Blog da Ana Maria Bahiana

Categoria : TVland

A globalização da tela pequena: a TV adere à refeitura
Comentários COMENTE

Ana Maria Bahiana

Clive Owen em Second Sight, a original

Mais do que nunca em sua história de 70 anos a televisão norte-americana está seguindo a deixa do cinema e usando conceitos e projetos internacionais como base para sua produção.

Não é uma tendência inédita _ nos anos 1960 e 1970 pelo menos duas séries muito populares, All in the Family e Three’s Company, foram refeituras de séries britânicas.

Mas estes últimos anos viram uma tremenda aproximação entre produções internacionais e produtores norte-americanos de TV (e por TV hoje entendemos todas as plataformas, é claro). De Ugly Betty/ Yo Soy Betty, La Fea (Colombia) a Homeland/Prisoners of War (Israel), passando por In Treatment (Israel), The Killing (Dinamarca),House of Cards, Shameless, Being Human, Prime Suspect, The Office (Grã Bretanha), a TV norte americana está cada vez mais saindo de seu modelo habitual– criar um conceito, revendê-lo ao mundo – para criar uma outra mão no trânsito de ideias.

A temporada 2013-2014 pode ser uma recordista nesta outra mão: que eu saiba há pelo menos  seis séries sendo desenvolvidas para a TV norte americana a partir de títulos estrangeiros:

  •  Los Roldan (Argentina): Ainda sem título nos EUA, a telenovela argentina está sendo adaptada  para a rede  ABC pela produtora Ventanarosa, de Salma Hayek, a mesma que trouxe Betty La Fea para cá. O clima é de comédia dramática e a  história gira em torno de uma alta executiva riquíssima que é salva por um rapaz operário e, em sinal de gratidão, lhe dá um alto cargo em suas empresas.
  •  Second Sight (Grã Bretanha): Com quatro temporadas na Grã Bretanha (onde é exibida como uma série de longas), Second Sight está sendo adaptada para a CBS por Michael Cuesta, responsável pela criação de Homeland a partir de Prisoners of War. Jason Lee vai tomar o lugar de Clive Owen (por quê, ó céus, por quê?!!!) no papel de um detetive super inteligente e racional que, depois de sofrer um acidente que afeta seu cérebro, muda completamente sua abordagem para resolver crimes tidos como insolúveis.
  •  Rake (Austrália): Um enorme sucesso na Austrália, esta série mistura drama e comédia super sombria, com um protagonista super interessante – o advogado beberrão e farrista que adora poesia, mora na zona e namora uma prostituta. Sam Raimi e Peter Tolan (Rescue Me) estão trabalhando no piloto para a Fox, com estreia prevista para novembro.
  •  Spy (Grã Bretanha):  Um pai de família subitamente se torna um espião nesta muitas vezes premiada comédia da Sky TV britânica . Rob Corddy é o astro da versão americana, estreando no segundo semestre na ABC.
  •  The Naked Truth (Israel): Clyde Phillips, o criador de Dexter, opcionou os direitos deste drama policial israelense e está desenvolvendo a série para a HBO. Como sua compatriota In Treatment, The Naked Truth se passa inteiramente em um ambiente – no caso, a sala de interrogatório de uma delegacia de polícia.
  •  Gavin & Stacey (Grã Bretanha):  A série de comédia sobre a longa e complicada amizade entre os personagens do título virou Friends and Family na versão que a Fox espera estrear no segundo semestre com Jason Ritter e Alexis Bledel nos papéis principais.
  •  Pulling (Grã Bretanha): Sucesso na BBC, a série de comédia segue três amigas que levam muito a sério sua liberdade de beber, namorar e trabalhar o mínimo possível. Kristen Schaal, Jenny Slate e June Diane Raphael são as estrelas da versão norte-americana, da ABC.

