Blog da Ana Maria Bahiana

Arquivo : dezembro 2011

E lá se vai 2011, parte II: o ano em que o cinema teve saudade do cinema
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Ana Maria Bahiana

Com o mercado norte-americano em franca depressão – este foi o pior consumo de ingressos de cinema em 16 anos –  e os grandes estúdios com o dedo colado no botão de pânico, este foi um ano de vacas anoréxicas. E onde, talvez não por acaso, o cinema teve saudade do cinema.

Aqui, os meus favoritos deste ano esquisito:

1. Drive, Nicolas Winding Refn. Um homem, um carro, o infinito labirinto urbano de Los Angeles. Uma pura experiência cinematográfica.

2. Os Descendentes, Alexander Payne. Laços de sangue, laços de terra. A exploração da familia como espellho de algo maior. Assim como…

3. A Árvore da Vida, Terrence Malick.  Desafiador, exasperante, embriagador. Outra pura experiência cinematográfica .

4. O Espião que Sabia Demais, Thomas Alfredson A claustrofobia da casa de vidro, num perfeito exercício de controle e interpretação.

5. Cavalo de Guerra, Steven Spielberg. Num filme deliciosamente à moda antiga, uma reflexão sobre a natureza da coragem.

6. O Artista, Michel Hazanavicius. Se tirarmos todos os artifícios que o cinema conquistou nos últimos 100 anos, o que resta? O poder da narrativa, se for tão boa como esta.

7. Meia Noite em Paris, Woody Allen.  Saber sonhar bem é positivamente mágico no melhor filme de Woody Allen em muito tempo.

8. Planeta dos Macacos-a Origem, Rupert Wyatt Há um lugar especial no meu coração para filmes que são mais inteligentes do que precisam. Este é um exemplo perfeito. Viva Andy Serkis!

9. Tudo pelo Poder, George Clooney. O jogo de intrigas atrás da luta pelo poder revelando, no fim das contas, apenas nossa humanidade.

10. As Aventuras de Tintin: O Segredo do Licorne, Steven Spielberg. Ah! Ter 10 anos de novo e experimentar a imagem em movimento como algo inédito!

11.  Rango, Gore Verbinski. Um diretor que nunca fez animação ataca o processo “fora da caixa” e os resultados são uma delícia.

12. Precisamos Falar Sobre Kevin, Lynne Ramsay. A sensacional atuação de Tilda Swinton ancora uma viagem aos infernos da relação entre mãe e filho.

13. A Invenção de Hugo Cabret, Martin Scorsese. Depois de muita perda de tempo chega-se ao puro coração mágico de uma verdadeira adoração ao cinema.

14. Pina, Wim Wenders. Corpo em movimento e imagem em movimento encontram-se num único gesto poético.

15. O Abrigo, Jeff Nichols. Se é para falar sobre o pavor da extinção da Terra, melhor a delicada, precisa visão deste filme indie, centrado nas atuações perfeitas de Michael Shannon e Jessica Chastain.

Menção especial:

Harry Potter e as Relíquias da Morte, parte II , David Yates. Por encerrar brilhantemente uma série de filmes que deixou bem claro que entretenimento infanto-juvenil pode e deve ser inteligente e de qualidade superior.


E lá se vai 2011, parte I: o ano do triunfo da TV. De novo.
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Ana Maria Bahiana

Foi um ano estranho. A platéia foi uniformemente subestimada, a linha de montagem empurrou um monte de continuações, franquias, 3D vagabundo e super-heróis sem nenhum carisma.

