Blog da Ana Maria Bahiana

Arquivo : outubro 2014

2014, uma nova odisséia no espaço
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Ana Maria Bahiana

Interstellar abre

 

Christopher Nolan sempre disse que seu filme favorito de todos os tempos é 2001, Uma Odisséia no Espaço, de Stanley Kubrick – que reinventou a ficção científica nos idos de 1969, inspirou Guerra nas Estrelas e, este ano, está sendo relançado para comemorar seus 45 anos de pioneirismo.

Tempo, tecnologia e prestígio deram a Nolan , finalmente, a oportunidade de criar sua resposta à obra do mestre _ e o resultado é ao mesmo tempo espetacular e frustrante.

Trabalhando mais uma vez com um roteiro a quatro mãos com seu irmão Jonathan, Nolan fez de Insterstellar a sua odisséia no espaço, sua declaração de amor à ciência e, em última análise, ao espírito humano, capaz tanto de mesquinhez quanto de grandeza. O grande triunfo de Interstellar é o modo como Nolan usa o filme – no caso, película mesmo, 35 mm e 70mm – para abordar os conceitos mais avançados da física, levando adiante a visão de Kubrick e de Arthur C. Clarke (que aliás aparece numa ponta muito inteligente do filme) para um momento da história em que a mesquinhez da humanidade esgotou completamente o planeta Terra, deixando como únicas opções a extinção ou a exploração espacial.

O que em 2001 era pura curiosidade científica é, em Interstellar, o desespero que leva à coragem absoluta. Num planeta exaurido, um núcleo de cientistas remanescentes do que restou da NASA planeja uma saída de emergência: uma missão (talvez suicida) para explorar um buraco negro além do qual podem existir mundos viáveis para a sobrevivência da humanidade. Cooper (Matthew McConaughey), um ex-astronauta transformado em fazendeiro depois de um acidente quase fatal, é o escolhido para a mais arriscada das tarefas – ir verificar as descobertas feitas pelas missões anteriores.

Paro aqui para não tirar o prazer de acompanhar essa jornada que – mais uma vez ecoando 2001 – envolve os conceitos de portal, tempo e espaço, e o profundo impacto emocional, existencial e ético que isso implica.

Inters elenco

E é aí que Interstellar se torna ao mesmo tempo embriagador e frustrante. 2001 era assumidamente uma exploração intelectual, quase espiritual. Nolan é um realizador cerebral, que sempre está mais à vontade usando seus personagens e situações como peças que,  num tabuleiro, se movem exclusivamente para impulsionar a trama, propondo e resolvendo enigmas. Interstellar, contudo, se propõe a ser algo muito mais emocional, no qual as relações de família, de amor e de amizade são essenciais para a própria essência da trama.

E não sei se ele consegue. O longo primeiro ato, no qual os irmãos Nolan precisam estabelecer as relações humanas que devem colorir todo o resto, acaba se tornando quase uma hora de exposição pura e simples (algo que também acontece em Inception, mas que a gente acompanha pelo próprio desafio da trama).

Uma vez no espaço, Interstellar flerta algumas vezes com o imenso potencial apresentado pelos desafios do multiverso e do multitempo. Há momentos de grande força, como quando Cooper encara pela primeira vez, na prática, o que representa ter passado pelo buraco negro enquanto sua família continua no tempo terrestre. Nolan faz aqui uma de suas escolhas mais brilhantes, fechando a câmera em McConaughey e não no que ele está vendo – e nos colocando imediatamente no coração da humanidade do personagem e de nós mesmos, na plateia.

Mas são momentos raros, e Interstellar perde com isso.

Inter terra

O que vale: a sensacional combinação de fotografia e efeitos, gerando (pelo menos para mim) a primeira recriação plausível e envolvente do que significaria uma viagem intergalática; a direção de arte, tão minuciosa e inteligente quanto a de Kubrick, nos dando, entre outras coisas, uma versão inesperada de uma inteligência artificial; e o som, que, como Gravidade, explora bem o silêncio absoluto do espaço (já a trilha de Hans Zimmer me deixou em dúvida com seu órgão e seus riffs constantes em cima de “Assim Falou Zaratustra” e “Danúbio Azul”…)

O elenco faz o possível e o impossível para dar emoção às longas exposições do roteiro. Gostei principalmente das interações entre McConaughey e a jovem atriz Mackenzie Foy, que interpreta sua filha na juventude (Jessica Chastain, sempre ótima, é a versão adulta da mesma personagem).

Minhas dicas; saibam que o filme tem quase três horas de duração (nada de refri gigante….) ; escolham a sala com a melhor tela (IMAX se possível) e o melhor som; e não custa nada dar uma atualizada nos conhecimentos básicos de física antes de ir pro cinema…

Interstellar estreia mundialmente dia 6 de novembro.