Game of Thrones, terceira temporada: hora da virada
Comentários COMENTE

Ana Maria Bahiana

Minha maior admiração por Game of Thrones, além da  pura ambição de produzir um projeto desta escala, é a exatidão como David Benioff e Daniel Weiss abraçam a vasta paisagem humana, política e social do universo criado por George R. R. Martin. Exatidão, neste caso, não quer dizer que cada um dos muitíssimos fios narrativos da saga As Crônicas de Gelo e Fogo estão presentes na série  -isso seria impossível – mas que todas as ideias fundamentais contidas na obra estão articuladas e expressas com todo o vigor que a imagem em movimento pode dar.

É a hora de repetir o mantra comigo: livro é livro, filme é filme. Ou, neste caso, TV – embora, sinceramente, Game of Thrones tenha todo o fôlego e amplidão de um filme épico, daqueles que nos velhos tempos seriam em Cinemascope 70 milímetros. Toda vez que as perucas da Daenerys ou a dicção exageradamente teatral de, digamos, Iain Glen como Jorah Mormont ou Aidan Glenn como Littlefinger me incomodam, eu me lembro da incrível complexidade do texto original e volto a me deixar levar pela série.

A terceira temporada de Game of Thrones ocupa-se de A Tormenta de Espadas, o mais longo e mais sangrento dos volumes já publicados das Crônicas. Se me lembro bem (estou relendo o livro agora), há pelo menos cinco momentos marcantes em Tormenta, grandes viradas na narrativa que envolvem sangue, fogo e, para quem não leu, surpresas daquelas que fazem a gente pular do sofá e gritar “nãããoooo”. Na verdade, David Benioff me confessou que durante as filmagens de um desses cinco momentos, atores, equipe e extras desataram a chorar. “E essas são pessoas que não choram muito, porque conhecem todos os truques e, sinceramente, tem mais o que fazer”, ele disse. “Mas foi um momento incrivelmente emocionante.”

Nem todo o livro estará lá – como GRRM disse (e Benioff confirmou), um terço de Tormenta ficou para quarta temporada, incrementado com elementos do livro seguinte, O Festim dos Corvos.

Ao ver os primeiros quatro episódios desta temporada, fiquei mais uma vez feliz com a precisão da narrativa, o modo como as “nove tramas em nove lugares” (palavras de Benioff) seguem firmes e claras, expondo as marés dos jogos políticos, dando tempo para as definições emocionais dos personagens. Logo no primeiro episódio há um sensacional encontro entre Tywin Lannister (Charles Dance) e Tyrion (Peter Dinklage, cada vez melhor, se isso é possível) que, imediatamente, estabelece a base sobre a qual todo o restante da temporada em King’s Landing vai se desenvolver. E a complicada relação entre Jaime Lannister (Nikolaj Coster-Waldau) e Brienne of Tarth (Gwendoline Christie), uma das mais fascinantes da história, para mim, tem o exato tempo de se firmar e transformar.

Uma das perguntas que eu me fazia era como a série ia utilizar esses cinco momentos – todos grandes rupturas da trama, absolutamente definidores de seus personagens – para balizar o ritmo da temporada. Ao ver o primeiro deles (um dos meus favoritos de todos os livros) encerrando o quarto episódio, posso ter certeza de que há uma bela e sólida estrutura ancorando o que pode ser a temporada mais complexa e, possivelmente, perturbadora da série.

A terceira temporada de Game of Thrones estreia hoje nos EUA e no Brasil.


Game of Thrones, terceira temporada: minha conversa com George R. R. Martin
Comentários COMENTE

Ana Maria Bahiana

Discretamente, quase imperceptível, uma figura corpulenta e barbuda se esgueira pelas laterais do bufê de brunch, ao ar livre nos jardins de um luxuoso hotel de Beverly Hills, e se instala numa mesa de canto com um café e um prato de ovos mexidos e frutas. À sua volta fotógrafos, divulgadores e executivos da HBO circulam em torno das estrelas da série Game of Thrones como formigas em volta de um torrão de açúcar. Em sua mesa sossegada, o homem barbudo sorri : “Este é o momento deles, está certo.”

Mas na verdade sem ele este momento não existiria: o convidado silencioso do dia de imprensa de Game of Thrones é seu criador George R.R. Martin, autor da série de livros As Crônicas de Gelo e Fogo que é a base da série vitoriosa da HBO e um dos seus roteiristas.

