Blog da Ana Maria Bahiana

Arquivo : maio 2011

Uma conversa com Mel Gibson: “Dor é pré-requisito para o crescimento”
Comentários Comente

Ana Maria Bahiana

Uma coisa eu sei sobre Mel Gibson: ele é extremamente volátil, uma personalidade complicada que pode estar sorrindo e brincando numa hora e explodindo minutos depois. Entrevistei Mel exatamente 18 vezes, começando com  Conspiração Tequila em 1989. Algumas vezes ele era um bom papo, brincalhão, amável. Outras vezes era um grosso, agressivo, especialmente se o entrevistador era mulher ou tinha um sotaque que revelava que o inglês não era sua primeira língua. Numa entrevista ele quase chorou contando seu velho problema com a bebida (na época ele estava sóbrio, e agradecia à paciência da então esposa, Robyn Moore). Em outra, pediu um prato de comida e respondeu todas as perguntas mastigando, a boca semi-aberta, comida caindo pelos cantos.

Colegas australianos que o conhecem de mais longa data dizem que ele sempre foi um homem com problemas – bebida, uma relação complicada com o pai – mas  que essas variações de humor se agravaram na mesma medida de sua fama e poder.

Nesta tarde de primavera em Los Angeles, Mel Gibson está em sua melhor forma como um cavalheiro, bem humorado e até contido. Ele entra na sala privada do hotel de luxo cercado por pelo menos uma dúzia de assistentes e divulgadores. Apesar da cordial jovialidade, há uma tensão palpável no ar: esta é a primeira entrevista de Gibson desde a tempestade que cercou sua separação da segunda mulher, Oksana Grigorieva e abalou, talvez para sempre, sua reputação na industria.

Com três décadas de tração no cinema, da Austrália a Hollywood, Gibson sabe perfeitamente o que está em jogo com Um Novo Despertar. Além de sucesso ou fracasso (o filme não foi bem de bilheteria nos EUA, e recebeu críticas mistas), o filme representa um pequeno passo na direção de… bem.. um novo despertar.

As sincronicidades entre filme e vida não param aqui.  Vigiado de perto pela tal entourage, Gibson usa seu personagem no filme do mesmo como como o personagem usa o fantoche: para falar, na terceira pessoa, daquilo que é complicado demais para ser dito.

Com um personagem intenso como Walter Black, onde você foi buscar referências para interpretá-lo?

_Imediatamente ele me pareceu um depressivo grave.  O que não acho que eu sou mas…. Todos nós temos altos e baixos. Todos nós somos afetados pelos mesmos elementos de estresse que este planeta oferece e, principalmente, que outras pessoas nos causam. Então pensei que era pegar isso…e… colocar numa escala maior. Conheço pessoas que, de tão deprimidas, não conseguem sair da cama. Letargia é um modo de expressar o desespero em que elas se encontram. É como elas expressam seu sofrimento interior.

Você utilizou algum incidente ou incidentes em sua própria vida como base?

_Alguns… e também coisas das vidas de outras pessoas… amigos… inimigos… É tudo uma vasta experiencia humana, não é mesmo? Tantas pessoas passam por isso… acho que é um tema adequado para um filme, explorar soluções…

No set de "Um Novo Despertar", com Jodie Foster e o castor

O que você faz quando passa por um estresse dessa ordem?

_ Hummm… massagem… massagem nos pés… acupuntura…. Não acredito em medicamentos. Acho que não são a solução. Para mim a solução é sempre espiritual.

Numa entrevista recente você disse que não se importa se jamais tiver que trabalhar como ator. Por que?

_ Eu gosto do trabalho de ator. Sou grato a ele. Mas a verdade é que já gostei muito mais. É uma relação diferente que tenho com o trabalho, hoje. Vendo jovens atores como Anton (Yelchin, que faz o filho de Walter Black no filme) eu me lembro de como eu era nessa idade, com 20, 21 anos. A atenção aos detalhes, o entusiasmo pelas menores coisas…. 35 anos depois você tem uma relação diferente com o ofício. É mais sobre a história que você está contando. Você se despe da auto-indulgencia. Seu foco passa a ser fazer as coisas com competencia, do modo mais verdadeiro possivel. Mesmo quando você está fingindo.