 

 


É um pássaro? Um avião? Muito melhor: é Birdman!
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Ana Maria Bahiana

Michael Keaton em Birdman Melhor dizer logo: Birdman (dir.Alejandro Gonzalez Iñarritu, 2014) é espetacular. Mais que isso: é o tipo de filme que leva os cinéfilos à loucura _ e este é, eu diria, seu único problema. A toda hora o filme parece estar piscando o olho para a plateia, como quem diz: Não sou o máximo? Isto aqui não é super cool? Entendeu a ousadia do que está acontecendo?

Se você é capaz de esquecer a auto-satisfação que percorre Birdman de ponta a ponta, este é um filmão. E, sinceramente, resistir é inútil. Da primeira à última tomada –ambas espetaculares, e sobre as quais direi nada, para não estragar a alegria de ninguém – Birdman pede que cada um de nós se engaje  numa jornada de muitos níveis, todos absolutamente fascinantes.

A começar pela forma: Birdman dá a perfeita ilusão de que é composto de um único plano sequência. Não é: trata-se de uma espetacularmente bem urdida costura de tomadas rigorosamente planejadas e uso preciso da montagem digital, onde ponto tem nó mas é invisível. Há uma alegria especial em ver um filme assim: a história é impulsionada para frente desde o primeiro momento, sem parar, como se tudo fosse um contínuo inspirar e expirar, como se estivéssemos ali mesmo com os personagens, próximos, confidentes, íntimos, vendo o mundo –exterior e interior- como eles o vêem.

Anotem por favor: indicações para a fotografia do sempre ousado Emmanuel Lubezki (Gravidade, Filhos da Esperança, Sleepy Hollow) e para a montagem de Douglas Crise e Stephen Mirrione (Traffic, 21 Gramas, a franquia Onze/Doze/Treze Homens ) .

birdman 2 elenco

Além de seu virtuosismo, precisão e beleza, a estética de Birdman é o veículo mais que perfeito para sua história: o punhado de dias durante os quais um ator ex-superstar (Michael Keaton) faz os ensaios finais e estreia sua primeira peça na Broadway, uma adaptação, feita por ele mesmo, de uma obra do escritor Raymond Carver. Aqui os cinéfilos podem começar a salivar profusamente: tudo é meta nessa trama, a começar pela escolha de Keaton como o ator em questão. Como seu personagem, Riggan, Keaton já foi um superastro da tela graças a um super-herói híbrido de gente e bicho: Batman para Keaton, Birdman para Riggan.

Ao contrário de Riggan, Keaton manteve o núcleo essencial de sua dignidade depois de abandonar a capa e a máscara. Mas como a peça de seu personagem, este filme pode ser o momento em que sua carreira dá uma nova guinada rumo ao alto.

Depois vem tudo o mais: o modo como Iñarritu enquadra Keaton e todo o elenco, traduzindo visualmente como eles se sentem; os grandes discursos que subitamente todos os personagens fazem justamente quando estão falando sobre a futilidade dos grandes discursos: as explosões de algo que pode ser alucinação ou não em momentos em que o mundo interior de Riggan/Keaton, pressionado pelas forças opostas da fama e da vida, vai desmoronando diante de nossos olhos. Muita gente tem reagido quase orgasmicamente a uma sensacional sequência que explica exatamente o que é a estética dominante de Hollywood, hoje. É fantástica, mas eu pessoalmente prefiro a longa corrida de Riggan pela rua, em plena Broadway, trajando apenas uma cueca. Tudo o que pode haver de simbólico e envolvente no cinema está ali.

birdman norton

E não é apenas Keaton que responde à altura ao desafio da narrativa. Todo o elenco é uniformemente excelente: Naomi Watts como a estrela da peça da Broadway; Edward Norton como o substituto de última hora, um ator temperamental fanático pelo Método de Strasberg; Emma Stone como a filha de Keaton, transformada, a contragosto, em assistente; Zach Galifianakis como o estóico advogado/produtor da peça.

Anotem, por favor: indicação de melhor ator para Keaton, conjunto de elenco para todo mundo, melhor roteiro para Iñarritu e seus comparsas Nicolás Giacobonne e Armando Bo (Biutiful) e Alexander Dinelaris.

E não posso deixar de falar da trilha, produzida por Gustavo Santaolala, e composta e executada por Antonio Sanchez – uma série de solos de bateria, que muitas vezes se manifestam visualmente na tela. Anotem esse também.

Num momento em que a grande produção usa exatamente estes recursos tecnológicos e humanos para vomitar uma sucessão interminável de nulidades, um filme como este lembra para que existe cinema.

Para mim, juntamente com Boyhood, de Richard Linklater, é, até agora, o filme do ano. Exatamente por esse motivo.  