A calma em torno de sua mesa inspira uma boa conversa:

Embora seus livros sejam fantasia, eles tem muito em comum com fatos históricos, com a Europa medieval…

_Essa é a ideia. Adoro fantasia. Li todo Tolkien.  Mas também li muitos textos históricos e muita ficção histórica. Quando comecei a trabalhar nestes livros, anos atrás, meu objetivo era fundir as tradições da fantasia com as da ficção histórica, mantendo um clima mais realista, mais duro. E embora Westeros não exista, seja um país inventado, eu queria que tudo nele se passasse como na Idade Média real, e desse uma ideia clara do que era a vida diária nesse período. Porque acho que muito da literatura de fantasia não tem isso, é cheia de castelos e princesas, mas é a Idade Média da Disney.

O que está achando da série até agora?

_ Eu fico maravilhado quando vejo cada episódio da série. Eles estão realizando minha visão. É claro que há diferenças entre o que eu imaginei e coloquei na página e o que é possível realizar na série, mas isso é inevitável. O amor que David  e Dan (David Benioff e D.B. White, roteiristas, produtores e showrunners de Game of Thrones) têm pelos livros e sua dedicação em trazer a história para os espectadores mantém essa visão coesa. Eu compreendo perfeitamente o trabalho da adaptação, tenho essa vantagem porque trabalhei muitos anos em Hollywood. Durante dez anos, nos anos 80 e 90, eu trabalhei em séries de TV: Além da Imaginação, A Bela e a Fera, além de desenvolver meus próprios pilotos. Eu vi o processo pelo outro lado. Muitos autores que têm suas obras adaptadas para cinema ou TV não compreendem o processo, e por isso muitas vezes criam-se sentimentos negativos, animosidades. Minhas expectativas eram realistas, e por isso estou muito, muito feliz com o resultado.

Nesta temporada você escreveu o roteiro do episódio 7, The Bear and the Maiden Fair. Você gostaria de estar mais presente na produção da série?

_Um lado meu gostaria de estar ainda mais envolvido, mas ainda tenho dois livros enormes para terminar, para concluir a história, até 2015. Não ouso escrever mais que um roteiro por temporada.

Qual a sua visão desta terceira temporada?

_Esta temporada se ocupa de, digamos, dois terços do terceiro livro, A Tormenta de Espadas, que é onde resolvi várias coisas que eu vinha preparando desde o princípio. E onde, por causa disso, há alguns dos momentos que, eu sei, mais vão chocar e, possivelmente, enfurecer a plateia. Eu já passei por isso – quando o livro saiu, eu recebi uma chuva de emails de leitores dizendo que me odiavam, que tinham jogado o livro no lixo, que tinham queimado o livro… Eu mesmo confesso que passei muito tempo sem conseguir escrever esse capítulo. Pulei e escrevi o capítulo seguinte, até o final do livro, e depois voltei atrás e escrevi. Mas… não vou falar mais disso não porque muita gente que acompanha a série não leu os livros…

Você se ofende com esse tipo de reação?

_Não, pelo contrário. Quando eu escrevo eu estou emocionalmente investido nos personagens, e espero que meus leitores também estejam. Eu quero que os personagens sejam verdadeiros para meus leitores, que eles se preocupem com o destino deles. Essa reação é mais que natural _ é a que mostra que estou no caminho certo.

Qual é o seu personagem favorito?

_Tyrion. Na verdade, eu gosto de todos os meus personagens marginais, todos aqueles que não se enquadram na sociedade em que vivem. Tyrion, o anão. Jon, o bastardo. Danny, exilada, que perdeu tudo na vida. Arya, que age como um menino e não é considerada feminina. Brienne, que é enorme e forte e luta como um homem. Sam que é gordo e meio covarde. Eu sou muito atraído por esses personagens, pessoas que são desprezadas e precisam provar quem são e a que vieram. Para mim o heroísmo dessas pessoas é muito mais interessante do que o daqueles que ganharam tudo de bandeja.