Como, em compensação a TV deu surras homéricas no cinema, começo por ela minhas listinhas do que me falou ao coração em 2011:

  1. Breaking Bad (AMC) Simplesmente a série melhor escrita, atuada, filmada e dirigida do momento.
  2. Mildred Pierce (HBO) Quanto vale a vida de uma mulher? Todd Haynes e Kate Winslet voltam às origens literárias do melodrama mais copiado de todos os tempos.
  3. Game of Thrones (HBO) Ainda não gosto das perucas, mas que bela adaptação da ficção política de George R.R. Martin.
  4. Homeland (Showtime) A agonia de ver e ser visto na era da paranóia. Atuações maravilhosas.
  5. Enlightened (HBO) A mais delicada e complexa exploração de todo o espectro das emoções humanas que vi recentemente na TV.
  6. Boardwalk Empire (HBO) O caminho da danação nunca foi tão interessante desde os Sopranos.
  7. Downton Abbey (PBS) Como aprendemos a viver no século 20, pelo microcosmo da família.
  8. The Walking Dead (AMC) Começou maravilhosamente, teve uma barriga ali pelo meio, mas nos deixou todos roendo as unhas até fevereiro.
  9. Cinema Verite (HBO) O primeiro reality show revela porque somos viciados na vida alheia
  10. The Killing (AMC) Não fosse aquele final safado estaria bem mais para cima desta lista.

O mundo dos animais: Steven Spielberg e Cameron Crowe em busca do coração selvagem
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Ana Maria Bahiana

Se era preciso mais prova de que a safra 2011 do cinema tem saudade de sua infância e adolescência, Cavalo de Guerra, de Steven Spielberg (dia 25 de dezembro nos EUA, 6 de janeiro no Brasil) e Compramos um zoológico, de Cameron Crowe (23 de dezembro nos EUA e Brasil) seriam a prova final. Em ambos, seus realizadores buscam um estado de pureza, uma inocência desprovida do cinismo e amargura dos nossos tempos, apostam no potencial para nobreza e  coragem da natureza humana e usam animais como metáforas daquilo que ainda é possível salvar na humanidade.

Cameron Crowe é um diretor/roteirista com tanta fé no ser humano que seus filmes muitas vezes são tidos como “ingênuos”. É um risco que ele prefere correr para se manter fiel  a si mesmo e a uma linhagem de outros otimistas que o influenciaram e que ele admira : Frank Capra, Billy Wilder, François Truffaut. Seres humanos fazem muita besteira, os filmes de Crowe dizem (ecoando o espírito de seus ídolos) mas tem em si mesmos a capacidade de fazer por merecer sua redenção.

Em Compramos um zoológico – paráfrase de uma história verdadeira acontecida na Grã Bretanha – o herói improvável é o jovem viúvo Benjamin (Matt Damon), e o risco que ele decide correr é, como o título diz, comprar um parque zoológico decadente e ameaçado de fechar.

Benjamin e seus filhos (Colin Ford e Maggie Elizabeth Jones) ainda não se recuperaram inteiramente da morte da esposa e mãe, com a vida diária atropelando, em sua implacável rotina, os sentimentos profundíssimos de dor e perda irreparável de toda a familia. Lançar-se de corpo inteiro num projeto que parece completamente absurdo parece, num primeiro momento, uma dose gigante de anestésico. Mas o ritmo pausado da vida longe da cidade e a realidade de lidar diretamente com a natureza e a vida em estado puro, através dos animais do zoo, tem o efeito oposto : a perda absoluta se torna completamente real, para todos. E fazer as pazes com ela torna-se a única opção.

É um riff em cima de Momento Inesquecível, o filme de Bill Forsyth de 1983 que Cameron usou para guiar a interpretação de Damon. Nele, um executivo da indústria de petróleo encontra a si mesmo, sua consciência e a possibilidade da magia ao se ver num vilarejo remoto da costa da Escócia, sem nenhum dos artifícios de sua vida anterior.  Aqui, Benjamin e sua familia estão diante da vida em estado bruto, sem distração alguma que os separe de decisões realmente elementares e fatais.

Crowe povoa o zoo com  animais que espelham as emoções da familia e um grupo de figuras levemente excêntricas – entre elas sua própria mãe e Patrick Fugit, de Quase Famosos, sem muito o que fazer além de andar com um macaco no ombro. E dá ao Benjamin de Matt Damon um interesse romântico que não existiu na história real, e que se torna absolutamente irresistível na pessoa de Scarlett Johansson.

