Blog da Ana Maria Bahiana

Arquivo : abril 2012

Os Vingadores: viva a super tropa de elite!
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Ana Maria Bahiana

O desafio de se fazer um filme sobre super-heróis é o mesmo de se fazer um filme sobre contos de fadas ou mitologia de qualquer espécie: tem-se duas opções básicas, e nenhuma das duas é muito fácil. Na opcão 1 leva-se a história absolutamente a sério; na opção 2 pisca-se o olho para a plateia, o tempo tempo, dividindo conosco o absurdo da situação.

Nenhuma opção é melhor do que a outra _ mas ambas são igualmente difíceis, cada qual apresentando um conjunto diferente de problemas. Levar muito a sério arrisca tornar tudo muito chato ou muito ridículo. Não levar a sério arrisca tornar tudo extemamente irritante.

Raro – e muito bom – é o filme que, levando a sério a premissa de gente que voa, atravessa tempo e espaço e é indestrutível, abre espaço para um humor cúmplice com a plateia.

Os Vingadores é um filme assim. A premissa , arriscadíssima, de juntar não um nem dois mas quatro super heróis é parte essencial de um projeto de longa duração da Marvel, iniciada com os filmes individuais de cada um. As permutações das aventuras de Thor, Homem de Ferro, Capitão América e Hulk, individualmente ou como Vingadores, foi cuidadosamente calibrada pelo time liderado pelo chefão da Marvel Studios, Kevin Feige para gerar o que o estúdio define como “uma franquia auto alimentada, em perpetuidade”.

O grande risco é o que se viu nos títulos individuais: o Homem de Ferro ganhou inteligentes interpretações assinadas por Jon Favreau mas os demais…. “irregular” seria um adjetivo cauteloso.

Felizmente os Vingadores ganharam um realizador que, como Favreau, sabe caminhar no arriscado gume entre seriedade e ironia. E por isso o filme é um delicioso exercício escapista, uma bem calibrada fantasia-pipoca que consegue, ao mesmo tempo, abraçar o cânon dos super-heróis, suas super-personalidades, seus super-antagonistas e super-aliados e rir com ela do absurdo de toda a situação.

Fanboys e girls conhecem bem os fundamentos da história: Loki, o irmão-problema de Thor (vivido com arrogância rockstar por Tom Hiddleston) roubou o Cubo Cósmico só para trazer seus amigos alienígenas monstruosos para a Terra e, com isso, dominar os humanos (em um de seus momentos mais geniais, Loki prega a submissão como modo de liberação e dá alfinetas especiais nos alemães, cuja imaginação mítica criou a Asgard de onde ele vem).

À frente de seu serviço ultra secreto, o Shield, Nick Fury (Samuel L.Jackson, sempre a pessoa certa) reune, em regime de urgência, uma tropa de super elite: Thor (Chris Hemsworth), Homem de Ferro (Robert Downey Jr.), Capitão América (Chris Evans) e Hulk (Mark Ruffalo), com o apoio da mega agente Natasha Romanoff/Viúva Negra (Scarlett Johansson) e seu parceiro Gavião Arqueiro (Jeremy Renner) para deter a invasão.

As grandes cenas de ação são convincentes e empolgantes, mas fiquei especialmente bem impressionada com o modo como Whedon soube tratar os super-heróis como personagens de verdade, com personalidades, problemas e desejos, que obviamente se chocam, em proporções épicas, uns com os outros.

Tony Stark/Homem de Ferro ganha as melhores falas (“o que é isso? Shakespeare no parque?”, ele diz quando encontra Thor pela primeira vez). mas gostei muito do modo como Whedon resolveu um dos personagens mais complicados do universo Marvel: Bruce Banner/ Hulk. Escolher Mark Ruffalo para o papel foi o primeiro acerto- Ruffalo tem a delicadeza e a complexidade necessárias para compor o perfil de um homem inteligente e sensível que carrega, literalmente dentro de si, uma arma de destruição em massa. Utilizar mocap para concretizar essa transformação foi o segundo acerto _ monstro e homem estão ligados entre si, completa e profundamente, e seu poder é, ao mesmo tempo, imenso e trágico.

Não tenho a menor dúvida de que Os Vingadores vai ser um enorme sucesso _ e, desta vez, mais que merecido.