Você está improvisando à medida em que escreve ou sabe quem vai ficar com o Trono de Ferro?

_Sei. De verdade. Mas é claro que não vou dizer. Posso dizer que muita gente vai ficar com o Trono de Ferro até o final da saga. E muita gente  vai passar pelo Trono de Ferro e morrer. Mas sim, alguém fica com o Trono de Ferro na última página do último livro, Um Sonho de Primavera. Espero que você goste. Nem todo mundo vai gostar….

 

 


Em breve numa tv ( ou computador,tablet, smartphone) perto de você: os irmãos Wachowski
Comentários COMENTE

Ana Maria Bahiana

Os irmãos Wachowski acabam de se unir à cada vez mais numerosa leva de realizadores que acharam nas telas domésticas multi-plataforma seu porto seguro: Lana e Andy Wachowski fecharam com a Netlflix a produção e distribuição de sua série de sci-fi, Sense8. Os irmãos uniram-se ao roteirista/produtor Joe Straczynski (Babylon 5) na criação dos 10 episódios sobre (nas palavras dos irmãos) “como a tecnologia ao mesmo tempo nos une e nos divide”..

O modelo da série-on-demand, feita para canais de streaming em várias plataformas está se afirmando cada vez mais como uma alternativa viável para a TV, oferecendo programação que apetece tanto aos criadores (que tem maior liberdade para criar) e aos espectadores (que ganham mais opções de conteúdo fora do que um canal poderia oferecer, por suas restrições de mercado). Somados às séries e telefilmes dos canais por assinatura, esta é uma massa de conteúdo inovadora que, não tenho dúvida, está preenchendo a imensa lacuna deixada pelo cinema, onde os independentes lutam contra obstáculos cada vez maiores, e os estúdios, como me disse um terno Armani, só pensam em “regurgitar suas franquias ou copiar as franquias dos concorrentes”.

Somente na Netflix teremos, mês que vem,  Hemlock Grove, criada por Eli Roth,  e, mais adiante, a terceira temporada de The Killing, a volta de Arrested Development e Derek, de Ricky Gervais. Seu principal competidor, Amazon Studios, está desenvolvendo uma série baseada no hit cult Zombieland. Amazon Studios tem seis outras séries de comédia em desenvolvimento, mais seis outras séries voltadas para o público infantil.

Scorsese com Leonardo diCaprio no set de Gangues de Nova York, em Cinecittá

E agora, na última hora: a Miramax e Martin Scorsese anunciam que estão desenvolvendo uma série baseada no filme Gangues de Nova York, de 2002. O projeto ainda não tem canal (ou plataforma on demand) exibidor, mas ninguém acredita que isso será um problema _ muito pelo contrário.  “Este é um período muito rico na história dos Estados Unidos, repleto de personagens e histórias que não caberiam num filme de duas horas”, Scorsese declarou. ” Uma série nos dá mais tempo e liberdade para mostrar este mundo complexo, e refletir sobreas implicações que ele teve e tem em nossa sociedade.”

Sense8 entra em produção em breve, para estreia no segundo semestre de 2014.Para Gangues, fiquem ligados _ mais notícias assim que eu souber.


Phil Spector: o último tango em Alhambra
Comentários COMENTE

Ana Maria Bahiana

É muito dificil imaginar o que realmente David Mamet estava querendo dizer com Phil Spector, o telefilme que ele escreveu e dirigiu e que estreia neste domingo, dia 24, na HBO, aqui nos Estados Unidos. O release do canal sugere uma “meditação sobre a celebridade nos dias de hoje”, mas ainda não sei bem onde estaria essa reflexão.

Em 2003, quando a garçonete/aspirante a atriz Lana Clarkson apareceu morta, com um tiro na cabeça, na mansão de Spector, em Alhambra, um subúrbio de Los Angeles, estavam bem longe os dias em que seu nome significava poder absoluto, criador de estrelas, gigante da indústria musical. Phil Spector, o filme, ocupa-se não da vasta carreira de Spector como produtor e descobridor de talentos, viga mestra do pop dos anos 1960,  influência na sonoridade de dezenas de artistas e bandas de todas as décadas, mas nas semanas de setembro de 2007, data do seu primeiro julgamento pela morte de Clarkson.

