Blog da Ana Maria Bahiana

Arquivo : outubro 2010

Uma conversa com Frank Darabont, episódio 2: “Para mim zumbis são como políticos…”
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Ana Maria Bahiana

No episódio anterior , Frank Darabont (Um Sonho de Liberdade, `A Espera de um Milagre, O Nevoeiro) enterra um zumbi no jardim de seu escritório, dá detalhes de sua coleção de action figures, explica como fez Steven Spielberg sentar numa cadeira elétrica e conta as origens da série The Walking Dead (que estréia amanhã nos EUA e dia 2 no Brasil).

Nesta segunda parte, Darabont nos leva para o set de filmagem… e além:

Qual foi sua principal preocupação na realização de The Walking Dead?

_ Os zumbis tinham que ser verdadeiros e assustadores. O que as platéias tinham visto recentemente eram mortos vivos muito engraçados, em dois filmes que amo, Shaun of the Dead e Zombieland. Mas estamos contando uma história séria, trágica mesmo, e nossos zumbis não podem, em nenhum momento, ser engraçados. Essa foi a primeira discussão que tivemos com o elenco e com os maravilhosos, maravilhosos, figurantes que recrutamos.  Todos – os que fazem o papel de mortos-vivos e os que não – precisam estar o tempo todo imbuídos da seriedade da proposta. Sem essa convicção interior a história não se sustenta.

Onde vocês acharam tantos candidatos a zumbi?

_ Em Atlanta, onde filmamos. E o problema foi de fartura, e não de escassez! Tínhamos mais candidatos a zumbi do que precisávamos. Vou ser sincero: não tenho a menor ideia de onde saiu tanta gente talentosa e disposta a trabalhar duro. Eu não tinha noção de que havia toda uma subcultura de zumbis, que existiam Zombie Walks pelo mundo afora… Quando abrimos os testes, apareceram essas multidões, muita garotada, já prontos, vestidos, maquiados…. E eles diziam: que bom que  você está fazendo essa série, sou super fã de zumbis, participo de Zombie Walks…

A que você atribui tanto interesse em zumbis?

_ É uma metáfora muito poderosa, não é? É um ser monstruoso, mas é um ser humano. Somos nós. Acho que muita gente, como eu, ainda vive sob a impressão de  Noite dos Mortos Vivos, de George Romero  _ eu vi pela primeira vez aos 14 anos e fiquei apavorado durante semanas. O excelente filme que Zack Snyder fez , mais recentemente (Madrugada dos Mortos, 2004) deve ter alguma coisa a ver, assim como Extermínio, o maravilhoso filme de Danny Boyle. Mas sobretudo, como tudo aquilo que é realmente bom e forte no gênero fantástico, os zumbis permanecem  porque falam aos nossos medos mais profundos. Cada um encontra o significado que quiser.

O que os zumbis de The Walking Dead representam para você?

_ Os meus zumbis? Eu sempre acho que eles se parecem com políticos _ não tem finalidade alguma a não ser se alimentar dos vivos! (ri muito)

Toda a série foi rodada em locação em Atlanta? Ou você fez algo em estúdio?

_ Foi tudo feito em locação, em película,  16mm. Aprendi com The Shield (Darabont dirigiu o episódio Chasing Ghosts, em 2007) o quanto o 16mm  evoluiu e a qualidade de imagem que se pode obter com ele. Usamos pequenos sets para alguns interiores, mas lá mesmo. Era importante manter a veracidade da história, e os quadrinhos se passam em Atlanta em arredores.

E como foi?

_ Uma bênção e uma maldição. Uma bênção porque  Atlanta é um lugar excelente para filmar, ótimos técnicos, todas as facilidades possiveis, fechamos quarteirões inteiros, rodovias… E tivemos, como disse, aquela fartura de zumbis (ri).

Maldição porque fazia um calor insuportável, em torno de 40 graus todos os dias. Todo mundo suava em bicas. Nas sequências que filmamos no teto do prédio (e que estão no episódio 2. Guts) a temperatura devia ser de quase 50 graus. Não sei como os atores aguentaram. O  suor que você vê neles todos não é maquiagem, é de verdade!

Você só dirigiu o primeiro episódio,  Days Gone Bye, mas se manteve envolvido com toda a série?

_ Completamente. Trabalhei em todos o roteiros, e tive a felicidade de contar com um grupo de ótimos diretores para cuidar dos outros episódios enquanto eu montava o material, aqui em Los Angeles e Gale Ann Hurd permanecia no set.

E quando vocês começam a filmar a segunda temporada?

_ Quando a AMC disser que a primeira foi bem… E posso garantir que estou torcendo…

To be continued…


Uma tarde entre monstros ilustres: uma conversa com Frank Darabont
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Ana Maria Bahiana

Tem um zumbi no jardim do escritório de Frank Darabont. É um sujeito relativamente jovem para quem aparenta estar morto e enterrado há algum tempo. Aliás, nem uma coisa nem outra: seus braços se estendem, ansiosos, seu corpo semi-sepultado até o peito, a boca aberta num grito mudo. A grama muito bem cuidada cobre o canteiro à sua volta, até as roseiras plantadas junto ao muro, mas imediatamente ao seu redor há um círculo, limpo e deliberado, de terra batida.

