Blog da Ana Maria Bahiana

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Uma serpente à solta no jardim de inverno: Fargo, minha nova série-obsessão
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Ana Maria Bahiana

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Cozinhando no fogo brando de uma virose que trouxe comigo do Brasil ainda continuo devendo – a mim mesma e a vocês – uma atualização da temporada pré-pipoca. E quanta movimentação, afinal, nesta época em geral paradona: elenco de Star Wars VII anunciado; Les Revenants virando série americana via A&E com Carlton Cuse e Raelle “True Blood” Tucker no comando; júri e programação de Cannes 2014; Zack Snyder dirigindo Liga da Justiça

Mas uma coisa eu consegui fazer – por a TV em dia. E a TV está tão, mas tão mais interessante estes dias…

Prometi falar da minha série-obsessão, mas antes dela quero incluir uma importante menção honrosa: Silicon Valley, de Mike Judge, que estreou dia 6 de abril na HBO daqui. Não me dou bem com a maioria das séries de comédia americanas, confesso. Até rio de um ou outro episódio, mas muito poucas conseguem me prender com a fidelidade das séries de drama.

 Silicon Valley é uma baita exceção. E não é só porque pegou na precisão a cultura do Vale do Silício, as diferenças entre nerds  (que são franzinos e andam sempre em grupos de cinco) e brogramers (que são bombados, bonitões e atuam solo), o vestuário de agasalhos e tênis nike de cores berrantes, a onipresente mensagem de “vamos criar um mundo melhor” enquanto verdadeiros amazonas de dinheiro correm de um bolso para o outro. Não é nem porque conseguiu fazer riffs plausíveis sobre fatos, empresas e pessoas reais. É porque é espetacularmente bem escrita, com personagens que transcendem os estereótipos tão comuns em comédia (e especialmente em comédia nesse universo) e ganham vida e personalidade completas, complicadas.

E como metade do sucesso de um projeto está no elenco, o de Silicon Valley não podia ser melhor, liderado pelo sensacional Thomas Middleditch, que vimos quase de relance em O Lobo de Wall Street (e mais no muito bom indie The Kings of Summer). Além do Richard de Middleditch – o mais simple e o mais inteligente num universo em que todo mundo se acha o máximo – tenho carinho especial por Guilfoyle, o satanista imigrante ilegal de Martin Starr e o fanfarrão Erlich de T.J. Miller, possível futuro Steve Jobs que nunca será.

Agora, senhoras e senhores, minha nova série-obsessão: Fargo. Confesso que quando soube que os irmãos Coen estavam desenvolvendo uma série baseada em seu (justamente) premiado filme de 1996, fiquei preocupada. Não conseguia ver como uma narrativa tão perfeitamente bem contida nos 98 minutos do filme (é, só 98…) podia ser reinventada como uma série.

Como eu estava enganada… Tendo visto os primeiros seis episódios desta série de 10 (que ainda não se sabe se vai continuar…) as únicas perguntas que restaram na minha cabeça foram: como ninguém teve essa ideia? E – quem é  Noah Hawley e como nunca ouvimos falar dele antes?

Essa última pergunta é falha nossa. Hawley, showrunner espetacular de Fargo, escreveu uma batelada de episódios de Bones e produziu duas séries de breve duração, The Unusuals e My Generation. Mas isso não explica, sozinho, a sintonia que ele teve com Joel e Ethan Coen, a compreensão profunda não apenas de Fargo mas de toda a filmografia dos irmãos realizadores e  o modo como desconstruiu e reconstruiu esse mundo na estrutura multi-arco da série de TV.

Melhor não entender, apenas  desfrutar.

Fargo, a série, inspira-se em “fatos reais” (que não se sabe o quanto são de fato, e isso não tem a menor importância…) e se passa no inverno de 2006 (10 anos depois do filme original) numa região entre os estados de Minnesota e Dakota do Norte, na fronteira com o Canadá. A trama segue em círculos, como a trajetória dos condenados no Inferno de Dante, entre as cidades de Fargo e Duluth e a diminuta Bemidji, quase um ponto perdido na vastidão branca das planícies do centro-norte dos Estados Unidos.

Como em muitos momentos da filmografia dos Coen, Fargo, Duluth e Bemidji são uma espécie de reservatório de inocência, um universo preservado no gelo e no isolamento das altas latitudes onde pessoas simples e parrudas, descendentes dos imigrantes escandinavos que povoaram a região, levam uma vida singela pontuada por cordialidade lacônica e pequenos ritos domésticos e comunitários: o boliche, a pescaria no lago gelado, as compras da semana, o jantar de hambúrgueres comprados na lanchonete da esquina.

