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Phil Spector: o último tango em Alhambra
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Ana Maria Bahiana

É muito dificil imaginar o que realmente David Mamet estava querendo dizer com Phil Spector, o telefilme que ele escreveu e dirigiu e que estreia neste domingo, dia 24, na HBO, aqui nos Estados Unidos. O release do canal sugere uma “meditação sobre a celebridade nos dias de hoje”, mas ainda não sei bem onde estaria essa reflexão.

Em 2003, quando a garçonete/aspirante a atriz Lana Clarkson apareceu morta, com um tiro na cabeça, na mansão de Spector, em Alhambra, um subúrbio de Los Angeles, estavam bem longe os dias em que seu nome significava poder absoluto, criador de estrelas, gigante da indústria musical. Phil Spector, o filme, ocupa-se não da vasta carreira de Spector como produtor e descobridor de talentos, viga mestra do pop dos anos 1960,  influência na sonoridade de dezenas de artistas e bandas de todas as décadas, mas nas semanas de setembro de 2007, data do seu primeiro julgamento pela morte de Clarkson.

É uma obra de câmara, bem ao gosto de Mamet _ os grandes momentos, os que visivelmente  lhe interessam como dramaturgo, são os longos encontros entre Spector (Al Pacino) e a advogada Linda Kenney Baden (Helen Mirren), do seu time de defesa. O líder do time, o advogado-estrela Bruce Cutler (Jeffrey Tambor) está arrancando os cabelos que não tem: todas as evidências apontam para a culpabilidade do seu cliente. Baden, trazida às pressas de Nova York, é despachada para a mansão de Spector, na esperança de arrancar da reclusa ex-celebridade algum elemento que possa levar a um veredicto a seu favor.

Quem se lembra do que aconteceu neste primeiro julgamento sabe por onde isso vai. Mas por todos os lados possíveis não é isso que importa. Phil Spector, como uma peça de drama jurídico, levanta tantas perguntas sobre o ponto de vista de Mamet… Ele quer dizer que celebridades merecem ser julgadas de forma diferente de não-celebridades? Que ter sido um genio, um monstro sagrado do pop, torna Spector imediatamente acima de qualquer suspeita? Que pobres-coitadas como Lana Clarkson – “o pesadelo de todo homem”, diz Spector/Pacino/Mamet – devem sempre ser as primeiras suspeitas de suas próprias mortes? (Harriet Ryan, que cobriu os dois julgamentos de Spector para o jornal Los Angeles Times, tem uma análise detalhada e precisa da ótica distorcida de Mamet.)

Colocando de lado esses poréns, Phil Spector me interessou mais como um estudo de personagem, um olhar (apoiado naquele diálogo maravilhoso de que Mamet é capaz) sobre duas personalidades completamente opostas que se encontram nas circunstâncias mais bizarras possíveis e acham alguma coisa, algum caminho, alguma fresta por onde se comunicar. Baden (muito mais elegante na interpretação de Mirren do que na vida real) é uma linha reta de determinação, senso prático, lógica. Spector (que Pacino ataca com todo o entusiasmo que tem para personagens fora do comum) é um ser frágil e enraivecido, movendo-se em raciocínios circulares, eternamente assombrado por seu passado, alimentado por fantasias, fantasmas, lembranças.

Mamet constroi uma espécie de coreografia entre os dois, uma dança na qual um tem que ceder algo para poder confiar no outro. E isso é o que vale no filme, como obra dramática, além de suas falhas como interpretação dos fatos.


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