“Êle não é simpático?”, Darabont comenta, depois de contemplá-lo  com uma mistura de satisfação e orgulho. “Achei numa loja de enfeites para jardim, bem a tempo para o Halloween. Mas vai ficar aí o ano todo, claro.”

Não sei onde Darabont compra seus adereços de jardim. Imagino a estátua de gesso do morto-vivo entre anõezinhos, flamingos, begônias, margaridas….  Mas com certeza o zumbi combina com o restante do escritório, uma espaçosa casa em estilo mediterrâneo nas colinas de Hollywood onde Darabont mantém sua produtora Darkwoods, decorada  com parte de uma invejável coleção de action figures, miniaturas,  props de filmes, posters e fotos. O exterminador-esqueleto de Exterminador do Futuro 2 (“Presente de Gale Ann Hurd”); as máscaras dos fantasmas da Casa Mal Assombrada da Disneylândia (“minha primeira memória apavorante”); uma réplica do Nosferatu de Max Schreck e da Criatura de Frankenstein de Boris Karloff (“nunca superados”); uma foto de Steven Spielberg sentado na cadeira elétrica de À Espera de um Milagre (“era uma tradição no set. Todo visitante tinha que sentar na cadeira. Fiquei com a cadeira, está guardada na garagem da minha casa, acho que vou por aqui no escritório…”).

“O restante da minha coleção está em casa e num depósito. Eu já assusto demais os funcionários com o que tenho aqui”, Darabon admite. “Só Guillermo del Toro e Peter Jackson tem mais objetos de terror e fantasia do que eu.”

É uma tarde amena de outono em Los Angeles. Dentro de algumas horas Darabont estará na premiere de The Walking Dead, a série baseada nos comix de  Robert Kirkman, que estréia na TV norte-americana domingo ( no Brasil, dia 2) e que Darabont produziu juntamente com Gale Ann Hurd. (O Exterminador do Futuro I e II, Segredo do Abismo, Aliens) Por enquanto, Darabont e eu nos sentamos entre o Exterminador e Boris Karloff para conversar sobre zumbis, pesadelos, cinema, televisão e o eterno poder do terror sob controle numa sala escura.

Nesta primeira parte, Darabont conta um pouco dos bastidores do nascimento da série:

Houve alguma dificuldade para realizar The Walking Dead na TV? Afinal, terror de verdade não é algo muito comum no horário nobre de canais por assinatura…

_ Na verdade, foi mais fácil que levantar a produção de um filme. Bastante rápido, também, sem obstáculos. A AMC mostrou desde o começo que estava apoiando e investindo no projeto. Normalmente você tem que fazer um piloto primeiro, testar as águas, a reação do público. Os executivos da AMC viraram para nós e disseram _ por que não fazemos uma mini-série com seis episódios, para realmente dar tempo de mostrar a proposta ao público,  dar tempo para a série encontrar sua platéia? Isso é uma raridade hoje em dia tanto na TV aberta quanto no cinema.

Qual a trajetória da narrativa nestes seis episódios?

_ O primeiro episódio, de uma hora e meia, que eu dirigi, é exatamente o roteiro que escrevi para o que seria o piloto. A partir daí minha preocupação  foi introduzir os personagens e estabelecer o mundo que êles habitam. Desde o começo, desde minhas primeiras conversas com Robert Kirkman , concordamos que íamos ampliar o material, deixar que ele expandisse, que respirasse, que nos sugerisse novas situações.

Meu foco sempre foi abraçar esses personagens e me deter sobre eles, em vez de disparar com a história _ o que seria mais simples, já que Robert tinha nos dado toda a planta-baixa da trama em seus comix. O primeiro episódio é Rick Grimes ( Andrew Lincoln) entrando nesse mundo apocalíptico. A partir do segundo episódio começamos a fazer esses desvios mais e mais… e é uma delícia! Queremos surpreender o público, inclusive o público que conhece os quadrinhos, queremos que êle reconheça aquilo que ama mas também nunca saiba o que vai acontecer. E no episódio 6 vamos por atalhos realmente inesperados…

Robert Kirkman está então completamente envolvido no processo?

Robert Kirkman e alguns amigos no set de The Walking Dead

_ Completamente. É uma das grandes alegrias deste projeto. Ele estava na primeira reunião comigo, em todos os trabalhos de roteiro, estava presente na sala dos roteiristas para criar cada episódio. Eu disse a êle que queria me deter sobre coisas sugeridas nos quadrinhos e criar novas situações a partir delas. E êle apoiou inteiramente, aliás adorou a ideia de ir nessa jornada pegando desvios, fazendo o jogo do “e se…” Para Robert é como fazer um riff novo sobre um tema que êle conhece muito bem.

Os comix levam a trama numa direção super sombria e terrível_ você vai levar a série nessa direção também? Ou existe algum tipo de pressão da AMC para abrandar o material?

_ Não há interferência alguma. Nunca houve, em nenhum momento, qualquer tipo de sugestão, temos liberdade completa para tratar o material.  Imagino que a série vai mesmo ser sombria e assustadora, provavelmente mais sombria e assustadora que qualquer outra coisa que já se viu na TV. Por exemplo: adoro o Governor, é um personagem fantástico e com certeza quero chegar até êle.