Como um show dos Rolling Stones, todo o filme parece estar sempre a um breve passo do caos, neste caso um caldeirão de melaço capaz de por o espectador em coma hiperglicêmica. E, como os melhores shows dos Stones, ele resvala pela borda do abismo sem cair nele , desafio que o próprio Crowe se impõe, quem sabe como exercício para  provar seus próprios “20 segundos de coragem absurda”, a frase-chave de Zoológico. Neste caso, a coragem de sentir plenamente, sem ironia e sem sarcasmo, correndo todos os belos riscos de um coração vivo e aberto.

Cavalo de Guerra ecoa outro tipo de filme, o épico em grande escala de David Lean e John Ford, e de certa forma o mesmo tema – a coragem e a possibilidade do coração aberto. Mas enquanto Zoológico é uma peça de câmara, Cavalo de Guerra é uma sinfonia para grande orquestra, com harpa e tudo.

Não é figura de linguagem: os primeiros 15 minutos de Cavalo de Guerra são apenas música – a maravilhosa trilha de John Williams – e a paisagem de Devon, na Grã Bretanha, contando a história do nascimento do potrinho que será herói de guerra.

É o primeiro toque para a espectadora/especetador do que realmente importa no filme: o cavalo e a terra. Os humanos, diminutos em suas batalhas entre si, seus planos de glória, sua crueldade, sua arrogância, são engolfados por algo mais antigo e maior que eles algo que, novamente, fala diretamente sobre o pulsar essencial da vida.

São os humanos que tomam as decisões da vida do potro alazão e lhe dão vários nomes ao longo da história (e é interpretado por vários cavalos, mas menos do que o costume em filmes assim; Spielberg queria “manter a personalidade individual” do personagem equino). Mas nenhum desses humanos é o protagonista desta história: a verdadeira coragem, o verdadeiro grande coração, são do cavalo, inexplicáveis e absolutos como são as coisas na natureza selvagem.  O que os humanos podem esperar – e o que acontece, episódicamente, ao longo do filme – é que tenham a graça de serem tocados por essa energia.

Como Crowe, mas numa escala maior, Spielberg é frequentemente acusado de sentimentalismo e de uma filmografia menor, inconsequente. São acusações das quais não compartilho e que são brilhantemente desmontadas por uma recente série de ensaios visuais do site Indiewire. Suspeito que uma grande parte desta cisma é que Spielberg, de novo como Crowe, recusa-se a ser cínico e a tratar emoções e sentimentos como coisas irônicas e triviais. Ele é essencialmente um humanista, correndo os riscos do que isso quer dizer numa sociedade fraturada.

Usando a espetacular fotografia de seu parceiro, o mestre Janusz Kaminski, Spielberg deixa a história do livro de Michael Morpurgo respirar em amplos espaços, grandes movimentos de câmera. É um filme gloriosamente à moda antiga, com efeitos reduzidos a um mínimo essencial, e que exige que a espectadora/espectador se entregue a ele sem reservas.

E, no final, a aventura vale a pena.


Indicações aos Globos de Ouro 2012: o ano da volta ao essencial do cinema
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Ana Maria Bahiana

Com um grupo tão pequeno e tão diverso quanto nós, os correspondentes estrangeiros em Hollywood, todo ano eu prendo um pouco a respiração na hora do anúncio das indicações ao Globo de Ouro? Que coisa esquisita, bizarra e fora de qualquer compasso meus colegas vão aprontar ?

Este ano, pude respirar mais cedo. Bizarrice mesmo não houve, embora eu ainda não tenha entendido o que o pedestre My Week With Marilyn estava fazendo entre os melhores filmes, comédia/musical, Puss in Boots e Cars 2 entre os longas de animação (em vez de Rio, por exemplo), Callie Thorne entre as atrizes/TV/Drama e, principalmente, a indescritivelmente ruim American Horror Story entre as melhores séries de TV/drama.

Algumas indicações podiam ser melhores – duas para o W. E. da Madonna? Mesmo? Pelo menos foi na música que, de fato, se salva. Imagino que os votantes talvez estivessem querendo garantir a presença da Divina Miss M. na festa do dia 15 de janeiro, o que não é má ideia.