Birdman estreou neste fim de semana nos Estados Unidos, com arrecadação recorde em circuito limitado. A estréia no Brasil é dia 22 de janeiro. Não percam.


Prepare a agenda: aqui estão as datas-chave da temporada ouro
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Ana Maria Bahiana

 

86th Academy Awards, ArrivalsNuma terra que tem 292 dias de sol por ano, em média, apenas duas coisas anunciam de fato a chegada do outono: os ventos de Santa Ana, que sopram, super secos, do deserto, e os preparativos para a temporada de prêmios.

Antes que você consiga dizer “quero agradecer meu agente”, tapetes vermelhos serão desenrolados e vocie estará brigando com seus amigos sobre quem tem mais chance.

Este ano a temporada emocional de prêmios está demorando a deslanchar. Ainda não apareceu aquele grupo forte de líderes que mobilizam paixões e campanhas épicas. A grande discussão neste momento é se Inherent Vice deve ser tratado como comédia ( o consenso está dizendo “sim”, o que aumenta suas chances de Globo e diminui as de Oscar) e se alguém ainda vai se lembrar de Boyhood em dezembro.

Para que ninguém se perca no redemoinho que vem por aí, aqui vai o internacionalmente famoso calendário de Prêmios que Querem Dizer Alguma Coisa. Marquem suas agendas!

 

  • 31 de Outubro: Prazo final para submissão de títulos e nomes para as categorias de televisão e cinema dos Globos de Ouro.
  • 8 de Novembro: Os prêmios da diretoria da Academia são entregues: conjunto de obra, trabalho humanitário.
  • 19 de Novembro: Envio das cédulas para indicações aos prêmios da Screen Actors Guild, entidade de classe dos Atores. O prêmio é um termômetro sério dos Oscars nessa categoria.
  • 26 de novembro:  Envio das cédulas para indicação aos Globos de Ouro.
  • 3 de Dezembro: Prazo final para envio de fichas de inscrição para o Oscar.
  • 8 de Dezembro: Prazo final para entrega dos votos dos indicados ao Globo de Ouro.
  • 10 de Dezembro: Anúncio das indicados aos prêmios da Screen Actors Guild.
  • 11 de Dezembro: Anúncio dos indicados aos Globos de Ouro.
  • 16 de Dezembro: Envio das cédulas para os prêmios finais da Screen Actors Guild.
  • 22 de Dezembro: Envio das cédulas para a escolha dos vencedores do Globo de Ouro.
  • 29 de Dezembro: Começa a votação dos indicados ao Oscar 2015. Nesta etapa, apenas Melhor Filme recebe indicações de todos os votantes. As demais categorias são escolhidas pelos departamentos da Academia ou comitês especialmente designados.
  • 5 de Janeiro: Anúncio dos indicados aos prêmios da Producers Guild – um termômetro certeiro para medir quem realmente está no páreo para melhor filme.
  • 7 de Janeiro: Prazo final para entrega dos votos para os vencedores do Globo de Ouro.
  • 8 de Janeiro: Termina o prazo para envio dos votos de indicados ao Oscar.
  • 11 de Janeiro: Entrega dos Globos de Ouro
  • 13 de Janeiro: Anúncio das indicações aos prêmios da Directors Guild, entidade de classe dos diretores. Olho vivo – mostram com clareza quem pode disputar tanto o Oscar de melhor diretor quanto o de melhor filme.
  • 15 de Janeiro: Anúncio dos indicados ao Oscar 2015.
  • 23 de Janeiro: Prazo final para entrega dos votos da Screen Actors Guild.
  • 24 de janeiro: Entrega dos prêmios da Producers Guild.
  • 25 de Janeiro: Entrega dos prêmios da Screen Actors Guild.
  • 6 de Fevereiro: Começa a votação para os Oscars. Nesta etapa, todos os 6 mil acadêmicos votam em todas as categorias.
  • 7 de Fevereiro: Entrega dos prêmios da Directors Guild.
  • 8 de Fevereiro: Entrega dos prêmios da Academia Britânica de Cinema e Televisão. Não tem um peso grande no corpo votante dos Oscars – poucos integrantes também são acadêmicos – mas carimbam filmes e atores com um selinho de prestígio.
  • 17 de Fevereiro: Prazo final para entrega dos votos do Oscar.
  • 22 de Fevereiro: Entrega dos Oscars,

Respirem fundo. amigas e amigos. Começou.

 


Minha séries favoritas da nova temporada (nem todas estão na “TV)
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Ana Maria Bahiana

Nesta época do ano sou o alvo de duas avalanches. A primeira traz os dvds da quantidade cada vez maior de novas séries disputando espaço no início oficial do ciclo, o outono no hemisfério norte. A segunda vem mais tarde, em geral depois do dia de ação de graças (final de novembro): todos os filmes esperançosos por uma indicação ao Globo de Ouro.