Em algum momento você pensou em adaptar The Walking Dead para o cinema?

_ Não. Uma das coisas que amei no material original é seu longo arco narrativo, o modo como a trama se desenvolve gradualmente. E isso é perfeito para TV. É o tipo de história que a TV nasceu para contar. Você pode contar um tipo de história nas duas horas de um filme _ é um foco mais restrito, que você tem que manter se vai fazer a coisa direito, sem alienar a platéia. Na TV você tem essa maravilha que é o tempo para desenvolver uma trama.

To be continued…

Fotos:Theo Kingma; Two Productions/AMC


Rocky Horror Glee Show esquenta a semana de Halloween
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Ana Maria Bahiana

A semana de Haloween na TV continua melhor que nos cinemas. Ontem foi ao ar o muito badalado e antecipado especial Rocky Horror Show de Glee _ que ganhou até pré-estréia à meia noite no mesmo cinema que abriga as midnight sessions do Rocky Horror Picture Show, o poeira-de-luxo Nuart, aqui em Los Angeles. Com roteiro do showrunner Ryan Murphy e direção de Adam Shankman (Hairspray), o episódio foi o campeão de audiência de ontem, com mais de 11 milhões de espectadores.

Pisando com cuidado para não detonar os odiados spoilers, digo que o episódio foi charmoso e divertido, em grande parte porque resolveu muito bem o grande problema da empreitada: como integrar um texto anárquico e sexualmente insolente como Rocky Horror Show com a vida  num ginásio do meio oeste norte-americano como o de Glee.

O outro ponto positivo do Rocky Horror Glee Show foi sua conhecida habilidade de comentar temas atuais e complexos de modo leve mas eficiente _ uma qualidade que, desde o começo, tornou a série da Fox bem diferente de sua rival mais óbvia, a High School Musical da Disney. Diversidade sexual e estética, aceitação do corpo, criatividade, rebeldia versus conformismo, temas comuns em Glee,  encontraram  o lugar certo na inusitada proposta de Mr. Schue (Matthew Morrison) de transformar a peça cult dos anos 1970 em musical ginasiano (por motivos nada educacionais, como se verá). A alfinetada nos métodos alarmistas da direita norte-americana em ano eleitoral ficou por conta da sempre maravilhosa Sue Sylvester de Jane Lynch (com a ajuda de Meat Loaf numa ponta como o novo diretor da estação de TV local).

Na cola de Glee, a nova série da Fox, Raising Hope, também fez bonito com seu episódio de Halloween – com destaque para o Batman mais patético e lírico que já  vi, vestido com orgulho pelo “Jimmy” de Lucas Neff.

Criada por Gregory Thomas Garcia – que era da equipe de My Name is Earl e está estreando como showrunner- Raising Hope tem sido o destaque da nova temporada da Fox, sucesso de crítica e público.

Muito bem escrita, com ótimo elenco (além de Neff, Martha Plimpton, Garret Dillahunt e Cloris Leachman), Hope traz para a tela o cotidiano de um tipo de família que raramente consegue lugar no horário nobre: pessoas de vida muito modesta, com zero auto-piedade. Neff é estoquista num supermercado, criando uma filha de seis meses (a Hope do título) com a ajuda da mãe faxineira (Plimpton), do pai jardineiro (Dilahunt) e da avó doida de pedra (Leachman, genial).

Não esperem discursos populistas _ Raising Hope está mais para Simpsons que para neo-realismo italiano, e sua dose certa de humor e coração é outro exemplo de boa TV.

E já que estamos no tema “boa TV” aproveito para recomendar a nova série policial Luther, da BBC, estrelada e produzida por Idris Elba. Não tem nada a ver com Halloween – descontando os serial killers e companhia – mas é consistentemente genial. Mais ou menos como se House fôsse inglês e trabalhasse para a polícia de Londres…


Na semana do terror, a TV sai na frente _ de novo
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Ana Maria Bahiana

Última semana de outubro: época tradicional para os lançamentos de terror e suspense. E, no entanto, não estou nem um pouco animada com as opções deste ano. Atividade Paranormal 2? Ai. (Se bem que admiro o esforço de fazer um filme com micro-orçamento que triunfa na bilheteria…)

Como já está se tornando padrão, vamos para a TV, onde coisas muito mais interessantes e emocionantes nos esperam:

Sherlock, co-produção em três episódios da BBC Wales e da rede pública norte-americana PBS é a mais deliciosa adaptação da obra de Conan Doyle que já vi desde Young Sherlock Holmes, de Barry Levinson, em 1985 (não, o de Guy Ritchie não me convenceu…). Crédito em primeiro lugar à dupla Steven Moffat e Mark Gatiss, que já havia trazido nova vida ao mega-cult Dr. Who (Moffat também é o autor do roteiro de Tintin e o Segredo do Unicórnio, aquele de Steven Spielberg e Peter Jackson, e Gatiss tem uma ponta na micro-série como Mycroft, o irmão de Sherlock).