Por isso você se dedica tanto ao seu trabalho como diretor?

_ Em grande parte, sim. É o que mais me empolga, hoje. Eu sou uma pessoa séria. Eu adoro esta industria. Adoro estar envolvido na arte colaborativa que é o cinema. Hoje eu sinto uma satisfação muito maior quando estou do outro lado da câmera, participando da mesma experiência. De certa forma estou mais envolvido pessoalmente com histórias que são importantes para mim quando eu trabalho como diretor.

Por que as pessoas sofrem tanto, apanham tanto, são tão torturadas nos seus filmes?

_ A dor é um pre-requisito para o crescimento. É isso, só isso. Veja qualquer filme que você gosta: é alguem passando por um tormento, alguma luta. Há sempre algo perturbador acontecendo. É isso que faz uma boa história. Não sou só eu… bom… é… talvez eu coloque esses elementos de um modo diferente…

Se você não fosse ator, o que você seria?

_Um chef. Estou falando sério. Super sério. Sei cozinhar qualquer coisa. Às vezes tenho 50, 60 pessoas lá em casa e cozinho verdadeiros banquetes para todas elas.

 

Tags : Mel Gibson


No novo filme de Mel Gibson, a vida imita a arte que imita a vida
Comentários Comente

Ana Maria Bahiana

Um Novo Despertar (The Beaver, Jodie Foster, 2010) é, em muitos aspectos, como um acidente de carro: você sabe que nada bom vai sair dali, mas não pode parar de olhar quando cruza com ele na rua ou na estrada.

Durante uns quatro anos este roteiro de Kyle Killen circulou pelos corredores do poder em Hollywood, incluido na elogiosa mas complicada lista de “os melhores roteiros não-produzidos”.  Killen _ nascido no Texas, formado pela prestigiosa escola de cinema da University of Southern California_ acabou estreando profissionalmente com Lone Star, uma série de TV  promissora (eu era fã) mas cancelada depois de dois episódios por falta de audiência. Ele está na fila de novo este ano, com a série Awake, interessantíssima, mas de cujo poder de fogo nas pesquisas de audiencia os analistas já estão duvidando.

Com essa perspectiva _ que Jodie Foster não tinha na época em que aceitou dirigir o projeto _ fico pensando em que tipo de perfil Killen tem. Possivelmente alguém que tem excelentes ideias mas se confunde com o próprio brilho de suas invenções e perde o caminho lá pelo meio da longa, trabalhosa jornada que é estruturar uma narrativa.

A premissa é fascinante (como era a de Lone Star e como é a de Awake): no meio de uma tenebrosa crise de depressão (cujas origens  nunca são explicadas, embora haja uma alusão à genética ) Walter Black, homem de meia idade , pai de familia e dono de uma fábrica de brinquedos, encontra a salvação através de um fantoche em forma de castor (o “beaver” do título). Com o fantoche em sua mão direita, Black cria um alter ego instantâneo, uma espécie de terapia ambulante através da qual se torna capaz de, finalmente, assumir  o controle de sua vida.

Numa dessas sincronicidades absurdas, Gibson, que se envolveu no projeto em 2009, a convite de Foster, sua amiga desde que os dois trabalharam juntos em Maverick, começou a filmar Despertar no meio da série de crises que abalaram sua vida em  2009-2010, quando sua ex-mulher Oksana Grigorieva divulgou as gravações das furiosas brigas do casal. Em outras palavras: enquanto Mel Gibson interpretava Walter Black, homem de meia idade, rico, pai de familia, caindo furiosamente por um poço sem fundo de angustia, fúria e depressão, ele era um homem de meia idade, rico, pai de familia, caindo furiosamente por um poço sem fundo de angustia, fúria e depressão.

Talvez este elemento explique a melhor coisa de Despertar: o próprio Gibson, numa interpretação tão visceral e poderosa que é impossível não pensar na correlação entre drama e vida. (Eu estou entre os que acham Gibson um bom ator que se tornou melhor com o passar dos anos e o áspero polimento dado pela vida).