É uma obra de câmara, bem ao gosto de Mamet _ os grandes momentos, os que visivelmente  lhe interessam como dramaturgo, são os longos encontros entre Spector (Al Pacino) e a advogada Linda Kenney Baden (Helen Mirren), do seu time de defesa. O líder do time, o advogado-estrela Bruce Cutler (Jeffrey Tambor) está arrancando os cabelos que não tem: todas as evidências apontam para a culpabilidade do seu cliente. Baden, trazida às pressas de Nova York, é despachada para a mansão de Spector, na esperança de arrancar da reclusa ex-celebridade algum elemento que possa levar a um veredicto a seu favor.

Quem se lembra do que aconteceu neste primeiro julgamento sabe por onde isso vai. Mas por todos os lados possíveis não é isso que importa. Phil Spector, como uma peça de drama jurídico, levanta tantas perguntas sobre o ponto de vista de Mamet… Ele quer dizer que celebridades merecem ser julgadas de forma diferente de não-celebridades? Que ter sido um genio, um monstro sagrado do pop, torna Spector imediatamente acima de qualquer suspeita? Que pobres-coitadas como Lana Clarkson – “o pesadelo de todo homem”, diz Spector/Pacino/Mamet – devem sempre ser as primeiras suspeitas de suas próprias mortes? (Harriet Ryan, que cobriu os dois julgamentos de Spector para o jornal Los Angeles Times, tem uma análise detalhada e precisa da ótica distorcida de Mamet.)

Colocando de lado esses poréns, Phil Spector me interessou mais como um estudo de personagem, um olhar (apoiado naquele diálogo maravilhoso de que Mamet é capaz) sobre duas personalidades completamente opostas que se encontram nas circunstâncias mais bizarras possíveis e acham alguma coisa, algum caminho, alguma fresta por onde se comunicar. Baden (muito mais elegante na interpretação de Mirren do que na vida real) é uma linha reta de determinação, senso prático, lógica. Spector (que Pacino ataca com todo o entusiasmo que tem para personagens fora do comum) é um ser frágil e enraivecido, movendo-se em raciocínios circulares, eternamente assombrado por seu passado, alimentado por fantasias, fantasmas, lembranças.

Mamet constroi uma espécie de coreografia entre os dois, uma dança na qual um tem que ceder algo para poder confiar no outro. E isso é o que vale no filme, como obra dramática, além de suas falhas como interpretação dos fatos.


Paraíso perdido: Top of the Lake, a série-sensação da nova temporada
Comentários COMENTE

Ana Maria Bahiana

Nas primeiras imagens de Top of The Lake uma menina entra, de roupa e tudo, lago adentro. O lugar é lindo, alguns diriam mágico: altas montanhas, florestas, o lago coberto de neblina.  A determinação da menina, seu caminhar resoluto água adentro, até o queixo, é terrível, mais apavorante ainda porque não sabemos nada que nos ajude a entender a imagem serena, deliberada e assustadora que a diretora Jane Campion nos propõe.

Esta tensão entre o belo e o terrível é o próprio tema da minissérie do canal Sundance, que estreia hoje aqui nos Estados Unidos. Jane Campion, que criou a série e escreveu e dirigiu vários episódios, diz que sua inspiração para Top of the Lake foi exatamente o descompasso entre “nossos sonhos, nossas noções de paraíso, de um lugar perfeito longe das complicações da vida” e a realidade, “o despertar dos sonhos”. A pequena comunidade isolada às margens do lago, nos arredores de Queenstown, Nova Zelândia (que serviu de locação para as filmagens) tem todos os elementos do sonho – inclusive um recanto chamado, precisamente, Paradise – mas seu coração abriga todos os pesadelos que o ser humano é capaz  de imaginar e, portanto, fazer. O fato de Campion ter decidido levantar esses véus com precisão e calma ao longo dos sete episódios torna Top of the Lake absolutamente hipnótica.