Moffat e Gatiss, roteiristas e produtores, dão uma verdadeira aula de adaptação:  em vez de manter a trama no século 19 e tentar modernizá-la no estilo narrativo (como Guy Rtchie) eles desmontam o cânon sherlockiano e o transportam, peça por peça, para a Londres do século 21. Sherlock (Benedict Cumberbatch, de Atonement, Creation) é um super-nerd com o racionício mais veloz do planeta e  nenhum trato social,  que pilota smartphones (dos outros, em geral) à velocidade da luz, ou quase.  Não fuma cachimbo, pelo contrário: está tentando parar de fumar com muitos adesivos de nicotina pregados ao mesmo tempo. E certamente consome drogas ilegais, embora não goste de falar sobre o assunto. O Dr. Watson (Martin Freeman, o futuro Bilbo de O Hobbit) é um ex-médico militar, veterano do Afganistão, que se torna roomate de Holmes no apartamento de  Baker Street, 221B e acaba descrevendo as aventuras dos dois num blog. Uma piada recorrente da micro-série é a suspeita de  quase todo mundo quanto a uma  ligação romântica entre os dois – que, sendo Londres em 2010, não tem nada demais, mas enfurece Watson.

Poderia ser apenas engraçadinho, mas não é _ é empolgante como devem ter sido as primeiras histórias publicadas em série na Londres vitoriana. Holmes e Watson tornam-se verdadeiros personagens, multifacetados e complexos, inteiramente plausíveis na vida do século 21. Moffat e Gatiss inspiram-se nos textos de Conan Doyle – especialmente A Study in Scarlet e The Five Orange Pips– para criar novas tramas, fiéis em espírito aos princípios sherlockianos. É uma delícia – principalmente o primeiro da trilogia, A Study in Pink, e o terceiro, The Great Game, que apresenta genialmente o arqui-inimigo Moriarty.

Sherlock já foi exibido na Grã Bretanha em julho e estréia hoje nos EUA. Está disponível também em DVD/Blu Ray.

The Walking Dead,  produção da cada vez mais ambiciosa AMC, é outro triunfo de adaptação. Os produtores Frank Darabont (diretor de Shawshank Redemption, Green Mile e do primeiro episódio da série) e Gale Ann Hurd (sem a qual O Exterminador do Futuro não existiria) abordam a série de premiadas graphic novels de Robert Kirkman (com os desenhistas Tony Moore e Charlie Adlard) com uma preocupação maior com conteúdo do que com forma.

É comum – e fácil- traduzir para o audiovisual o estilo  de comix e graphic novels: são formas de narrativa muito próximas uma da outra. Mais complicado, e muito mais interessante, é ir além do estilo, descobrir as qualidades e possibilidades dos personagens, quem eles são e por que agem, e como os elementos da trama têm impacto sobre êles. Esse é o grande trunfo de The Walking Dead : usar a poderosa metáfora dos mortos –vivos (que afinal somos nós, humanos, supensos além de vida e morte)  para explorar nossos medos, nossas dores, nossa humanidade.

O bom terror é o que responde à altura à pergunta-chave: o que nós não admitimos perder de jeito nenhum? The Walking Dead responde de forma completa: é menos sobre os zumbis e mais sobre quem êles deixaram para trás, e as complicadas relações entre êles. Afinal, como o  clássico de George Romero antecipa em seus minutos finais, a fronteira entre um ser amado e um monstro é muito tênue no mito dos mortos-vivos.

O elenco- liderado por Andrew Lincoln como o xerife Rick Grimes- é sólido, os efeitos  visuais são excelentes, as locações em torno de Atlanta, perfeitas e os zumbis, porque não dizer, são super cool. Uma certa semelhança com Extermínio, de Danny Boyle (hospital, epidemia, etc)  paira sobre os primeiros minutos do episódio de abertura,  mas vai embora rapidamente. Daí em diante The Walking Dead é original, assustador e, muitas vezes, emocionalmente devastador.

The Walking Dead estréia no domingo dia 31, aqui nos EUA e no Brasil dia 2 de novembro, no canal Fox.


Nos finais de Mad Men e Rubicon, a inteligência contagiosa da TV
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Ana Maria Bahiana

Duas séries importantes tiveram seus episódios finais neste domingo, aqui, e estou devendo meus comentários. Tenho, contudo, uma ótima desculpa: só agora estou me recuperando de um ser daninho (vírus, bactéria, mini-alien, quem sabe?) que me derrubou esta semana.

Como é quase impossível falar sobre ambas sem revelar alguma coisa sobre seu conteúdo, já vou avisando que, se você é totalmente alérgica/o a  qualquer informação sobre algo que não viu, talvez deva ir para outro post. Prometo fazer o máximo para evitar os odiados SPOILERS, mas nunca se sabe…

Mad Men, primeiro. A quarta temporada começou com uma pergunta _ “Quem é Don Draper?” _ e terminou com a canção “I got you, babe”, de Sonny and Cher, hit pop teen de 1965. A pergunta não foi inteiramente respondida, mas, com certeza, foi explorada minuciosamente nos 13 episódios que levaram Don Draper-Dick Whitman (Jon Hamm) a duelar entre si com a fúria de um Dr. Jekyll e um Mr. Hyde, cada um o monstro do outro, a persona inventada rachando sob a pressão de várias rejeições – divórcio,  a instabilidade da nova agência – e o caipira desertor exigindo afeto, refúgio, perdão. Passado e futuro chocaram-se ruidosamente, repercutindo, no nível pessoal, as mesmas encruzilhadas que começavam a se delinear para toda a sociedade: fumar ou não fumar?, maconha ou heroína?, guerra fria ou guerra quente?, pílula ou aborto?