O resto é complicado. Despertar começa como um estudo de personagem que se torna pouco a pouco absurdo, no bom sentido. Sua primeira meia hora é brilhante, e Foster parece ter a mão firme nas decisões de como significar, visualmente, a fratura da alma de Walter Black.

No exato momento em que as coisas se tornam realmente complicadas e interessantes, o roteiro dá uma guinada primeiro para a comédia – aquela historinha tão comum no cinemão americano, onde uma grande crise de repente se resolve de um modo bem engraçadinho – e depois, sem aviso prévio, para o filme de terror. Para terminar com tudo certinho, resolvido e explicado.

Há muitas boas ideias e pelo menos dois desempenhos fantásticos – Mel Gibson e Anton Yelchin, como o filho mais velho que teme estar seguindo os passos do pai. Mas a impressão que fica, no final das contas, é a de uma espécie de salada com melão, anchova e chocolate. Ou, talvez, o acidente de carro que você fica querendo olhar por todos os motivos errados.

Um Novo Despertar está em cartaz nos EUA (onde não foi bem nem de bilheteria nem de crítica) desde o dia 20 e estreia dia 27 no Brasil.

No próximo post, uma interessante conversa com Mel Gibson, aqui em Los Angeles.

 

 


É meia noite na Paris de Woody Allen: onde estão seus desejos?
Comentários Comente

Ana Maria Bahiana

É uma boa coisa que Meia Noite em Paris (Midnight in Paris, Woody Allen, 2011) tenha sido escolhido para abrir o Festival de Cannes, semana passada: poucos filmes que eu me lembre realizam tão bem a visão do encontro entre cinemão e cineminha, entre Estados Unidos e França. É delicioso, leve, altamente digerível mas bem acabado, bem articulado, bem resolvido _ coisa que nem sempre os últimos trabalhos de Woody Allen tem sido, especialmente quando ele se deixa possuir por rancor, amargura e cinismo.

Estamos bem longe disso nesta meia noite numa Paris da imaginação. O clima é A Rosa Púrpura do Cairo e não Celebridade: um bombom, talvez um suspiro, e não uma poção de arsênico.

Pena que, para presevar a delícia do filme, eu não possa dizer quase nada sobre ele _ é um desses que quanto menos se sabe antes de sentar na cadeira, melhor.

O que posso dizer: um escritor frustrado (Owen Wilson, escolha mais que certa para o papel) vai com sua noiva (Rachel McAdams, ótima) e a familia dela para Paris. O pretexto é uma viagem de negócios do futuro sogrão (Kurt Fuller) _ republicano roxo, produto típico da era Bush . A viagem  deveria ser também uma excursão de compras para a nova casa dos noivinhos (que ainda não existe) guiada pela futura sogra ,o tipo de pessoa que acha uma cadeira de dezenas de milhares de euros  “uma pechincha”. No meio do caminho haverá o encontro com o ex-namorado da moça (Michael Sheen) um sujeito pomposo que gosta de dar palestras espontâneas sobre qualquer assunto, de vinhos a história da arte, mesmo que ninguém queira ouvir.

Gil, o escritor, é um roteirista de sucesso mas intui, como muitos antes dele, que ser apenas “super procurado pelos estúdios “ (palavras da  noiva) não é o suficiente para saciar sua fome de algo mais, a busca de uma felicidade sem nome que ele, talvez por falta de opções, coloca no passado, na Paris dos anos 1920, onde modernismo, cubismo e surrealismo estavam sendo criados e uma geração de  autores e artistas norte-americanos, alegremente auto-exilados, se reinventava. “Nostalgia é medo do futuro”, pontifica o ex-namorado, e ele tem mais que um pouco de razão (o que não o torna menos irritante.)

E então, numa bela noite, Gil tem uma epifania mágica…

Como em tantos outros  de seus filmes, Gil é um alter–ego de Allen.  Ou melhor, uma faceta de sua alma, aquela que, no outono da vida, reavalia uma carreira de sucesso e pensa se isso é ou não o bastante. A decisão de abordar esse dilema com generosidade e lirismo – e não com ressentimento e sarcasmo – é o que faz Meia Noite em Paris a delícia que é, indo além dos dez minutos de cartão postal da abertura para uma visão gloriosa da Paris dos sonhos, das possibilidades, repositório das aspirações  de gente criativa e contra a corrente de todas as épocas.