Outras indicações me pareciam ter sido feitas no piloto automático: Glee já passou do prazo de validade; Modern Family poderia ter dado sua vaga perpétua para outra série (Community?); e… The Good Wife? De novo? Nada de novo no front? (Me lembrou a indicação perpétua para House que assombrou o prêmio nos últimos anos…)

Há ausências notáveis, para mim: O Espião Que Sabia Demais, Árvore da Vida entre os filmes/drama; Win Win e Beginners entre os filmes/comédia; Carey Mulligan, tanto por Drive quanto por Shame; Jessica Chastain como qualquer coisa – ela deveria ter sido indicada por conjunto de obra, este ano! ; Ewan McGregor, que também merecia estar lembrado por Beginners, além do seu genial coadjuvante Christopher Plummer; senti falta também das canções de Muppets e das maravilhosas trilha de Hannah e Drive. E, é claro, estava torcendo deseperadoramente por Drive (que afinal emplacou Albert Books entre os coadjuvantes). Mas esse era um sonho impossível. (E se meus colegas quisessem realmente colocar a corrida do ouro num outro nível, teriam indicado Andy Serkis por qualquer uma de suas atuacões mocap…)

Por outro lado, meus colegas me deixaram orgulhosa, também. Quase uma década atrás os Globos destacaram uma série estreante que quase ninguem tinha visto: Mad Men. Este ano, indicaram duas vezes – série/comédia e atriz, para Laura Dern – Enlightened, sensacional reflexão sobre a natureza humana em tempos de crise, criada e executada por um talentoso grupo de criadores vindos do cinema independente, e, neste momento, ameçada de ser cancelada. As indicações para Michael Fassbender (pelo difícil mas belo Shame), Tilda Swinton (pelo provocador Precisamos Falar Sobre Kevin) e Joseph Gordon-Leavitt (pelo pequeno 50/50) mostraram que meus colegas estão atentos.

Liderando com cinco indicações num ano extremamente dividido, O Artista tem uma vantagem interessantíssima _ numa época de apogeu tecnológico, ele aponta para o essencial do cinema, sua capacidade mais profunda e simples de contar histórias visualmente. É um estranho no ninho do espetáculo, e sua trajetória, nesta temporada de prêmios, pode ficar na história.

Os Globos de Ouro serão entregues dia 15 de janeiro em Los Angeles.


David Fincher e a trilogia Millenium: o dragão tem duas cabeças
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Ana Maria Bahiana

Para os fãs da trilogia Millenium o que vou dizer a seguir é o equivalente a uma blasfêmia, mas lá vai: o principal efeito do impacto visual da versão David Fincher de Homens Que Não Amavam as Mulheres é revelar o quanto a história é, em essência, capenga.

A versão original, de 2009, dirigida por Niels Arden Oplev, era tão …humm… sueca que os altos e baixos da história se diluíam entre imagens de pitorescas festas de Natal com almôndegas, prisões que pareciam uma loja de design, e campos de neve pontuados por pinheiros, onde de vez em quando algo violento ou sinistro se insinuava quase que pedindo desculpas.

David Fincher arromba o universo de Stieg Larsson  com uma versão épica da história de Mikael Blomkvist, o jornalista investigativo caído em desgraça (Daniel Craig), Lisbeth Salander, a cyber punk com um passado de dor e vingança  (Rooney Mara) e a família milionária numa ilha na costa da Suécia, na qual metade tem um passado nazista e a outra metade tem mais esqueletos no armário que  faculdade de medicina.

Fincher é mestre em criar ambientes que transcendem imagens: tudo é maior, mais ameaçador, mais espetacular, mais rápido, mais explícito. A ilha dos milionários é o inferno da mitologia nórdica: isolado, gelado, sem saída, pontuado de sangue. A trillha de Trent Reznor é deliciosamente sinistra e frígida. E Rooney Mara… ah! Rooney Mara! Sua Lisbeth Salander faz justiça à genial criação de Noomi Rapace no filme sueco, mas é um riff pessoal na personagem. Há uma fragilidade mais claramente expressa em seus olhos, nos seus gestos. É uma combinação fascinante de extrema dureza, raiva absoluta e um oceano de emoções puras por baixo de tudo.

