Uma conversa com Mel Gibson: “Dor é pré-requisito para o crescimento”
Ana Maria Bahiana
Uma coisa eu sei sobre Mel Gibson: ele é extremamente volátil, uma personalidade complicada que pode estar sorrindo e brincando numa hora e explodindo minutos depois. Entrevistei Mel exatamente 18 vezes, começando com Conspiração Tequila em 1989. Algumas vezes ele era um bom papo, brincalhão, amável. Outras vezes era um grosso, agressivo, especialmente se o entrevistador era mulher ou tinha um sotaque que revelava que o inglês não era sua primeira língua. Numa entrevista ele quase chorou contando seu velho problema com a bebida (na época ele estava sóbrio, e agradecia à paciência da então esposa, Robyn Moore). Em outra, pediu um prato de comida e respondeu todas as perguntas mastigando, a boca semi-aberta, comida caindo pelos cantos.
Colegas australianos que o conhecem de mais longa data dizem que ele sempre foi um homem com problemas – bebida, uma relação complicada com o pai – mas que essas variações de humor se agravaram na mesma medida de sua fama e poder.
Nesta tarde de primavera em Los Angeles, Mel Gibson está em sua melhor forma como um cavalheiro, bem humorado e até contido. Ele entra na sala privada do hotel de luxo cercado por pelo menos uma dúzia de assistentes e divulgadores. Apesar da cordial jovialidade, há uma tensão palpável no ar: esta é a primeira entrevista de Gibson desde a tempestade que cercou sua separação da segunda mulher, Oksana Grigorieva e abalou, talvez para sempre, sua reputação na industria.
Com três décadas de tração no cinema, da Austrália a Hollywood, Gibson sabe perfeitamente o que está em jogo com Um Novo Despertar. Além de sucesso ou fracasso (o filme não foi bem de bilheteria nos EUA, e recebeu críticas mistas), o filme representa um pequeno passo na direção de… bem.. um novo despertar.
As sincronicidades entre filme e vida não param aqui. Vigiado de perto pela tal entourage, Gibson usa seu personagem no filme do mesmo como como o personagem usa o fantoche: para falar, na terceira pessoa, daquilo que é complicado demais para ser dito.
Com um personagem intenso como Walter Black, onde você foi buscar referências para interpretá-lo?
_Imediatamente ele me pareceu um depressivo grave. O que não acho que eu sou mas…. Todos nós temos altos e baixos. Todos nós somos afetados pelos mesmos elementos de estresse que este planeta oferece e, principalmente, que outras pessoas nos causam. Então pensei que era pegar isso…e… colocar numa escala maior. Conheço pessoas que, de tão deprimidas, não conseguem sair da cama. Letargia é um modo de expressar o desespero em que elas se encontram. É como elas expressam seu sofrimento interior.
Você utilizou algum incidente ou incidentes em sua própria vida como base?
_Alguns… e também coisas das vidas de outras pessoas… amigos… inimigos… É tudo uma vasta experiencia humana, não é mesmo? Tantas pessoas passam por isso… acho que é um tema adequado para um filme, explorar soluções…
O que você faz quando passa por um estresse dessa ordem?
_ Hummm… massagem… massagem nos pés… acupuntura…. Não acredito em medicamentos. Acho que não são a solução. Para mim a solução é sempre espiritual.
Numa entrevista recente você disse que não se importa se jamais tiver que trabalhar como ator. Por que?
_ Eu gosto do trabalho de ator. Sou grato a ele. Mas a verdade é que já gostei muito mais. É uma relação diferente que tenho com o trabalho, hoje. Vendo jovens atores como Anton (Yelchin, que faz o filho de Walter Black no filme) eu me lembro de como eu era nessa idade, com 20, 21 anos. A atenção aos detalhes, o entusiasmo pelas menores coisas…. 35 anos depois você tem uma relação diferente com o ofício. É mais sobre a história que você está contando. Você se despe da auto-indulgencia. Seu foco passa a ser fazer as coisas com competencia, do modo mais verdadeiro possivel. Mesmo quando você está fingindo.
Por isso você se dedica tanto ao seu trabalho como diretor?
_ Em grande parte, sim. É o que mais me empolga, hoje. Eu sou uma pessoa séria. Eu adoro esta industria. Adoro estar envolvido na arte colaborativa que é o cinema. Hoje eu sinto uma satisfação muito maior quando estou do outro lado da câmera, participando da mesma experiência. De certa forma estou mais envolvido pessoalmente com histórias que são importantes para mim quando eu trabalho como diretor.
Por que as pessoas sofrem tanto, apanham tanto, são tão torturadas nos seus filmes?
_ A dor é um pre-requisito para o crescimento. É isso, só isso. Veja qualquer filme que você gosta: é alguem passando por um tormento, alguma luta. Há sempre algo perturbador acontecendo. É isso que faz uma boa história. Não sou só eu… bom… é… talvez eu coloque esses elementos de um modo diferente…
Se você não fosse ator, o que você seria?
_Um chef. Estou falando sério. Super sério. Sei cozinhar qualquer coisa. Às vezes tenho 50, 60 pessoas lá em casa e cozinho verdadeiros banquetes para todas elas.