Allen está no topo de sua forma como dialoguista e desenhista de personagens _ em poucos traços, sabemos exatamente quem são esses americanos exilados em Paris e o que cada um espera da Cidade Luz (que, na visão de Woody, retribui exatamente na medida do desejo de cada um, cidade-fada-madrinha dos sonhos alheios). A escolha do elenco é perfeita, a fotografia é linda e o gosto de Allen pelo jazz dos Roaring  Twenties casa-se perfeitamente com o clima do filme.

Meia Noite em Paris estreia nos EUA sexta dia 20 e no Brasil dia 17 de junho.

 


O 3D, além do bem e do mal
Comentários Comente

Ana Maria Bahiana

Dançando em 3D: filmando Pina, de Wenders

 

A declaração de Bernardo Bertolucci, hoje, no Festival de Cannes, de que não apenas é fã de Avatar mas vai fazer seu próximo filme em 3D colocou a questão do novo/velho formato, mais uma vez, no centro de uma discussão bem mais interessante do que” vai ou não vai aumentar o retorno de bilheteria”.

Bertolucci, um nome sem dúvida de peso, é o mais recente realizador de alto calibre a abraçar o 3D. Martin Scorsese causou arrepios na indústria quando anunciou, ano passado, que seu A Invenção de Hugo Cabret seria filmado em 3D. Wim Wenders emocionou o festival de Berlim com seu documentário Pina, captando em 3D e numa mistura de sets, palcos e cenários naturais diversas atuações do grupo de dança da brilhante coreógrafa Pina Bausch. E Werner Herzog está batendo recordes de bilheteria (para um documentário) com sua lírica e idiossincrática visão das pinturas pré históricas de caverna de Chauvet em Cave of Forgotten Dreams.

E agora Bertolucci diz o seguinte: “Amei Avatar e fiquei fascinado com o 3D. Comecei a pensar, por que o 3D é considerado bom apenas para filmes de terror, ficção científica e coisas semelhantes? Pensei, e se 8 ½ de Fellini fosse em 3D, não seria maravilhoso?”

Seria.

O que é o essencial desta conversa _ como toda ferramenta da criação artística, o 3D não é, por si mesmo, “do bem” ou “do mal”. Ele é o que se faz com ele, assim como, no passado do cinema, foram o som, a cor, e os diversos formatos da imagem captada e projetada.

É claro que distribuidores , donos de cinema e executivos vêem a possibilidade como um modo de reverter a tendencia do entretenimento-em-casa que vem contribuindo para a retração da venda de ingressos, principalmente na América do Norte. Contribuindo, sou obrigada a dizer, ao lado de outros fatores como, por exemplo, uma enxurrada de filmes vagabundos, repetitivos, nada criativos e, muitas vezes, com um 3D ordinário. O papel desta turma é administrar o lado negócios do cinema. O que estava faltando na conversa era a voz da turma que administra o lado arte.

A compreensão do 3D como algo que pode modificar positivamente a experiencia visual e se tornar um elemento da narrativa é assunto para a turma da criação. É o que torna as cavernas de Chauvet tão emocionantes no filme de Herzog _ a aproximação, para a plateia, da experiencia dos pintores pre-históricos, que utilizaram o relevo da caverna como parte integrante de suas obras, em muitos casos para criar a ilusão de movimento, “como um proto cinema”, nas palavras do diretor.

Scorsese no set de Hugo Cabret

 

Em Hugo Cabret essa aproximação é absolutamente natural: o lindo livro de Brian Selznick é, ele mesmo, um objeto visual, onde imagens e o ritmo de virar as páginas são a narrativa. Selznick, um ilustrador em primeiro lugar, tem paixão pelos pioneiros da imagem em movimento, principalmente George Meliés, uma enorme influência em Hugo Cabret. Suspeito que Scorsese acredita, como eu, que se Meliés tivesse acesso ao 3D , ele o teria adotado entusiasticamente…

Io e Te, o projeto que Bertolucci vai realizar em 3D, tem apenas dois personagens e um cenário. Mas o que o diretor – preso numa cadeira de rodas há um ano, por conta de sérios problemas de saúde – visualizou, graças à nova tecnologia, foi o bastante para lhe dar novo fôlego: “(Com o 3D) eu vi que, mesmo numa cadeira de rodas, eu poderia imaginar meus filmes.”