A avalanche de TV, este ano, foi triste. Nem vou entrar em detalhes, a não ser para dizer que Gotham poderia tern sido tão divertida se tivessem contratado roteiristas que sabem escrever…

Mas vamos focar no positivo: do balaio 2014 estas são as minhas séries favoritas.

Transparent

Transparent (Amazon; todos os episódios disponíveis) já está sendo chamada de “a melhor nova série do ano”, o que é um pouco demais pra burro num ano que teve True Detective e Fargo. Mas não deixa de estar, com certeza, entre as melhores coisas desta safra. Crédito à criadora e showrunner Jill Soloway, que vem de duas boas escolas – o cinema independente (recomendo oseu Afternoon Delight que, apesar de instável – cheio de altos e baixos – revela seu talento para compreender e compor personagens) e a TV de primeiro escalão (Six Feet Under, United States of Tara). E crédito a Jeffrey Tambor, protagonista e principal força de impulso da série, no papel de um professor universitário, pai de três filhos, que decide, do alto de seus 70, mudar de sexo. O assunto não é original – o ótimo Transamerica, de 2005, e o telefilme Normal, de 2003, exploraram a questão com inteligencia, sensibilidade e grandes desempenhos de Felicity Huffman e Tom Wilkinson, respectivamente. Transparent alinha-se com esses bons títulos acrescentando uma paisagem humana e social precisa – a alta classe média de Los Angeles- e explorando o impacto das escolhas do pai sobre a vida dos filhos adultos, mas não necessariamente maduros. Um prazer, repleto de humanidade e humor.

Olive

Olive Kitteridge (HBO; estreia nos EUA 2 de novembro) Mildred Pierce, três anos atrás, abriu um nicho super interessante na programação da HBO: a minissérie sobre e para mulheres. É uma recuperação genial do “filme de mulheres” dos anos 1930 e 40, agora com a liberdade de ir mais fundo, de não fugir de temas espinhosos, controversos. Baseada no livro homônimo de Elizabeth Stro ut– na verdade uma coleção de contos sobre as vidas de vários habitantes numa cidadezinho do Maine – Olive Kitteridge foi adaptada com total precisão pela roteirista Jane Anderson e a diretora Lisa Cholodenko. A pragmática, contida, burtalmente honesta Olive (Frances McDormand, espetacular) é agora o centro de tudo. A cidade muda, pulsa e se transforma ao longo de 25 anos na vida dessa mulher, cuja fachada de força impenetrável oculta um mundo de dor e paixão. Só acompanhar o desempenho de McDormand já vale – mas ainda tem Richard Jenkins e, numa ponta essencial, Bill Murray (mais um sensacional elenco de apoio).

Bojack

BoJack Horseman (Netflix; todos os episódios disponíveis). Quando recebi os DVDs minha primeira reação foi: Ai! Quem precisa de mais uma animação tosco-irônica?! Confesso que o que despertou minha curiosidade foi a participação de Aaron Paul como a voz do principal coadjuvante, num elenco que já tinha Will Arnett, Amy Sedaris, Stanley Tucci, Patton Oswalt, J, K. Simmons , Anjelica Huston , Melissa Leo, e, como elas mesmas, Naomi Watts e Margot Martindale. Ainda bem. Imaginem os Simpsons na Hollywood de um universo paralelo onde os humanos convivem com híbridos entre gente e bicho, gerando seres como um diretor chamado Quentin Tarantulino (uma tarantula) , o nosso herói equino que foi famoso na TV dos anos 1990, e uma editora chamada Penguin onde só trabalham… pinguins. E isso é só o começo: a fina faca do comentário sobre as idiotices de nossa descerebrada cultura da celebridade corta de verdade, com o melhor gume possível – o riso.

 

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Menções honrosas vão para duas co-produções britânicas: Happy Valley (Netflix, todos os capítulos disponíveis) e The Missing (Starz, estréia nos EUA 15 de novembro). Em ambas, um desempenho espetacular ancora tudo e faz a gente esquecer as (pequenas ) falhas de cada um. Em Happy Valley Sarah Lancashire é uma sargento da polícia de uma pequena cidade do norte da Inglaterra, escondendo sob sua fachada estóica um mundo interior fracionado e muito próximo da violência que ela policia. Em The Missing Tony Hughes é um pai absolutamente possuído pela obsessão de encontrar seu filho, desaparecido há mais de oito anos. Os ritmos das duas séries são às vezes oscilantes, mas o poder de seus personagens nos mantém ligados na tela sem cessar, Cuidado com as maratoas – vão roubar horas preciosas de sono…


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