Foi uma temporada para Jon Hamm mostrar tudo o  que é como ator, capaz, como disse o criador Mathew Weiner ,de “modificar o rosto e a postura de tal modo que parece que sua própria estrutura óssea mudou”. Quando Anna (Melinda Page Hamilton) o chama de “Dick”, tudo nele muda, há uma regressão, um olhar de menino abandonado, uma humildade e uma humanidade que Don Draper, super-herói da Sexta Avenida, desconhece.

Foi também a temporada das mulheres:  Peggy Olson (Elizabeth Moss), avançando na vida e no trabalho como sua geração de fato faria; a Dra. Faye Miller (Cara Buono) mostrando-se igual, ombro a ombro, com Don (provocando uma mistura de fascínio e terror que foi um dos grandes ímãs da temporada); e Sally, ah! minha querida Sally! (Kiernan Shipka) anunciando o que as mulheres seriam mais adiante, emergindo da infância de conforto material e abandono emocional nos subúrbios para uma nova identidade nos anos 70.

No final, Don resolveu o conflito com Dick saindo pela tangente, como tantos homens de sua geração _ e além. Na última imagem da quarta temporada ele olha para a janela – o futuro- enquanto a escolha que fez dorme ao seu lado. Há uma outra pergunta em seu olhar, e ela pode muito bem ser a mesma que abriu a série.

Rubicon também terminou com um homem só, enfrentando um monstro que tentara decifrar durante toda a temporada. A diferença é que , para Will Travers (James Badge Dale), o monstro está fora; sua alma e sua intenção são claras e precisas, e seu conflito é com a areia movediça da “comunidade de inteligência” na qual trabalha, e da qual nunca pensou suspeitar.

Faltou à série a qualidade de roteiro que sempre foi o sustento de Mad Men – a narrativa custou a engrenar, pedindo ao  espectador um tempo e uma paciência difícil de obter na telinha. Quem persistiu, ganhou – Rubicon complicou-se maravilhosamente do episódio 5 em diante, e teve uma arrancada fascinante em seus três últimos episódios, com Will na situação clássica dos thrillers políticos dos anos 70: o único homem honesto que compreende inteiramente o que está acontecendo, mas pode fazer quase nada.

No momento em que escrevo, não se sabe se a AMC vai ou não encomendar mais 13 episódios de Rubicon – mas, em nome da cada vez mais contagiosa inteligência da TV, torço que sim.


Em Hereafter, o além é muito chato
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Ana Maria Bahiana

A primeira pergunta que me ocorreu assim que os créditos de Hereafter/Além da Vida começaram a rolar na tela, ao final do filme, foi: como é possível que dois realizadores deste nível – o roteirista Peter Morgan, o diretor Clint Eastwood- tenham conseguido fazer um filme tão chato? O tema é fascinante, intrigante, emocionante: como as vidas de três pessoas tocadas por experiências de perda e morte podem se entrelaçar num plano que, na realidade, transcende tudo isso. Morgan é o brilhante autor dos roteiros de A Rainha e Frost/Nixon, claramente capaz de controlar uma narrativa e  criar nuances em seus personagens. E Clint é…. Clint (e eu ainda não me conformo com a esnobada que Gran Torino recebeu. Creio que a história vai corrigir isso…)

E no entanto… Hereafter/Além da Vida (que está em cartaz em algumas telas neste fim de semana, expandindo seu circuito sexta que vem; no Brasil, dia 7 de janeiro) começa maravilhosamente bem, recriando com perfeição e intensidade o tsunami que arrasou o Sudeste Asiático em 2004. É ali que a jornalista Marie (Cecile de France) tem seu encontro “além da vida”, momento decisivo que vai levá-la a uma jornada de autoconhecimento. A segunda história que a dobradinha Morgan/Eastwood nos apresenta  já vem com menos embalo : em Londres, dois gêmeos (vividos adoravelmente por gêmeos de verdade, George e Frankie McLaren) são separados em circunstâncias trágicas (e, como Morgan não consegue resistir a um fato histórico, os atentados ao metrô de Londres, em 2005, são incorporados à narrativa mais adiante).

Por fim, conhecemos o médium menos carismático da história da parapsicologia: George (Matt Damon), um sensitivo de extraordinários poderes que abandonou esse tipo de trabalho porque, como ele diz à guisa de explicação, “viver em contato com a morte não é vida.”. George, como interpretado por Damon sob a orientação de Eastwood, é um enigma, mas não dos bons. Seus poderes de contato com o além, quando praticados, não parecem perturbá-lo ou sequer emocioná-lo. É mais fácil acompanhar sua paixão por Charles Dickens do que entender o que deveria ser o coração da história: por que ele se sente tão perturbado/assombrado/desencantado com o seu dom de entrar em contato com os que se foram deste mundo.