Missing, Girls: as garotas só querem se divertir
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Ana Maria Bahiana

A TV sempre foi uma mídia que compreendeu a força da plateia feminina. Em seus primórdios, a ideia de que estava transmitindo para um público feminino cativo – literalmente, em suas casas, enquanto os maridos trabalhavam e etc na rua – deu forma à sua primeira programação. Agora, quando a TV e as mulheres estão em toda parte, a telinha tornou-se um território onde o poder feminino floresce alegremente. No cinema, com raras e preciosas exceções, personagens femininos ainda são acessórios e facilitadores das narrativas dos heróis masculinos. Na TV elas podem ser o que quiserem.

Ashley Judd, por exemplo, aparentemente quer ser uma action hero. Quietamente, a ex-musa indie criou um conjunto de obra com aventuras, perigos, socos e pontapés de dar inveja a qualquer Jason Statham: Beijos Que Matam, Na Teia da Aranha, Crimes em Primeiro Grau, Risco Duplo. Nada mais natural que ela levasse essa inclinação perigosa também para TV, num dos poucos segmentos (a ação) onde as mulheres ainda estão em minoria.

Confesso que quando vi os primeiros três episódios de Missing,  a série  criada por Gregory Poirier (Tesouro Perdido: Livro dos Segredos) produzida e estrelada por Judd (no ar pela ABC desde 15 de março), fiquei mais exausta que empolgada. Judd é Becca Winstone, uma agente da CIA aposentada, que volta à ativa por conta própria quando o filho Michael (Nick Eversman) é sequestrado em Roma. O modelo claro da série é a franquia Bourne: Becca passa a maior parte do tempo correndo e lutando, lutando e correndo, com bandidos, Interpol e a própria CIA se alternando no seu encalço e na sua mira. É estafante.

Num vôo de ambição raríssimo na TV aberta, ela corre e luta por várias locações europeias, mudando de roupa mais que Madonna durante um show. E tem que decidir  – ó céus – entre o marido Sean Bean e o ex-namorado Adriano Giannini, que tem o hábito de pesquisar na internet sem camisa. Não se pode dizer que o visual não é apurado.

Comecei a me interessar mais por Missing quando a série passou a focar o filho sequestrado, e a tecer tramas mais profundas conectadas com o passado de Becca. A história fica mais suculenta, com mais substância além das correrias. E se eu já tinha respeito por Judd por ocupar tão seguramente o espaço da ação em nome das mulheres, depois do seu muito divulgado texto sobre a objetificação do corpo feminino na mídia ela ganhou minha total admiração.

Não há nada de épico em Girls, a nova série produzida por Judd Apatow que a HBO estreou nese domingo, a não ser os épicos fails de sua anti-heroína Hannah, vivida por Lena Dunham (que também escreve, dirige e co-produz a série). A referência imediata – citada claramente no primeiro episódio – é Sex and the City; mas as quatro amigas (Dunham, mais Allison Williams, Jemima Kirke e Zosia Mamet (filha de David Mamet) são muito mais jovens e muitíssimo mais desorientadas do que Carrie e suas companheiras. SATC era sobre ambições, objetivos, aspirações e seus choques com a realidade _ as vezes dolorosos, as vezes hilários. O quarteto de Girls não tem nem ambições a ambições além de um estágio que algum dia venha com algum tipo de salário, pais que possam continuar pagando mesada ao infinito, e não-namorados que possam fornecer sexo quando não se tem nada melhor para fazer.

Quem gostou de Tiny Furniture, o filme indie também escrito, estrelado, produzido e dirigido por Dunham, vai receber melhor o estilo passivo-agressivo de Girls, suas personagens que se julgam com direito a tudo mas não têm energia para correr atrás de coisa alguma. Pessoalmente, admiro em Girls sua franqueza, a candura sem mistérios com que aborda a sexualidade feminina, e sua visão das personagens como pessoas inteiras, e não como “tipos”.

A autocomplacência das personagens, contudo, transborda para toda a estética da série _ e, embora eu queira muito que ela dê certo, não sei se tenho paciência para esperar…


Titanic 3D, 15 anos depois: a nave vai
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Ana Maria Bahiana

Para os obsessivos com SPOILERS:  o navio ainda afunda no final.

Podemos passar ao que interessa, agora? Titanic 3D é sensacional. Não envelheceu nada nestes 15 anos desde o mega-sucesso de sua estreia,o que, em si mesmo, já é um triunfo.