A menina da primeira cena é o agente desse desnudamento, e para resolver seu caso – a crise que a levou a caminhar lago adentro, seu sumiço imediatamente depois – entra em cena Robin, uma experiente policial que nasceu e cresceu na comunidade, mas mudou-se para bem longe, para Sydney, na Australia, assim que pôde. O caso da menina desaparecida será um modo drástico de passar a limpo o passado que a impulsionou para fora deste paraíso, enfrentando seus fantasmas cara a cara, caminhando resolutamente, ela também, para dentro do lago da vida que deixou para trás mas que definiu a mulher que ela é.

Elisabeth Moss interpreta Robin com um leve sotaque entre o australiano e o neozelandês – “eu aprendi imitando a própria Jane”, ela me disse – e a mistura de força e fragilidade que todos os fãs de Mad Men conhecem bem (e que foi exatamente o que fez Jane Campion escolhe-la para o papel). “Foi assim que acabou a produção da quinta temporada (de Mad Men)”, Moss me contou. “Eu tinha feito teste para o papel mas achava que não tinha a menor chance.  Eu estava encantada com o projeto, eu sabia que conhecia Robin, eu compreendia a mulher que ela era, e estava animadíssima em trabalhar com Jane Campion.”

Como eu e como muitos espectadores, Elisabeth viu imediatamente um clima Twin Peaks em Top of the Lake, “algo difícil de explicar, um clima de mistério e de absurdo, mesmo”. Essa não foi a inspiração imediata de Campion – ela credita Deadwood, de David Milch, como sua referência para o clima de Top of the Lake – mas os elementos estão todos lá: o incrivelmente dramático que é subitamente interrompido pelo ridículo (há uma cena envolvendo Peter Mullan e uma xícara de chá que é absolutamente exemplar), o ritmo deliberado, que avança sempre em pequenos passos precisos, a estética em tons mudos, os personagens que não seguem clichês de previsibilidade – Holly Hunter como a líder de uma “comunidade terapêutica” à beira do lago é provavelmente a pior terapeuta na história da terapia, e o manda-chuva Peter Mullan, obcecado pela mãe morta e viajando de ácido entre as flores é exatamente o que não se veria num seriado americano sobre crime em cidades do interior.

Eu queria muito poder dizer que Top of the Lake tem data de estreia no Brasil, mas ainda não achei esta informação. Eis o que posso dizer: procurem essa minissérie, de todos os modos . E confirmem porque muito do melhor cinema de hoje não é cinema, é televisão…

Veja trailer estendido em inglês da série “Top of the Lake”


Amor em tempo de guerra (fria): porque The Americans é a melhor nova série da temporada nos EUA
Comentários COMENTE

Ana Maria Bahiana

Primavera  norte americana na TV é pior que cena climática em filme do Michael Bay: um massacre, com baixas por todos os lados, onde só sobrevivem os heróis.

Tenho feito o melhor possível para acompanhar a safra 2013, mas confesso que o tédio tem interrompido minha determinação muitas vezes. Sei, por exemplo, que The Following tem muitos fãs, inclusive os editores e colunistas da Entertainment Weekly, que só faltam pedir a série em casamento de tanto amor. Pessoalmente, eu não aguento mais a saída fácil de virar cada cena do avesso com alguém “inesperadamente” confessando ser um follower, mais aquele entulho de absolutamente todos os clichês do terror, sem ironia (logo você, Kevin Williamson!) mais aquele sub-Hannibal Lecter do James Purefoy.

Talvez por esperar tão pouco desta nova safra, não levei muita fé quando li o argumento de The Americans. Espiões levando uma vida dupla nos subúrbios dos Estados Unidos? Eu já não vi essa série e ela não se chamava Homeland?