Esse tom gelado e monótono impera durante todo o filme, depois que as águas do tsunami recuam. Abordar a possibilidade de vida depois da morte, no cinema, é escolha que pode ir pelo viés do terror, do suspense, do drama e até do romance e da comédia. Mas é algo sempre impactante, que exige e merece nossa atenção. O além de Morgan/ Eastwood não tem emoção alguma.

Fiquei intrigada quando Morgan disse que a inspiração para seu roteiro veio da perda súbita de um amigo e a sensação de vazio que sua morte deixou. É material forte, emocionalmente rico, perfeito para um mergulho profundo. Teria Morgan tentado não se envolver mais com a dor da perda? Ou ele é do tipo de escritor que só consegue se expressar através e a partir de fatos reais?

No final – que aliás, é uma das coisas mais forçadas e previsíveis que já vi no filme de um diretor respeitado – uma única pessoa no cinema aplaudiu. Muita gente se virou para ver quem era a alma penada. “Deve ser da família”, o jornalista ao meu lado comentou.


Sexo, drogas e revolução: o terrorista como rockstar no “Carlos” de Olivier Assayas
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Ana Maria Bahiana

Está no ar esta semana no Sundance Channel a minissérie Carlos, de Olivier Assayas, sensação em Cannes e primeiro lançamento de um belo pacote de projetos de ficção do canal – que inclui Tríplice Fronteira, de José Padilha.

Carlos é um banquete de cinema, não importa em que tela esteja. Como todo banquete – são quase seis horas de duração, divididas em três partes – tem momentos deliciosos e nem tanto, altos e baixos. Poderia ser mais curto, mais concentrado, menos disperso – depois de algum tempo é fácil perder o rumo entre tantos personagens, cidades, países e intrigas políticas. Mesmo assim é uma experiência cinematográfica de imenso vigor e ousadia, uma releitura ao mesmo tempo pensativa e insolente das raízes do drama geopolítico que vivemos hoje. Pensar que algo assim, filmado em oito locações em três continentes, foi possível graças à parceria de duas independentes de TV – o Canal Plus francês e o Sundance norte-americano – dá mais elementos para o debate TV-como-novo-cinema que ocupa as melhores mentes da indústria, hoje.

A comparação com o igualmente vasto Che de Steve Soderbergh é imediata e natural. Ambos focalizam figuras históricas com os mesmos traços – Che Guevara, o argentino apóstolo da luta armada na América Latina nos anos 1960; Ilich Ramirez Sanchez, codinome “Carlos”, o venezuelano responsável, entre 1975  1985, por algumas das mais espetaculares ações terroristas em solo europeu, em nome da Frente Pela Libertação da Palestina.

Mas enquanto o Che Guevara de Soderbergh/Benicio del Toro era um idealista consumido pela paixão de suas ideias, o Carlos de Assayas/Édgar Ramirez é, acima de tudo, um rockstar: vaidoso, temperamental, arrogante, incapaz de resistir às mulheres e à celebridade. Fala muito em seu compromisso com “a luta internacionalista”, “a defesa dos oprimidos”e “a derrota do imperialismo” – mas quase sempre quando quer finalizar uma nova conquista. No primeiro episódio , confessa: “minha religião é o marxismo”. No terceiro, abre uma negociação com “é claro que sou muçulmano”. Jeans, casaco de couro, costeletas, cabeleira, uma boina-Che no auge de sua glória, Carlos vive na estrada, coleciona groupies, exige obediência cega de seus subordinados, cheira cocaína no meio de um sequestro e detesta longos compromissos.

Quando ele diz que quer “criar um novo grupo” é com a mesma animação de quem diria “quero criar uma nova banda”. Cada ação que planeja é coreografada para máximo impacto de mídia, e Carlos apregoa seu nome enquanto dá tiros e faz reféns. Suas trocas de lealdade a sortidos grupos extremistas – as Células Revolucionárias alemãs, o Exército Vermelho japonês, os palestinos, os sírios, os iraquianos, os líbios – são motivadas e executadas como quem troca de gravadora. Carlos acompanha com prazer a cobertura de seus feitos na mídia; em dado momento, sentindo a queda em sua “popularidade”,  coordena uma entrevista exclusiva com um jornalista sírio _ mas quando a matéria publicada não sai como queria, manda matar o pobre repórter.

Assayas enfatiza esse olhar ao rechear a trilha de Carlos com rock dos anos 70-80, não necessariamente contemporâneo a cada data da narrativa, mas extremamente coerente com o espírito da obra: ambos expressam a mesma mistura de raiva e vaidade, desejo de destruição e de sucesso, uma espécie de brilho caótico sonhando, em tese, com uma vida breve e uma morte gloriosa – mas tentando adiá-la ao máximo. É particularmente feliz e dramático o uso de “Dreams Never End”, do New Order, como assinatura musical do personagem Carlos, e as duas canções que encerram os episódios:”El sueno americano” , da banda argentina La Portuaria, nos episódios 1 e 2, e “La pistola y el corazon”, dos angelenos Los Lobos, no episódio final.