Neste jardim de inverno Hawley e os Coen – como tantas outras vezes em sua obra – introduzem uma serpente de pura e absoluta maldade, um predador liberto de qualquer moral, uma força inconsciente movida apenas a instinto e violência. O encanto é gradualmente quebrado. A fachada alegremente pitoresca começa a rachar, instintos reprimidos vem borbulhando à tona, um ato de violência gerando outro e mais outro – pense em Arizona Nunca Mais, Ajuste Final, Onde os Fracos Não Tem Vez.

Mas – e este é talvez um dos maiores triunfos da série – ao invés de cair no modo “over”, no fogo cerrado de coisas horrendas acontecendo  sem parar, barulhentamente, Fargo não permite que a serenidade gélida de sua paisagem geográfica e humana seja quebrada. Tudo continua como sempre foi, o que torna as explosões de sangue e crueldade mais impressionantes,  mais efetivas e – este é um mundo Coen – muitas vezes vagamente surreais.

Pense em toda a filmografia dos Coen condensada em Twin Peaks. É por aí.

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Filmada em Alberta, no Canadá, a série é perfeita em todos os detalhes, da impecável direção de arte à trilha que evoca mas não copia o trabalho original de Carter Burwell.

O elenco me surpreendeu demais. Confesso que tinha desistido de esperar muito de Billy Bob Thornton – para mim ele andava sempre muito perto de uma caricatura de si mesmo. Mas como Lorne Malvo, a serpente no paraíso das planícies geladas, ele é a representação perfeitamente calibrada do mal inteligente, aterrorizante num momento, sedutor em outro, inteiramente banal na maior parte do tempo.

Em pontos chave de um elenco de conjunto Martin Freeman como um atormentado agente de seguros, Colin Hanks como um policial coração mole, Bob “Saul” Odenkirk como um xerife de poucas luzes e Oliver Platt como um seboso dono de supermercado estão perfeitos. A grande revelação é a novata Allison Tolman que, depois de pequenos papéis em duas outras séries, carrega com delicadeza, inteligência e desenvoltura o papel que é a própria alma de Fargo: a policial Molly Solverson, uma espécie de Columbo perdido nos cafundós de Minnesota, muito mais inteligente e aguda do que todo mundo acha que ela é – um riff em cima do papel criado na tela por Frances McDormand.

Fiquei ao saber que Hawley assinou por dois anos com o canal FX. Com certeza muito boas coisas virão. Que tal mais Fargo?

 


Hollyworld: crise leva produção e efeitos para o mundo
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Ana Maria Bahiana

O que a eleição para prefeito de Los Angeles e a comoção com o discurso interrompido do ganhador do Oscar por efeitos especiais tem em comum?

Numa cidade que, literalmente, vive de cinema e TV, tudo.

Os dois candidatos a prefeito, escolhidos num primeiro turno três semanas atrás —  Wendy Greuel e Eric Garcetti, ambos democratas  — vão disputar o cargo no segundo turno, em maio tendo como um dos pontos principais de suas campanhas suas iniciativas para deter a “produção em fuga”. “Nesta cidade, quando há um volume produção em  andamento, todo mundo ganha. Eu não estou na indústria, mas as compras na minha loja aumentam quando estão filmando aqui na rua”, disse uma eleitora numa entrevista de rádio, no dia do primeiro turno.

Somente entre 2004 e 2011, o município de Los Angeles perdeu mais de três bilhões de dólares em salários que teriam ido para equipes de cinema e TV se os projetos não tivessem sido relocados para outros estados e países, atraídos por incentivos fiscais e facilidades burocráticas.

O problema não vem de hoje – uma rápida pesquisa nos arquivos de Variety e Los Angeles Times revela matérias e declarações preocupadas já em meados da década de 1990. Mas a globalização, a expansão das comunicações e o desenvolvimento de infra estrutura em outros países, junto com a prática cada vez mais comum de grandes incentivos fiscais, está neste século, levando a produção norte americana de cinema e TV cada vez mais para longe de Los Angeles. Leste europeu, Austrália e Nova Zelândia, Irlanda, Canadá, Filipinas, Tailândia, Taiwan e África do Sul recebem hoje produções que, décadas atrás, seriam filmadas em locações ou estúdios do Sul da Califórnia. E outros estados– Carolina do Norte,  Novo México, Georgia, Michigan, Louisianna, Havaí, Alasca – oferecem incentivos fiscais tão ou mais apetitosos quanto esses países.

A crise financeira de 2008 acelerou ainda mais esse processo, e agregou outro elemento da produção a essa fuga: os efeitos especiais.