Com a perspectiva do tempo, fica ainda mais claro porque Titanic foi o evento cinematográfico de 1997-1998, porque conseguiu a rara combinação de altíssima bilheteria – quase 2 bilhões de dólares no mundo todo, número top durante 12 anos, só suplantado por outro de James Cameron, Avatar – e aclamação de seus colegas na industria – 14 indicações ao Oscar, 11 estatuetas: porque retomou, por um breve momento, aquilo que só a grande industria de cinema, voltada  para e impulsionada pelo mercado, pode fazer.  Por um breve momento a possibilidade de que os fabulosos pistões a vapor da gigantesca nave hollywoodiana pudessem impulsionar algo ao mesmo tempo inteligente e popular tornou-se verdade. Os ecos de um tempo em que o cinema norte americano era vital e imenso – …E O Vento Levou, westerns, musicais – voaram sobre o mundo (infelizmente acompanhados por Celine Dion. Mas ninguém é perfeito.)

O que talvez a perspectiva do tempo tenha apagado é o fato de que Cameron, trabalhando com o que era, então, o maior orçamento de todos os tempos – 200 milhões de dólares, custeados por dois estúdios e, em grande parte, o próprio Cameron – realizou seu filme debaixo de uma das mais impiedosas salvas de vaia de que me lembro. Não se passava uma semana, aqui em Los Angeles, sem que se lesse ou ouvisse algum comentário garantindo que o diretor era um louco megalomaníaco, que estava jogando dinheiro fora com um projeto fadado ao fracasso, que sua arrogância era igual à dos construtores do navio que o inspirara.

Não duvido nem um pouco que Cameron seja megalomaníaco ou arrogante _ mas temo que, sem esses dois elementos, ele não teria esse extraordinário poder de realizar suas visões , que parecem impossíveis para o resto do mundo.

Parece meio louco pensar assim, mas Cameron tem muito em comum com os pioneiros do cinema: como os Lumiere ou Méliès, Cameron está interessado tanto na narrativa audiovisual quanto na tecnologia que a torna possível. Em sua concepção de narrativa cinematográfica o modo como a história é contada e o hardware necessário para contá-la são igualmente importantes.

Talvez por isso a longa conversão – mais de um ano de trabalho – de Titanic para 3D tenha sido tão bem sucedida. Estou especulando aqui, mas não é demais imaginar que Cameron tenha pensado Titanic em 3D, desde o começo. Sei (porque ele mesmo me contou) que a ideia de um filme tendo como pano de fundo o naufrágio do malsinado navio data de antes de True Lies, de 1994. Assim como a semente do que viria a ser Avatar rolou na sua cabeça durante uma década, a realização do que seria Titanic dependia de dois elementos de hardware: uma expedição de mergulho que tirasse as dúvidas sobre o naufrágio e informasse o estilo visual do filme; e a tecnologia necessária para realizar os efeitos que Cameron tinha em mente.

Não duvido nada que, assim que ele voltou da expedição de mergulho, Cameron pensou seu filme em 3D. Mas como a tecnologia não se desenvolveu com a rapidez que ele queria, teve que achar outras soluções.

E por isso – porque ele compreende o que realmente faz com que uma experiência visual 3D seja interessante – Titanic 3D ocupa cada centímetro da tela com  segurança e  esplendor. Em 3D, a obsessão de Cameron com detalhes é recompensada à máxima potência: o navio emerge das profundezas em toda a sua grandeza, e somos imediatamente envolvidos pelo aspecto mais poderoso do Titanic e  de sua história _ o fato de que ali estava  uma redução impecável do mundo ocidental em 1912,  fadado ao naufrágio de tantos modos diferentes.

Porque a cabine de imprensa, aqui em LA, foi cancelada por motivos técnicos (Cameron deve ter mandado decapitar alguém…) acabei vendo Titanic 3D em IMAX  numa sessão lotadíssima com uma plateia absolutamente diversa em idade, etnia, cultura; muitos deles eram bebês quando Titanic foi lançado; muitos só tinham visto o filme em telas de TV.

Foi um interessantíssimo estudo do poder de diálogo entre um filme  e o público, que se levantou para aplaudir de pé, unanimamente, ao final. Titanic funciona, 15 anos depois, não porque o 3D torna o navio absolutamente real e seu naufrágio, ainda mais medonho – ele funciona porque tem o equilibrio perfeito entre o pequeno e o imenso, o pessoal e o histórico, Jack e Rose , seu romance impossível e as pressões da sociedade à sua volta, condensadas e intensificadas na gloriosa prisão do transatlântico. Porque, no final das contas, não é a história de um navio, mas a história de uma mulher – igualmente a maravilhosa Gloria Stuart e a muito jovem Kate Winslet – e das escolhas que todos fazemos, a cada momento, nas rotas de nossas vidas.

Titanic 3D está em cartaz nos EUA e estreia no Brasil dia 12.