E no entanto… tudo o que estes elementos adicionais fazem é realçar o quanto da trama de Larsson tem buracos. Não vou mencionar os ditos cujos em detalhes, para não me acusarem de spoiler, mas só adianto que 1. a matemática de membros da familia não parece fazer sentido; 2. a motivação dos crimes, idem. 3. Aquele trecho final , pós-resolução dos crimes, faz menos sentido que os itens anteriores.

O que fascina na obra de Larsson, me parece, é a existência de Lisbeth Salander, a metade feminina, violenta e explosiva do passivo, confuso Mikael Blomkvist _e ambos, juntos, o alter ego de Larsson. Fincher explora muito bem o poder deste dragão de duas cabeças, e cria magníficos panoramas sensoriais de estranheza e impacto. O segredo é não fazer muitas perguntas…

Homens Que Não Amavam Mulheres (alguém tem o mesmo problema que eu com este título, que é o original do livro sueco? O fato dele entregar, de cara, um elemento importante da trama? Enfim…) estréia nos EUA dia 20; no Brasil, dia 27 de janeiro.


Nove minutos com The Dark Knight Rises: “é um épico”
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Ana Maria Bahiana

 

Muito chique no seu habitual modelo -terno preto com colete- Christopher Nolan saudava os convidados na porta do cinema IMAX do complexo da Universal com o orgulho de pai em festa de escola.  Noite fria de quinta feira em Los Angeles, e a sala do IMAX não estava lotada como seria de se esperar: muita gente desanimou quando soube que a tão badalada “sessão mistério” de The Dark Knight Rises teria apenas 9 minutos.

“Eu sei, é estranho vir até aqui apenas para poucos minutos, mas eu realmente queria que vocês tivessem uma ideia de como o filme é em IMAX”, disse Nolan. “ É uma tecnologia criada no ano em que eu nasci, mas ainda é a maior qualidade de imagem que conheço, e a maneira mais imersiva de apreciar um filme. É minha contribuição para evitar o encolhimento do cinema que, infelizmente, vem acontecendo nos últimos tempos.”

As luzes se apagam (vocês podem achar SPOILER o que vem a seguir…) e com a tela negra ouve-se a voz de Gary Oldman/Comissário Gordon dizendo “Harvey Dent era meu amigo. Eu acreditava em Harvey Dent.” Rapidamente as coisas ficam menos filosóficas: há uma ação da CIA, homens encapuzados, o Dr. Pavel (Alon Aboutboul) da campanha viral defechada hoje (quinta) à tarde, equipamentos médicos, Bane (Tom Hardy)  e o mais inacreditável sequestro de avião que eu pelo menos já vi em filme. Seguem-se imagens do batmóvel disparando por Gotham, multidões em fúria, a Mulher Gato em toda a sua glória.

Com a música de Hans Zimmer bombando e as imagens de Tom Hardy, Joseph Gordon Leavitt e Marion Cotillard,  em alguns momentos tem-se a impressão de estar vendo Inception. E se vocês acharam difícil entender o que Christian Bale diz quando põe a máscara de Batman, esperem para (tentar) ouvir os grunhidos de Tom Hardy atrás da sua engenhoca de Bane…

A tela gigante do IMAX de fato  coloca o espectador no meio da ação, e compreende-se porque Nolan prefere este formato ao 3D que encanta tantos dos seus contemporâneos.

E de repente… pronto, acabou, entre muitos aplausos. “Não me perguntem o que acontece depois disso”, Nolan brinca. “Estou começando agora a montar o filme.”

Mais relaxado depois da exibição, Nolan conversava sobre sua paixão pelos grandes formatos: “O cinema que me apaixonou, o cinema da minha infância e adolescência, era o grande cinema, o que me transportava para além da vida cotidiana. Essa sempre foi minha meta como realizador, recapturar essa magia do cinema.” Sobre o repeteco de tantos atores de Inception Nolan tem uma explicação simples: “Por que não usar de novo atores tão maravilhosos, que se adaptam tão perfeitamente  aos papéis? Sim, sou um privilegiado em ter essa oportunidade.”