Como eu estava enganada! Criada e escrita por um ex-agente da CIA, Joe Weisberg (que deixou a CIA por “motivos pessoais de natureza ética” e foi professor de ginásio antes de virar roteirista de TV) The Americans tem três elementos que a elevam bem acima do mais-ou-menos desta temporada: o verdadeiro conhecimento da natureza e processos do trabalho do espião; a capacidade de traduzir dramaticamente o labirinto psicológico que faz parte da profissão; e o fato de se passar nos anos 1980, uma década pouco explorada na dramaturgia de cinema e TV, e que tem todos os elementos fascinantes das grandes transformações políticas: fim da guerra fria, glasnost, Reagan e o escândalo Irã/Contra.

Some-se a isso o excepcional desempenho de Keri Russell e Mathew Rhys como a dupla de agentes da KGB  fingindo ser um casal classe média norte americano nos subúrbios de Washington em meados dos anos 1980. As complicações existenciais e psicológicas são tantas, empilhadas umas em cima das outras, os desdobramentos de uma mentira em cima de outra mentira, justificada (de forma cada vez mais tenue) pela noção de “dever e honra” (título do episódio mais recente, devastador). Durante quanto tempo é possível fingir amor sem senti-lo ou transforma-lo em repulsa? Num ofício em que não se deve confiar em ninguém, como confiar no seu parceiro? Como viver plenamente uma vida oposta à que se foi educado para desejar? Como ser capaz de matar friamente, torturar sem remorso e trair sem medo e, ao mesmo tempo, educar dois filhos em idade escolar?

E tudo isso é apenas o começo. As interpretações de Russell e Rhys são perfeitamente calibradas, com os dois sendo capazes de ser ao mesmo tempo ternos e ameaçadores, amorosos e terríveis, frágeis e implacáveis. O jogo de xadrez com o agente do FBI que mora na casa ao lado  (Noah Emmerich) e que foi, ele mesmo, um operador infiltrado (num grupo de supremacistas brancos)  ainda não foi explorado plenamente nesta temporada, mas espero muita coisa boa na segunda, que já foi devidamente encomendada.

E ajuda muito ter uma trilha com Fleetwood Mac, Echo and the Bunnymen e New Order, uma abertura de grafismo elegante e  saber que a série foi inspirada em fatos reais, que vieram à tona em 2010.

Quando estrear aí no Brasil, no canal Fox, em maio, não percam de jeito nenhum.


Ang Lee, em breve na sua TV
Comentários COMENTE

Ana Maria Bahiana

Não que ninguém ainda precise ser convencido de que a TV é a nova alternativa viável ao cinema independente de qualidade, mas aqui vai mais uma: o primeiro projeto de Ang Lee depois de ganhar Oscar de melhor diretor por As Aventuras de Pi será um piloto para uma nova série de TV. Tyrant, a nova série criada pelo mesmo time de Homeland, Howard Gordon e Gideon Raiff (que também criou a série israelense Prisoners of War, que foi a base de Homeland), mais Craig Wright de Dirty Sexy Money, segue o drama de uma família norte-americana num país do Oriente Médio que se torna cada vez mais instável e perigoso.  Lee, já envolvido no desenvolvimento do projeto, está enfatizando a complexidade psicológica da situação – um traço comum em toda a sua filmografia.

O canal FX – que está dando um banho nesta temporada com The Americans, em breve aqui no blog – vai por o piloto no ar no início de 2014, e pouca gente duvida que não será seguido da encomenda de uma série.

Lee segue nos passos de Martin Scorsese, David Lynch, David Fincher, Steve Soderbergh, Miguel Arteta, Paul Greengrass, Jonathan Demme, Nicole Holofcener, Mike White e, mais recentemente, Jane Campion (cuja Top of the Lake vou comentar em breve aqui no blog, também) em abraçar a TV como uma opção criativa real numa indústria que está cada vez mais reservando o espaço nobre da tela para o exclusiva e obviamente comercial infanto-juvenil.