Assayas e o co-roteirista Dan Franck dizem ter baseado a minissérie em pesquisa independente, e não nos muitos livros já escritos sobre ou inspirados pela legendária figura, apelidado pela mídia da época de Carlos, O Chacal. Um aviso no início de cada episódio alerta para a natureza fictícia de muitas passagens da história . Assayas está no comando, e seu Carlos é um personagem cuidadosamente calibrado para nos fascinar e repugnar em rápida sequência, muitas vezes ao mesmo tempo.

O fascinante da série, especialmente seus dois primeiros episódios, é seu ritmo impecável, um verdadeiro thriller internacional  com notável controle da narrativa. O terceiro e mais longo episódio é o mais fraco, talvez porque o mundo em que Carlos habita – o universo pós-guerra-fria, onde militantes são antes de tudo fundamentalistas religiosos – seja mais complicado que as claras trincheiras dos 70. No final, Carlos não tem a morte gloriosa com que sonha – apenas esmaece aos poucos, isolado , rancoroso e incompreendido como um rockstar sem plateia.


Como o garoto de Liverpool se transformou em John Lennon: a delicada saga de Nowhere Boy
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Ana Maria Bahiana

Porque hoje é dia 9 de outubro e John Lennon faria 70 anos se sua história não tivesse sido brutalmente interrompida 30 anos atrás achei que seria a hora certa de falar de Nowhere Boy – que estreou aqui neste final de semana e chega ao Brasil, com o título O garoto de Liverpool, dia 3 de dezembro.

Tenho problemas com a maioria das cinebios rock – acho banais, meio com cara de fime-de -TV- pré-HBO, assépticas, sem o pulso vital que  é a essência dessas vidas.  Tanta coisa nessas vidas é  além de imagens. Tanta coisa é intraduzível, ou infinitamente particular, ou misteriosa no modo como foi apropriada e reinterpretada nas vidas menores de todos nós, nas platéias, do outro lado das caixas de som, dos rádios.

Talvez porque a diretora  Sam Taylor Wood tenha nascido em 1967, quando a Beatlemania já tinha passado  de histeria para fenômeno cultural e se fundia com a contracultura, ela tem a distância necessária para compreender John Winston Lennon como o garoto de Liverpool – alguém tão perdido como qualquer garoto pode ser aos 16 anos, tateando na escuridão da adolescência em busca de um rosto, uma identidade, um destino.

Seus parceiros nesta deliciosa jornada cinematográfica são o preciso roteiro  de Matt Greenhalgh (Control) a partir das memórias de Julia Baird, meio-irmã de Lennon; e Aaron Johnson, que encarna John de dentro para fora, de tal forma que é como se sua alma desse forma ao corpo, em princípio não muito semelhante ao verdadeiro personagem (a colaboração foi tão perfeita que Taylor-Wood e Johnson estão juntos até hoje e tiveram uma filha).

O John de Nowhere Boy é o herói inconsciente do mito – ele realmente não sabe quem é e o que faz na Liverpool do pós-guerra, ainda ecoando histórias de bombardeios e pais perdidos em batalhas. A tia Mimi (Kristin Scott Thomas, maravilhosa como sempre) que lhe serve de mãe é a imagem da Grã -Bretanha dos anos 50- estóica, aferrada a códigos de conduta que já não fazem sentido num mundo que em breve será virado do avesso. Julia (Anne Marie Duff, ótima), a verdadeira mãe que ele acha que perdeu é, na verdade, exatamente como ele – solta no mundo, naturalmente charmosa, fã de blues e jazz, irreverente, irresponsável.

Descobrir, quase ao mesmo tempo, que Elvis Presley existe e que  Julia mora, na verdade, a algumas quadras de sua casa  são as epifanias que vão impulsionar o garoto de lugar nenhum para um destino que ele mesmo, a princípio, não consegue nem imaginar – tudo o que ele quer é cabelo gomalinado, jeans justos, andar no teto do ônibus e impressionar as garotas com uma bandinha furreca na festa na igreja.

Um dos elementos mais delicados e precisos de Nowhere Boy é como ele mantém essa inocência do olhar – nada da onisciência que marca tantos filmes do gênero (aquele clima eles-não-sabiam-mas-estavam-destinados-para-a-glória que é  puro truque cinematográfico).  John e seus improvisados discípulos na banda que muda constantemente de nome e direção musical são exatamente como milhares de outros nas décadas que viriam, adolescentes curando a ressaca da embriaguez de viver com o elixir do rock ‘n roll.

Taylor-Wood ancora a realidade de sua história com os pequenos detalhes que, futuramente, serão parte do mito: a bicicleta passando diante do orfanato Strawberry Fields, o ônibus cujo trajeto inclui Penny Lane, o Cavern Club onde a banda sonha tocar, um dia.  O outro encontro que mudaria completamente a jornada do nosso herói – com Paul McCartney na tal quermesse de igreja – é tratado com igual simplicidade. Paul  (Thomas Sangster, preciso) é o pé no chão, pragmático, já enrijecido pela realidade de praticar o que prega, musicalmente. O excelente trabalho dos dois atores sublinha claramente a faísca entre eles, partes iguais de atração e repulsa, admiração e desprezo, cumplicidade e rivalidade. Em suma: Lennon e McCartney. Ou: “John, seu amiguinho está aqui!”, na voz de Mimi/Kristin Scott Thomas).

