através de sucessivos ciclos de filmes de super-heróis, dois caminhos se consagraram como soluções para o dilema de como atacar um gênero ao mesmo tempo tão difícil e tão popular:

a)    Levar na brincadeira. A coisa toda é absurda demais para ser atacada como um drama. Esses caras de malha e capa não podem estar se levando a sério. Quando funciona, temos Os Vingadores, de Joss Whedon.

b)   Levar  totalmente a sério. Estamos de volta aos princípios da mitologia primordial, egípcia, babilônica, grega, e esses heróis são nossos Horus, Gilgamesh, Ulisses. Quando dá certo temos a trilogia Batman de Christopher Nolan. (especialmente O Cavaleiro das Trevas, onde o já imortal Coringa de Heath Ledger comenta exatamente a solenidade de Nolan: “Mas por que tão sério?”)

Com tudo isso na cabeça, mais a alegria de apreciadora de um bom de filme de aventura, com ou sem super-herói, fui ver Homem de Aço  (Man of Steel, Zack Snyder, 2013) querendo gostar , e gostar muito. Sabendo que ali estavam dois realizadores com uma queda para levar as coisas muuuuito a sério – Nolan, produtor, e Zack Snyder, diretor – eu esperava um bom mergulho em toda a complexidade do mito Super-Homem, o alienígena que é a superação de todas as falhas humanas, o sobrevivente do holocausto planetário, o repositório das esperanças da humanidade desde a Grande Depressão dos anos 1930.

 Homem de Aço começa como o Super-Homem de 1978, de Richard Donner: em Krypton, sob a sombra dupla de um golpe de estado e da iminente destruição do planeta. A solução de Donner para Krypton, considerando os recursos da época, era simples mas elegante. Snyder partiu para o extremo oposto, com muito tudo, inclusive um estranho sotaque pseudo britânico para Russell Crowe como Jor-El. O Zod de Michael Shannon fala como americano mas tem um corte de cabelo idêntico ao de Joaquin Phoenix como o Imperador Commodus, o que me fez pensar, por um segundo, que eu estava vendo Gladiador.

Zod é uma boa escolha como nêmesis de Kal-El/Clark Kent, especialmente para o primeiro filme do que pode vir a ser um ciclo: Zod é  um igual, um conterrâneo do herói. David Goyer, que escreveu Cavaleiro das Trevas Ressurge com Nolan, está basicamente reciclando a premissa do filme de Nolan, e usando alguns bons estratagemas para tornar o relacionamento Zod-Kal-El- Jor-El tão complexo quanto pode ser num filme deste tamanho.

Mas nem isso, nem a discrepância de sotaques, nem o cabelinho de Zod/Shannon, nem mesmo as bizarras criaturas que povoam Kripton conseguiram esmorecer minha vontade de gostar de Homem de Aço. Nem mesmo quando a Fortaleza da Solidão passa a ser um dos lugares mais movimentados acima do cículo Ártico, ou quando somos apresentados a Clark Kent no que parece alguma cena perdida da série The Deadliest Catch, do Discover , eu me desiludi. Afinal, a destruição de Kripton tinha sido espetacular, e o novo visual do Super-Homem, sem sunga vermelha e sem cachinho na testa, era bem bacana.

Ainda haveria mais um belo momento – o vôo inaugural do Super-Homem, sempre um momento-chave de todos os seus filmes, é especialmente emocionante aqui, graças à evolução dos efeitos digitais, que agora permitem, sem restrições de credibilidade, que Kal-El toque as estrelas.

A alegria, no entanto, durou pouco. Muito rapidamente Homem de Aço se transforma numa sucessão sem trégua de destruições mega-barulhentas e intermináveis. Primeiro Smallville, depois Metropolis  vêm abaixo, sempre com as marcas do merchandising em primeiro plano. A demolição é pontuada por diálogos que um estudante de roteiro do primeiro ano ficaria encabulado de escrever e tudo é levado muito, muito, muito a sério.

Parece que todos estão participando de uma tragédia grega com figurinos de um show da Lady Gaga, mas isso não é o pior: o pior é que não  há nenhum real drama humano, o gancho que nos prende, o mistério que nos encanta, a representação de um perigo real ameaçando personagens que aprendemos a gostar.

O episódio Rains of Castamere, de Game of Thrones, nos reduziu às lágrimas com flechadas e espadas. Homem de Aço destroi cidades inteiras sem envolver a plateia. Pelas minhas contas, segundo o filme, Metropolis tem cerca de 24 habitantes apenas. E nenhum deles corre sério risco de coisa alguma, nem mesmo com o desabamento de todos os arranha-céus da vizinhança.

Em dado momento eu me vi perguntando, silenciosamente: nossa, isso é filme de Michael Bay?

Fiquei triste. Imaginei quantos executivos deram palpite, pediram “mais ação!”, “mais efeitos!” Imaginei o que teria acontecido para que tantos bons atores – Michael Shannon, por exemplo – estejam tão mal aproveitados.

Acho que vai ser um sucesso. A coisa mais brilhante de Homem de Aço é sua campanha de marketing, e essa, somada aos nomes de Nolan, Snyder e do Super-Homem vai garantir uma bilheteria séria. Não sei se será o bilhão que a Warner está esperando, e que poderia garantir a franquia, sem dúvida.

Espero que venha aí mais um. Ou dois. E que os realizadores, sejam eles quem forem, possam nos oferecer tudo o que o mito sugere e promete. Mas até lá…

Homem de Aço estreia dia 14 de junho nos Estados Unidos e dia 12 de julho no Brasil.


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