Vôo da imaginação: cena de Pina, de Wenders

 


Kill Bin Laden: a morte do líder da Alcaida é coisa de cinema?
Comentários Comente

Ana Maria Bahiana

Mark Boal e Kathryn Bigelow

Na noite de domingo, quando Obama anunciou a morte de Osama Bin Laden, telefonemas e mensagens de texto foram disparadas em todas as direções entre luminares da indústria _onde uma das máximas é “se parece um filme, é um filme”.

Neste momento existem pelo menos três títulos de TV _ um documentário, uma série e um telefilme – e pelo menos um de cinema sobre a caçada ao líder da Alcaida. Quem está na frente, por uma dessas voltas da sorte tão comuns na indústria, é a dupla Kathryn Bigelow/Mark Boal, por um motivo simples: há dois anos eles já vinham trabalhando num projeto sobre a Força Delta – a tropa de elite que finalmente eliminou Bin Laden.

Logo depois da vitória no Oscar 2010, Bigelow e Boal adquiririam os direitos de um  livro de memorias de dois integrantes da tropa (um deles com o pitoresco pseudônimo Dalton Fury) e estavam trabalhando no roteiro paralelamente ao de Triple Frontier, o thriller situado na fronteira Brasil, Argentina e Paraguai (no qual Tom Hanks e Johnny Depp estavam interessados em participar).

Os eventos de domingo mudaram tudo. Aliás, o título do livro, profético, já se tornou o título do projeto, sem nome até dia 1 de maio: Kill Bin Laden.

Kill tem mais duas coisas importantes a seu favor : financiamento completo de desenvolvimento e de grande parte da produção, graças aos generosos fundos da nova empresa Annapuma, de Megan Ellison, filha do gazilionário criador da Oracle (a Annapuma também está financiando o filme sobre Julian Assange); e um ator super cotado para o papel do líder da tropa_ o australiano Joel Edgerton (visto pela última vez em Reino Animal, e já chamado de “o novo Russel Crowe”).

Tem também duas coisas contra: o manifesto desinteresse do público em geral e do norte americano em particular por filmes sobre o conflito no Oriente Médio; e a falta, pelo menos por enquanto, de um distribuidor, o que pode se dever ao primeiro “contra”.

Considerem: Guerra ao Terror, da mesma dupla, com Oscar e tudo, totalizou menos de 50 milhões de dólares no mundo todo (e apenas 17 milhões de dólares nos EUA). Por comparação, no mesmo ano da graça de 2009, a comédia rasgada Se Beber não Case acumulou 467 milhões de dólares no mundo todo, 272 milhões dos quais nos EUA.  Com Matt Damon à frente e uma campanha calcada no climão Bourne, A Zona Verde ficou nos 94 milhões de dólares mundiais, com apenas 35 milhões de dólares nos EUA.

Na hora de negociar um distribuidor forte, estes elementos são da maior importância_ ainda mais em tempos de recessão e encolhimento do mercado para cinema.

Mas não pensem que a coisa fica por aí: Michael Moore está ameaçando contar a história da caçada a Bin Laden lá do seu jeito. E como os comandos em ação em Abbottabad incluiam um cachorro, a piada mais corrente aqui é que até a Disney pode se animar a fazer o seu filme sobre a morte de Bin Laden_ do ponto de vista canino.

 

 

 

 


Com Werner Herzog no ventre da Terra, sonhando no escuro
Comentários Comente

Ana Maria Bahiana

Do chão de um vinhedo no sul da França, a câmera alça vôo. Em breve estamos sobre uma paisagem profundamente bela: um rio faz curvas sinuosas sob um imenso arco de pedra calcárea, branco contra o céu azul; ao fundo erguem-se montanhas igualmente brancas, encerrando rio e vinhedos num elegante vale em semicírculo.

