Blog da Ana Maria Bahiana

Entre o banal e o fantástico reina Malévola

Ana Maria Bahiana

 

 

maleficent-321154l-imagineA Disney foi o primeiro grande estúdio a compreender completamente o poder do mito, a ideia de que um universo mitológico é muito mais resistente ao tempo e à sucessão de gerações de plateia do que uma única história que se conta apenas uma vez. A Disney sempre investiu em personagens, mundos e mitologias, o que explica amplamente suas recentes aquisições e parcerias: Pixar, Marvel, LucasFilm. Todas elas empresas que, acima de tudo, se dedicam a criar mitos de longa duração.

Nos últimos anos a Disney tem se dedicado a rever e reposicionar mitos. Alice (originalmente criada por Lewis Carroll, é sempre bom lembrar) por Tim Burton; o Mágico de Oz por Sam Raimi; o Cavaleiro Solitário e Tonto por Gore Verbinski; praticamente todos os contos de fadas pela série Once Upon a Time.

Como o resultado desses esforços tem sido, na melhor das hipóteses, super desigual, fiquei um pouco preocupada quando soube que a Bela Adormecida era a próxima candidata a uma repaginação…

Tenho que admitir: meus temores, embora justificáveis, não se realizaram. Digo mais: de todas as tentativas da Disney, Malévola (Maleficent, 2014, dir. Robert Stromberg) é a melhor releitura até agora.

Crédito a quem merece: Linda Woolverton (A Bela e a Fera, O Rei Leão), que escreveu o argumento e deu o formato final a um roteiro feito a muitas mãos; Robert Stromberg, que usou sua experiência como premiado supervisor de efeitos especiais para dirigir um filme que é, inteiro, uma fantasia; e Angelina Jolie, claramente se divertindo muito com um papel que é mais complicado do que parece, e compondo um desempenho muito melhor do que era necessário.

O grande achado de Malévola é reposicionar seu conflito inicial – o ato “malévolo” da fada que amaldiçoa a princesa condenando-a a um sono eterno – como uma extensão de um outro conflito : o do mundo fantástico, do impalpável, do misterioso, habitado por fadas, elfos, dragões e espíritos da natureza, e o mundo do dia a dia, onde os seres humanos estão ocupados na disputa de poder e riqueza.

Esse recurso narrativo, dando uma outra moldura a uma história muitas vezes repetida desde o século 17, abre as portas para uma deliciosa exploração de quem realmente seriam os protagonistas do conto de fadas – qual a verdadeira natureza de Malévola, a “fada má”; de Aurora, a princesa amaldiçoada,;e de Stefan, o rei, pai dela.

É um caminho que leva a novas e interessantes conclusões – a maior de todas, uma releitura completa e radical da ideia de “amor verdadeiro” que em geral leva ao “felizes para sempre” das histórias.

Mas não se assustem – Malévola é uma delícia de assistir, uma experiência visual sensacional, uma jornada muito divertida por uma trama que todo mundo acha que conhece. Eu teria preferido menos gente mexendo no roteiro – as costuras das emendas às vezes são aparentes – e ainda não entendo por que ninguém resolveu o primeiro grande problema da história – o fato de  nossa heroína se chamar “Malévola”, um nome que, por si só, já determina como olhamos para a personagem. Certo que a Disney tem que manter bem lustradas as suas marcas – no caso, os nomes de seus personagens – mas há recursos simples de criação que poderiam ter contornado isso.

Mas isso não impede de ser uma ótima maneira de passar 97 minutos – leve as crianças se precisar de um pretexto…

 Malévola estreia nesta quinta feira, dia 29, aqui e no Brasil.