Este aperitivo (ou “prólogo”, como Nolan o chama)  , reduzido para sete minutos- estreará nos Estados Unidos no próximo dia 16 e na Grã Bretanha dia 21, antes das exibições de Missão Impossível 4. “É uma estratégia que já usamos em Cavaleiro das Trevas e que me agradou muito”, diz Nolan.

É claro que Nolan não espera que todo mundo vá ver Dark Knight Rises em IMAX, em julho – afinal existem apenas 100 telas pelo mundo afora. “Os fãs não vão ter dificuldade em achar lugares que estejam exibindo o filme em 35 mm. Mas espero que eles façam um esforço para ver em IMAX, nem que tenham que esperar um pouco mais. Pensei o filme com estas dimensões, filmei com estas dimensões. É um épico. É assim que tem de ser visto.”


A vida secreta dos espiões, parte 2: a claustrofobia da vida na casa de vidro
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Ana Maria Bahiana

 

Há uma assinatura visual clara em O espião que sabia demais,  a adaptação do livro homônimo de John Le Carré (estréia dia 9 de dezembro nos EUA e  20 de janeiro no Brasil) pelo diretor sueco Tom Alfredson (Deixe ela entrar) : vidro. Janelas, divisórias e telhados de vidro enquadram o grupo de agentes de elite do serviço de inteligência britânico, o MI6, enquanto eles se debatem num jogo de intrigas e traições. Num lugar onde não há como se esconder, o único refúgio é dentro de si mesmo.

O fato do grupo estar sendo encarnado por uma outra elite, a dos atores britânicos, ajuda muito. John Hurt, Gary Oldman, Colin Firth, Ciaran Hinds, Toby Jones, Benedict Cumberbatch, Tom Hardy, Kathy Burke debatem-se nesta série de gaiolas de vidro com precisão, elegância e garra, cada um a sombra do outro, todos mantendo o oposto da transparência que o vidro sugere: um universo de segredos, cada um deles capaz de destruir o suposto companheiro de batalha.

Quem leu o livro ou viu a série da BBC onde Alec Guiness fazia o papel que Gary Oldman vive a tela – Smiley, o espião encarregado de espionar os espiões – estará preparado, mas os demais podem achar que próximo parágrafo é um SPOILER. Fica o aviso, portanto.

A ciranda perversa em que todos esses personagens rodam tem como pano de fundo o auge da guerra fria nos anos 1960. Lá fora é a Swingin’ London, a explosão de hedonismo, aventura e paixão. Dentro do “circo” – que é como os agentes chamam o MI6- o clima é de ansiedade e paranóia. Um deles pode ser um agente soviético. Ou tudo não passa de intriga na batalha por uma promoção. Ou vingança de marido traído. Ou… O circo tem telhado de vidro: não adianta tentar passar adiante a suspeita ou a acusação; de alguma forma ela volta, estilhaçando vidraças.

Alfredson dirige esta dança mortal com calma e rigor. Em suas próprias palavras, o objetivo era criar uma atmosfera tão palpável que fosse possível notar a cor da pele dos personagens – “palidez úmida de suor, de medo”, nas palavras do diretor – e o cheiro de suas roupas – “tweed molhado de chuva e pavor”. Trabalhando com o diretor de fotografia Hoyte van Hoytema (Deixe Ela Entrar, O Vencedor), Alfredson realiza plenamente sua visão, e somos inexoravelmente sugados para dentro desse redemoinho, passo a passo, sem as distrações comuns em filmões americanos – explosões, perseguições catastróficas- mas com a ainda mais aterrorizante lucidez de quem vê muito bem como tudo vai acabar.

Com um elenco dessa categoria é até injustiça destacar alguém, mas o Smiley de Gary Oldman merece um lugar à parte. Implacável mas frágil, cerebral mas completamente emotivo – cada gota de sentimento cuidadosamente trancada – seu Smiley é triunfo de interpretação, um momento que este grande ator merecia há muito tempo.

Não percam.