Quando, cinco anos atrás, o dinheiro sumiu e o público decidiu ficar em casa, os grandes estúdios – que são os grandes movimentadores de recursos, contribuindo com mais de 15 bilhões de dólares  por  ano em impostos federais e estaduais – apertaram o botão de pânico em duas frentes: uma, baixar ao máximo o custo de produção; duas, só investir no que pode dar certo, ou seja, filmes espetaculares para o público infanto-juvenil.

Só existe um modo de resolver essa equação: levando os efeitos especiais, que hoje podem representar mais de 40 por cento do orçamento de uma produção, pelos mesmos caminhos da filmagem, ou seja, para lugares onde o custo seja menor e haja incentivos fiscais.

Bill Westenhofer (à direita) , à frente do seu time, tenta agradecer a vitória por As Aventuras de Pi, no Oscar

“Os efeitos especiais estão vivendo um momento de enormes desafios”, diz Bill Westenhofer, um dos fundadores e CEO da Rhythm ‘n Hues, uma das mais antigas e respeitadas empresas de efeitos visuais de Los Angeles. Premiada com um Oscar pelos efeitos de As Aventuras de Pi, a Rhythm ‘n Hues tinha pedido concordata uma semana antes da festa, e, neste momento, tem sua sorte decidida nos tribunais.  “Temos que repensar nosso modelo de negócios”, Westenhofer continua. “Nossos artistas de efeitos visuais estão sofrendo, agora. A Rhythm ‘n Hues sempre foi uma empresa onde o profissional vinha em primeiro lugar, onde cada um era tratado como o artista que ele ou ela de fato é. Como manter isso sem se colocar numa crise financeira? Como não perder a qualidade quando os orçamentos que nos propõem são cada vez mais apertados?”

Westenhofer e seus sócios parecem ter encontrado a resposta: além de suas filiais na Malásia e na India (que não foram afetadas pelo processo de falência), estão planejando abrir uma nova empresa em Taiwan. Nada foi anunciado oficialmente ainda, mas neste último domingo, dia 17, um anúncio da Rhythm ‘n Hues  no jornal chinês China Post procurava candidatos para 200 vagas de técnicos e artistas de efeitos.

Teria sido por isso que Westenhofer foi tão brutalmente interrompido pelos temas de Tubarão e Bonanza, na noite do Oscar? Porque seu discurso de agradecimento nos Oscars estava rumando para um exposé do estado de coisas da indústria dos efeitos em Los Angeles? E concluindo que os dias em que Los Angeles era a capital por default da produção do cinema estavam terminando? E que isso não é coisa que se diga na noite em que a indústria está dando tapinhas nas próprias costas?

Não se iludam, contudo: o poderio financeiro e o know how ainda estão aqui. Mas o mundo está cada vez mais acessível e interessante, sustentado por mercados com apetite cada vez maior por produto audioviosual e com estrutura e mão de obra altamente competitivas. O que hoje se chama Hollywood migrou da costa leste para a California, um século atrás, exatamente por esse motivo. E, agora, vai mais além.


Ang Lee, em breve na sua TV
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Ana Maria Bahiana

Não que ninguém ainda precise ser convencido de que a TV é a nova alternativa viável ao cinema independente de qualidade, mas aqui vai mais uma: o primeiro projeto de Ang Lee depois de ganhar Oscar de melhor diretor por As Aventuras de Pi será um piloto para uma nova série de TV. Tyrant, a nova série criada pelo mesmo time de Homeland, Howard Gordon e Gideon Raiff (que também criou a série israelense Prisoners of War, que foi a base de Homeland), mais Craig Wright de Dirty Sexy Money, segue o drama de uma família norte-americana num país do Oriente Médio que se torna cada vez mais instável e perigoso.  Lee, já envolvido no desenvolvimento do projeto, está enfatizando a complexidade psicológica da situação – um traço comum em toda a sua filmografia.

O canal FX – que está dando um banho nesta temporada com The Americans, em breve aqui no blog – vai por o piloto no ar no início de 2014, e pouca gente duvida que não será seguido da encomenda de uma série.

Lee segue nos passos de Martin Scorsese, David Lynch, David Fincher, Steve Soderbergh, Miguel Arteta, Paul Greengrass, Jonathan Demme, Nicole Holofcener, Mike White e, mais recentemente, Jane Campion (cuja Top of the Lake vou comentar em breve aqui no blog, também) em abraçar a TV como uma opção criativa real numa indústria que está cada vez mais reservando o espaço nobre da tela para o exclusiva e obviamente comercial infanto-juvenil.


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