Taylor-Wood, que começa seu filme com o acorde de abertura de “A Hard Day’s Night” – num sonho, como um eco distante de chamados futuros – termina sua história um minuto antes  do garoto de Liverpool se transformar em John! Lennon!. Há uma conversa na sala, a luz da tarde pela janela, Mimi e sua xícara de chá.  “Qual é mesmo o nome de seu conjunto?”, Mimi pergunta. “Vocês já mudaram tantas vezes…” John não responde.

O resto será o destino.


Só para os fortes: vem aí o cinema-claustrofobia
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Ana Maria Bahiana

Não sei se poderíamos chamar de sub-gênero, mas dois filmes de alta visibilidade que estarão em cartaz en breve nos EUA tem tanto em comum que não resisto a chamá-los de cinema claustrofobia: Buried (Enterrado Vivo), que estreia neste fim de semana (12 de novembro no Brasil) e 127 Hours (127 Horas), que vai para as telas, aqui, dia 5 de novembro (18 de março no Brasil). Um é cem por cento ficção, o outro baseia-se em fatos reais. Ambos são criaturas da produção globalizada de hoje,  co-produções entre estúdios independentes de luxo norte americanos e empresas europeias. Ambos têm um único protagonista em, praticamente, um único cenário, foram dirigidos por europeus- o espanhol Rodrigo Cortés e o inglês Danny Boyle- trabalhando com orçamentos reduzidos e tecnologia de ponta, capaz de suplantar os apertos financeiros com engenho e arte.

Os dois se seguram em fiapos de narrativa, às vezes titubeiam e muitas vezes alcançam  momentos de alto brilho . Mas, mais importante, ambos são muito bons _ embora não aconselháveis para pessoas impressionáveis, como se dizia antigamente.

Enterrado Vivo é meu favorito.  A espoleta da narrativa é tão absoluta que, muitas vezes, parece forçada – mas outros filmes já gastaram muito mais dinheiro e tempo de nossas vidas com muito menos… Paul Conroy (Ryan Reynolds) é um motorista de caminhão trabalhando no Iraque  na entrega de suprimentos. Quando seu comboio é atacado, Paul é nocauteado e acorda num caixão  enterrado em algum ponto da área de conflito, com um celular, um isqueiro e um cantil. Vozes diversas, ao telefone, alternam-se ao longo dos concentrados 90 minutos do filme (o tempo que Paul  tem de oxigênio em seu cativeiro) .  Algumas, ameaçadoras, explicam que ele é um refém cuja libertação custa, em princípio, muitos dólares  (as exigências aumentam com o passar do tempo); outras, indiferentes ou compassivas, vão compondo a reação do mundo da superfície à tragédia de Paul.

O diretor Rodrigo Cortés – que filmou Enterrado Vivo na Espanha pelo ínfimo orçamento de 3 milhões de dólares – mantém o olhar do filme estritamente dentro dos limites do caixão. É um feito que daria orgulho a Alfred Hitchcock e que, para muitas pessoas da plateia, causa acessos muito reais de falta de ar. A espetacular fotografia de Eduard Grau (cujo talento vimos recentemente em A Single Man) explora cada ângulo possível para manter a composição ao mesmo tempo clara e opressiva. E como o roteiro (do americano Chris Sparling) é fictício e define Paul como um civil sofrendo as consequencias da guerra alheia, a conexão com a plateia é muito fácil, ultrapassando posturas políticas e indo direto ao coração humano da trama – e Ryan Reynolds trabalha esses contornos com enorme talento.

127 Horas baseia-se numa história verdadeira : em maio de 2003 o engenheiro civil e  alpinista Aron Ralston, de 28 anos, sofre um acidente num remoto canyon do Utah, e se vê aprisionado no fundo de uma ravina, a mão direita esmagada por uma enorme rocha. Aron sobrevive cinco dias – as 127 horas do título – nessas condições, até , em desespero, sem víveres e sem água, tomar uma decisão excruciante para salvar sua vida. Se você não sabe o que é, não vou contar – basta dizer que é dramático o bastante, no filme, para enviar pessoas mais sensíveis direto para o banheiro.

Boyle faz o que pode para elevar a narrativa acima do desesperador tédio de cinco dias solitários no fundo de um cânyon – Aron (James Franco) monologa, alucina, relembra. Como Boyle e seu co-roteirista Simon Beaufroy estão trabalhando com fatos reais, eles não têm a liberdade de Enterrado Vivo para armar tramas paralelas nos momentos cruciais, de forma a segurar o espectador. O foco precisa se manter inteiramente em Aron – e seu estoicismo, típico de alguém com grande preparo físico e íntimo conhecimento da natureza, muitas vezes parece indiferença ou até mesmo arrogância. Crédito a Boyle e aos DPs Enrique Chediak e Dod Mantle por criarem mini-poemas visuais de intensa beleza pontuando as 127 horas da provação de Aron, e por se recusarem a levar o filme para a apelação. Quando acidente e solução final acontecem, é com a exata simplicidade e até rispidez com que essas coisas realmente têm.

Para espíritos fortes, recomendo ambos.