Angelina Jolie plagiou mesmo seu primeiro filme como diretora?
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Ana Maria Bahiana

 

Angelina Jolie no set

Então vocês já sabem sobre o processo de plágio movido contra Angelina Jolie? Estou tentando desembaraçar os fios desta teia desde ontem, quando In the Land of Blood and Honey, o filme dirigido por Jolie, teve pré-estréia em Nova York e os papéis do processo chegaram, não por acaso, aos escritórios de sua produtora e da GK Films, que bancou o projeto. Ainda não tenho respostas claras sobre as muitas dúvidas que um caso assim provoca, mas já sei mais do que sabia ontem – e, pelo que estou lendo, mais do que tem saído por aí.

A coisa em si: um jornalista bósnio, que se assina tanto James J. Braddock quanto Josip J. Knesevic, acusa Angelina Jolie e seus produtores de terem copiado ilegalmente a trama de seu livro The Soul Shattering, publicado em 2007. Na ação, Braddock/Knesevic, como é de costume, exige reparação e o cancelamento da distribuição de In the Land of Blood and Honey.

Seus argumentos (e aqui há óbviamente SPOILERS, se você pretende ver o filme…) : filme e livro tratam do mesmo assunto, uma mulher muçulmana que é estuprada e aprisionada por soldados sérvios durante a guerra de 1992-1995, e seu relacionamento com o comandante da guarnição onde está aprisionada.

Zana Marjanovic e Goran Kostic em In The Land of Blood and Honey

Braddock/Knesevic argumenta mais: que em 2007, ele teria se reunido com Edin Sarkic, que veio a se tornar um dos produtores de Blood and Honey, e mostrado a ele uma súmula de seu livro. O que alega em seu processo é que Sarkic teria conhecimento do livro e teria usado o material como base do que viria a ser o roteiro que Angelina assina.

Em troca, a GK Films diz que Jolie nunca leu o livro ( e nem poderia, a não ser que ela falasse bósnio, como se verá a seguir) e que os protestos de Knesevic não tem fundamento.

Agora vamos ao que está além disso:

O livro não foi publicado fora da Bósnia. Como o próprio Knesevic descreve, seu manuscrito foi encaminhado para e rejeitado por “centenas de editoras”. Por um ótimo motivo: pelo que se pode ler nos trechos do próprio site do autor, ele é muito ruim.

Seu livro não é uma obra original, única _ é uma reportagem (bastante caótica) sobre as condições em torno de Sarajevo durante a guerra, e inclui uma multidão de personagens e situações. Várias outros documentos, entre reportagens, livros e dossiês, contém ampla documentação dos fatos medonhos ocorridos durante o conflito, inclusive e principalmente o estupro e humilhação sistemática das mulheres. Existe inclusive um vasto livro de entrevistas com mulheres vítimas da guerra, publicado em 1997 sob os auspícios do Comitê para os Direitos Humanos na Sérvia, intitulado exatamente The Shattering of the Soul.

Os elementos que Knesevic alega serem semelhantes entre seu livro e In the Land of Blood and Honey podem ser encontrados na maior parte desses documentos e obras.

Quem negocia uma obra para adaptação cinematográfica toma algumas precauções básicas, como registrar seu trabalho e obter uma carta de intenções de produtores com quem se reune. Que se saiba, Knesevic não tomou nenhuma dessas providências, o que revela pelo menos que ele não é um profissional.

Meu palpite: isso vai morrer na praia.

E o que, para mim, é mais espantoso: o filme é bom. É o filme de uma estreante, mas não é preciso nem dar esse desconto. O complicado relacionamento entre Alya (a sensacional Zana Marjanovic_ quero ver mais filmes com ela!) e Danijel (Goran Kostic, muito bom) vai além do conflito étnico – ela muçulmana, ele sérvio, filho de um general linha-dura ( o sempre competente Rade Serbedzija) para refletir sobre paixão, lealdade, desejo e compaixão. Nada é simplificado, nada é facilitado _ e tanto quanto uma pessoa de fora pode compreender algo tão complexo e doloroso quanto os conflitos na ex-Iugoslávia, o impacto da tragédia na vida cotidiana de seus habitantes é mostrado com clareza.

Independente das confusões, uma bela estréia.

In the Land of Blood and Honey estréia nos EUA (dublado em inglês) dia 23 de dezembro e na Europa, no original em bósnio, a partir de janeiro; ainda não tem data para lançamento no Brasil.


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