Como Smash se transformou em Glee para adultos
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Ana Maria Bahiana

Vocês estão começando agora a ver Smash, não é? Sinto muito, mas tenho o pior dos spoilers pra vocês: a série vai piorar um bocado, daqui para frente.

Aqui nos EUA Smash está no ar desde 6 de fevereiro e vai até 14 de maio. Por um instante não muito breve esteve ameaçada de cancelamento. Foi renovada de raspão, com o sacrifício de uma cabeça: a da showrunner Theresa Rebeck, roteirista, autora e dramaturga com experiência na Broadway.

A crítica, que abraçou entusiasticamente a série na estréia, está chamando Smash de Glee para adultos (dica: isso não é um elogio…). Depois de uma estréia com 11.4 milhões de espectadores, a audiência despencou mas finalmente estabilizou-se em 7.7 milhões de espectadores; entretanto,  apenas um terço dessa audiência está na cobiçada faixa 18 a 49 anos. É um impasse sério para uma série que começou ambiciosa – os bastidores da Broadway! Grandes números musicais! – e cara – o piloto custou $ 7.5 milhões de dólares, o equivalente à produção de um filme independente.

Para entender o nó da questão de Smash é preciso acompanhar o projeto desde sua origem _é um estudo fascinante de como as mídias se diversificaram e especializaram, e como uma ideia sela seu destino cada vez que escolhe um caminho nas muitas encruzilhadas de seu desenvolvimento.

Smash começou em 2008 como mais uma das ideias ousadas mas complicadas de Steven Spielberg : de olho na Broadway, onde a Disney emplacava um sucesso atrás do outro adaptando filmes para o palco, Spielberg pensou que o caminho oposto poderia ser interessante. Que tal uma série de TV na qual cada episódio fosse a concepção e montagem de um musical? E que tal se cada um desses musicais fosse produzido de verdade, no palco?

Por mais maluca que a proposta pareça ser, uma pessoa acreditou nela – talvez porque seja difícil dizer “não” a Spielberg. Em 2009 Robert Greenblatt, então presidente do canal a cabo premium Showtime, topou ir adiante com o projeto, com alguns ajustes: em vez de um musical por episódio, a série se concentraria nos bastidores de uma grande produção da Broadway, focalizando as vidas, personalidades, desejos e conflitos de quem cria, escreve, compõe, produz e interpreta os musicais. A referência que Greenblatt deu a Speilberg foi, supreendentemente, a série política The West Wing, de Aaron Sorkin: o mesmo olhar sobre as vidas secretas por trás de atos muito públicos.

Quando, em janeiro do ano passado, Greenblatt migrou da Showtime para o posto supremo da rede NBC – perpetuamente enfurnada no quarto lugar entre as quatro grandes e desesperada por sangue e ideias novas – ele resolveu levar Smash consigo. E aí está a raiz do drama da série: TV a cabo, especialmente num canal premium, e TV aberta são modelos financeiros e estéticos tão diversos quanto um filme autoral, independente, e a próxima franquia de super heróis.

Um canal como a Showtime vive exclusivamente para atender o gosto da platéia. É altamente segmentado _ 7.7 milhões seria uma platéia enorme e até um pouco problemática, por ser difícil de entender e atender. Na faixa dos 2, 3 milhões de espectadores o canal tem a liberdade de saber com quem está falando e não depender de anunciantes como fonte de renda. O que Grenblatt temia era que o custo por episódio estivesse acima do bolso do canal – Showtime ainda é a prima pobre da HBO, e não dá para pensar em algo na escala de, digamos, Game of Thrones ou Boardwalk Empire.

Para ter a grande platéia da TV aberta, Smash teria que fazer concessões. Menos bastidores e mais dramas pessoais (Bebês! Casos! Traições! Fofocas! Drinques jogados na cara!). Menos material original – os números musicais da peça em produção, sobre Marilyn Monore, são todos compostos por Michael Shaiman e Scott Wittman – e mais covers de canções conhecidas. Uma aparição de Nick Jonas – cantando, é claro – para atrair a plateia entre 18 e 39 anos (a aparição foi tão forçada quanto aquele Justin Bieber na abertura do Oscar deste ano…).

É nessa encruzilhada que a série se encontra, agora . O episódio da semana passada, com um desesperado número musical “moderno”, vagamente Lady Gaga , valeu como um meta-comentário: na série, o musical está ameaçado e precisa de uma grande estrela popular para salvá-lo; na vida, digamos assim, real, sua ousadia e visão podem estar se mostrando demais para os limites da selva da TV aberta.

Tags : Smash


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