E no entanto a maior beleza ainda está invisível. Com sua voz de professor meio doidão, meio sinistro, Werner Herzog nos guia até uma estranha porta de aço, como a de um caixa forte, encravada na encosta da montanha. Escuridão, silêncio. A beleza mais extraordinária começa agora.

Na primavera europeia de 2010, Werner Herzog recebeu uma permissão especial do Ministério da Cultura francês para visitar e filmar um dos maiores patrimônios da humanidade: as cavernas de Chauvet, na região do Ardéche, no sul do país. Selado por uma avalanche em algum ponto de sua longa história, o complexo de cavernas guarda em suas paredes a mais antiga coleção de obras de arte do mundo: gravuras e pinturas que datam de pelo menos 32 mil  anos.

A necessidade de preservar a integridade do local gerou condições extremas de filmagem: uma equipe de quatro pessoas, períodos de apenas quatro horas diárias de visita, roupas especiais e restrições de movimentação. Nada disso, contudo, interferiu no excepcional poder das imagens de Cave of Forgotten Dreams, o documentário que resultou da visita e que estreou neste fim de semana nos Estados Unidos (e já se tornou a maior bilheteria de abertura para um filme de Herzog).

Pelo contrário: a luz hesitante, capaz de iluminar apenas alguns trechos durante algum tempo, ajuda o espectador a ver as imagens quase com os olhos de seus autores e contemporâneos; o fato da equipe e seus guias estarem frequentemente no quadro nos conduz facilmente pelo labirinto, entre escuridão completa e flashes de imagens emergindo da pedra, e nos dá a dimensão da intimidade e majestade das cavernas. “Depois de algum tempo é como se os primeiros ocupantes destas cavernas ainda estivessem aqui”, Herzog diz, na narração em off. “Muitos pesquisadores me relataram a mesma sensação. Como se os olhos destes pintores nos acompanhassem, no escuro.”

Herzog, que não é um entusiasta do 3D – só viu Avatar, e se confessou “perdido” pela enxurrada de informações visuais – converteu-se temporariamente à técnica para Cave. Casamento perfeito _ os artistas de Chauvet usaram as saliências e depressões da rocha para dar profundidade e movimento a seus cavalos, bisões, leões e ursos; agora, o 3D recria a experiência- cá estamos nós temporariamente na luz rarefeita da caverna, cavalos , bisões, leões e ursos dançando em nossa direção “como uma espécie de proto-cinema”, diz Herzog, deliciado ao notar as repetições de detalhe, as oito patas e múltiplas cabeças que os artistas criaram para reproduzir movimento em suas obras.

Porque Herzog é Herzog, Cave tem desvios e um bizarro ps envolvendo uma usina nuclear e jacarés albinos. Um dos arqueólogos revela ter sido acrobata de circo. Outro, apresentado como “arqueólogo experimental”, chama-se Wulf, veste-se de peles e toca o hino nacional norte americano numa réplica de flauta pré-histórica. Há tambem um “mestre perfumista” que cheira a montanha em busca de novas cavernas.

Herzog, a flauta e Wulf

Mas desta vez estas idiossincrasias herzoguianas perdem o fôlego diante do imenso poder do que está nas paredes de Chauvet. Ali, auxiliado pela excepcional trilha de Ernst Reijseger, Herzog enuncia com clareza sua visão para o doc: Chauvet mostra por que somos humanos_ porque somos capazes de sonhar, aspirar, intuir o divino, abracá-lo, convidá-lo. Um arqueólogo diz que “homo sapiens” , o homem que pensa, não é a melhor definição de nossa espécie; “homo spiritualis” seria mais exato.

No final, Herzog nos deixa com a mais poderosa das infinitamente poderosas imagens de seu filme: a impressão da palma da mão de um dos pintores de Chauvet, assinando sua obra. Sim, estivemos aqui. Milhões de anos atrás, no ventre da Terra, sonhando no escuro.

 

 


< Anterior | Voltar à página inicial | Próximo>