Mad Men, sexta temporada: alta ansiedade
Comentários COMENTE

Ana Maria Bahiana

“Não é por acaso que há um homem caindo no vazio na abertura da série.”, diz Matthew Weiner, numa manhã bem cedo no centro de Los Angeles. “ No fundo de tudo que foi escrito em todas as temporadas há a ideia de um olhar sobre a natureza do sucesso, e se, na realidade, o que na aparência é uma pessoa bem sucedida, no fundo não é, na verdade, uma queda livre existencial.”

Nos estúdios LA Center, no coração de LA numa manhã fria de março, Weiner, criador e showrunner de Mad Men, está supervisionando as filmagens da sexta – e possivelmente penúltima- temporada da série, que estreia aqui dia 7 de abril. E que, hoje, divulgou seu primeiro cartaz oficial, exatamente no tom que Weiner havia me antecipado, no estúdio: em plena Madison Avenue , Don Draper cruza com… um outro Don Draper?

A trama da quinta temporada terminou na Páscoa de 1967, “num tom que indicava alguma esperança”, segundo Weiner. A sexta temporada começa na turbulenta virada para 1968, “mas a série não é sobre a época, é sobre as pessoas. Os grandes acontecimentos- os assassinatos de Martin Luther King e Bob Kennedy, a guerra no Vietnã, a contracultura—são apenas o pano de fundo, e só me interessam na medida em que tocam e afetam as vidas dos meus personagens. Mad Men nunca foi sobre a História, mas sobre as histórias dessas pessoas, suas vidas cotidianas, aquilo  que é importante para cada uma delas.”

Como sempre, Weiner não quer contar nada nada nada nadica de nada da nova temporada – e o elenco é igual a ele. Mas isto ele adianta: “Este é um período de rápida transformação social e cultural, o sempre  gera grande ansiedade. Esta temporada vai acompanhar os processos que cada personagem tem para lidar com essa ansiedade. Também é um momento, depois desses anos todos nas vidas dos personagens, em que eles estão numa posição de aprender com seus erros. Mas eles serão ou não capazes, emocionalmente, de por em prática o que aprenderam?”


Si, tenemos telenovela
Comentários COMENTE

Ana Maria Bahiana

As coisas estão mudando mais rápido do que todos esperavam no mundo do entretenimento tela-pequena. E ontem, terça feira, pode ter sido uma dessas datas-marco no calendário dessa evolução (ou revolução)

Eis o que aconteceu ontem, dia 12 de fevereiro :

  1. A Netflix anunciou a abertura de mais uma frente na oferta de conteúdo original, investindo no público infantil com Turbo, nova série baseada no longa de animação carro-chefe da DreamWorks para este verão norte-americana.
  2. Na TV aberta, DUAS novelas mexicanas da Univision deram uma surra em grande estilo na produção angla, na faixa de público mais cobiçada , 18 a 39 anos. Na noite de ontem as novelas Amores Verdaderos e Por Ella Soy Eva  foram respectivamente o primeiro e o segundo lugar de audiencia entre 18 e 39 anos nos Estados Unidos, deixando um tímido terceiro lugar para NCIS-LA. Como se isso não bastasse, uma terceira novela mexicana, Amor Bravio, apareceu no top 10, em sexto lugar na mesma faixa de audência.

 

Certo que era, como a Variety coloca, uma noite atípica, dominada pela transmissão do discurso anual do Presidente (que ficou em quinto lugar e quase quase perde para Amor Bravio…) e com a maioria das redes abertas ainda com episódios em reprise (NCIS-LA era uma repetição).

Mas é impossível não ver uma mudança rápida do perfil do consumidor de entretenimento doméstico nos EUA. O modelo “novela” ganha vantagem na TV aberta graças à explosão da população latina (que majoritariamente não compra os pacotes mais caros da TV paga, ou simplesmente não tem TV por assinatura) e o modelo “série/mini-série/telefilme” migra cada vez mais velozmente para as novas opções (pagas) da TV por assinatura (incluindo, e principalmente, a TV fora-da-caixa, como a Netflix) onde um modelo de produção aproximado ao do cinema é possível graças a um fluxo controlado e previsível de renda,  um perfil bem definido de audiência e maior liberdade criativa para os realizadores.

Vai ser interessante ver onde isso vai dar….